23 Junho 2022
"Para Dugin, a libertação não apenas da bacia do Donbass, mas de toda a Ucrânia oriental e meridional, incluídas as metrópoles Kharkiv e Odessa, é o 'programa mínimo'. Visto como as coisas estão indo, muito provavelmente, também o é para Putin", escreve Germano Monti, em artigo publicado por Settimana News, 22-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Deve-se admitir que Alexander Gelevic Dugin sempre teve ideias muito claras sobre a Ucrânia e os ucranianos. Já em 2008, antes ainda da crise entre a Rússia e a Geórgia (que terminou com a ocupação russa da Abkhazia e da Ossétia do Sul), Dugin vaticinava que as tropas russas ocupariam "a capital georgiana Tbilisi, todo o país e talvez também a Ucrânia e a península da Crimeia", que de qualquer forma é historicamente parte da Rússia.
Essas declarações são relatadas em um artigo de Vice datado de 28 de abril de 2014, no qual o filósofo-cientista político russo também afirmava: “teremos uma nova Guerra Fria, mas talvez desta vez não será tão fria”.
Em 2014, tropas de Moscou invadiram a Crimeia, simultaneamente com o início da guerra civil no Donbass. Dugin não deixou de soprar o fogo, a ponto de seus apelos incendiários terem desgostado seus colegas professores da Universidade Estatal de Moscou, que então lançaram uma petição para excluí-lo do ensino com mais de oito mil adesões em poucos dias.
Evidentemente, os tempos ainda não estavam maduros, Putin não pretendia ir muito além e o resultado é que Dugin foi excluído do ensino e, principalmente, dos programas de televisão do horário nobre. O "filósofo" não gostou da linha cautelosa do Kremlin afirmando que "todos [os rebeldes] contavam com a chegada de tropas russas mais cedo ou mais tarde. Se Putin não os ajudar, estará acabado”.
Conceito reafirmado também no ano seguinte, em 6 de julho de 2015, durante sua palestra no Hotel dei Cavalieri em Milão, por ocasião da conferência sobre a Eurásia promovida pela associação Lombardia-Rússia de Giancarlo Savoini, na época braço direito do líder da Liga do Norte Matteo Salvini. Naquela ocasião, em relação à situação na Ucrânia, Dugin fez questão de informar que havia dito “em todas as emissoras russas e repito aqui também: só há uma saída, a intervenção militar russa”.
Não surpreende, portanto, o empenho que o cientista político russo vem assumindo desde o início da invasão russa da Ucrânia, que obviamente apoiou com a espada em riste. É muito provável que todos aqueles que não leem publicações de direita, não costumam acompanhar as redes Mediaset e não estejam muito familiarizados com as mídias sociais, desconheçam que Dugin impera nesses canais desde 24 de fevereiro.
Ele foi entrevistado por praticamente todos os jornais de direita e convidado para muitas transmissões de televisão, onde repetiu incansavelmente os conceitos que formam seu pensamento, que aliás coincide com o do Patriarca de Moscou Kirill e - muito mais preocupante - com o de Vladimir.
Os leitores desta revista já tiveram a oportunidade de conhecer, ainda que brevemente, os fundamentos da ideologia de Dugin (SettimanaNews, aqui), inspirada na ideia-força da revolução conservadora imaginada por Julius Evola: uma mistura entre tradicionalismo religioso e o antiglobalismo, que leva à demonização de tudo o que cheira a Ocidente, a começar pelos valores da Revolução Francesa, do Iluminismo e também do catolicismo social, sem falar do marxismo.
Afinal, mesmo que sua trajetória política pareça bastante errática, estamos falando do mesmo Dugin que escreveu um pequeno ensaio em 1997, intitulado "Fascismo imenso e vermelho", que aos nossos olhos só pode aparecer como uma exaltação do fascismo sansepolcrista (movimento que antecedeu o fascismo de Mussolini, ndt), um texto onde aparecem afirmações como:
"O fascista detesta os intelectuais. Vê neles burgueses mascarados, burgueses pretensiosos, falastrões e covardes irresponsáveis. O fascista ama simultaneamente o feroz, o sobre-humano e o angelical. Adora o frio e a tragédia, não gosta do calor e do conforto. Em outras palavras, o fascismo não aprecia nada que a essência do nacional-capitalismo faz. Luta pelo domínio do idealismo nacional (e não do capital nacional), e contra a burguesia e os intelectuais (e não por ela e com estes). A famosa frase de Mussolini define exatamente o pathos fascista: Viva a Itália fascista e proletária!”.
Novamente: “As partidocracias com seus intelectuais de serviço, tendo transformado a democracia em uma farsa, provavelmente se uniram para enlamear decisivamente e envenenar o nacionalismo nascente na sociedade. A essência do fascismo é uma nova hierarquia, uma nova aristocracia. A novidade consiste no fato de que a hierarquia é construída sobre princípios claros, naturais, orgânicos: benefício, honra, coragem, heroísmo”.
Para concluir: “Diante da morte, o escritor fascista francês Robert Brasillach proferiu esta estranha profecia: vejo que no Leste, na Rússia, o fascismo está se recuperando, o fascismo imenso e vermelho. Lembre-se: (se afirmará) não o capitalismo murcho, rosa-preto, mas o deslumbrante alvorecer da nova Revolução Russa, o fascismo imenso, como as nossas terras, e vermelho, como o nosso sangue”.
Essas frases - que com razão podem parecer divagações de bêbado - ajudam a compreender o substrato irracional do pensamento de Dugin e, mais ainda, deveriam induzir qualquer um se preocupar com o fato de que os últimos acontecimentos mostrem a sintonia entre o que Dugin diz e o que Putin faz, sem nunca o mencionar abertamente.
E o que Dugin disse após o início da invasão russa da Ucrânia? Em 4 de março, ele declarou à Agência de Imprensa Italiana que “a Rússia estabeleceu um percurso para construir seu mundo, sua civilização. E agora o primeiro passo foi dado. Mas soberano diante do globalismo só pode ser um grande espaço, um continente-estado, uma civilização-estado. (…) Quase sempre escrevo coisas que depois se tornam realidade. Isso também se tornará realidade (…) O Ocidente moderno, onde triunfam os Rothschilds, Soros, Schwab, Bill Gates e Zuckerberg, é a coisa mais repugnante da história do mundo. Não é mais o Ocidente da cultura mediterrânea greco-romana, nem a Idade Média cristã, e nem o violento e contraditório século XX. É um cemitério de resíduos tóxicos da civilização, é anticivilização. E quanto mais cedo e mais completamente a Rússia se desvincular dele, mais cedo ela retornará às suas raízes”.
Um mês depois, em 3 de maio, à ADN Kronos Dugin esclarece ainda que "Ou a Rússia estabelece o controle sobre todo o território da Ucrânia, atingindo assim seus objetivos, o programa máximo, ou as forças russas e unidades aliadas da República Popular de Donetsk e da República Popular de Lugansk retomam e libertam o território da Novorossiya de Kharkov em Odessa, com o programa mínimo”.
Portanto, para Dugin, a libertação não apenas da bacia do Donbass, mas de toda a Ucrânia oriental e meridional, incluídas as metrópoles Kharkiv e Odessa, é o "programa mínimo". Visto como as coisas estão indo, muito provavelmente, também o é para Putin.
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Dugin e a civilização russa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU