20 Junho 2022
"Diante de tudo isso, o direito não pode se dar ao luxo de permanecer inerte, é claro: a realidade social sempre o questiona por definição, porque sua tarefa é precisamente a de fornecer à realidade e à política uma gramática de funcionamento. Tratar-se-ia então, em primeiro lugar, de melhorar ou corrigir os instrumentos jurídicos existentes à disposição dos devedores; e talvez, em segundo lugar, pensar também em novos, em outros", escrevem Niccolò Nisivoccia, membro da Comissão Diretiva do Observatório da Dívida Privada da Universidade Católica, que foi professor da cadeira de Direito da Falência da Universidade de Milão e membro da Comissão de Falências da Câmara dos Advogados de Milão e membro do conselho honorário da Fondazione Centro Nazionale Studi Manzoniani; e Antonella Sciarrone Alibrandi, pró-reitora da Cattolica e diretora do mesmo Observatório.
O artigo foi publicado por Il Manifesto, 17-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
À condição de pobre se soma o medo de não conseguir se libertar das dívidas contraídas para sobreviver. É uma noite sem fim, sem saídas, que favorece o recurso ao "welfare criminal”.
Agora resulta totalmente certificado, de acordo com os dados do ISTAT recém divulgados: a pobreza absoluta é cada vez mais generalizada e em aumento. Na Itália, atualmente, cinco milhões e seiscentas mil pessoas vivem abaixo do limiar de uma vida digna, o que corresponde a quase dois milhões de famílias: isso "mostrado pelo Istat. Mas o problema também diz respeito a todos os outros países europeus, todo o mundo, para não falar dos países historicamente mais pobres e, em particular, dos que pertencem ao mundo não-ocidental. Bastaria ler a respeito o último livro de Thomas Piketty, “Uma breve história da igualdade” (ed. la Nave di Teseo), ou o recente volume, publicado pela Il Mulino, de Chiara Saraceno, David Benassi e Enrica Morlicchio, intitulado "La povertà in Italia” (A pobreza na Itália, em tradução livre, onde se pode encontrar, apesar do título, muita informação além da situação especificamente italiana).
La povertà in Italia
A própria Chiara Saraceno, entrevistada ontem neste jornal, salientou que "o problema é claramente de longo prazo": tanto no sentido de que vem de longe como no sentido de que ainda não explodiu com toda a sua gravidade.
Enquanto isso, a pobreza está aumentando, também graças à pandemia e à guerra, porque os pobres estão aumentando e porque a área dos pobres, por sua vez, está se expandindo cada vez mais para novos segmentos da população: desde os pequenos trabalhadores autônomos até os pequenos artesãos, e muito mais nas faixas etárias mais avançadas. Em suma, a pobreza tornou-se uma condição que, cada vez mais, tende a afetar também pessoas que nunca foram pobres e que nunca pensaram que poderiam se tornar: hoje quase qualquer um pode sentir o perigo de cair na pobreza, pode-se dizer, e, portanto, quase qualquer um pode sentir a sensação de sua própria fragilidade.
Não somente. A pobreza é uma espiral, mais do que uma condição estática, porque vem sempre acompanhada do medo, de ser arrastados por ela, de não poder mais se livrar dela, como se a dívida fosse destinada a se transformar em uma espécie de noite sem fim, sem saídas: e isso gera a aproximação aos circuitos ilegais, ao crime organizado, a todas aquelas várias formas de assistencialismo desviante que levam o nome de "welfare criminal".
A pobreza pode levar à marginalidade social e corre o risco de se transformar, como resultado de um círculo vicioso, em algo que preferimos não ver ou rejeitar: como se não ver um problema pudesse reduzi-lo, resolvê-lo, eliminá-lo. Alguns estudiosos chegam a falar de "medo dos pobres", de "aporofobia". Temos medo da pobreza porque também poderemos ser pobres. Os pobres representam um elemento constitutivo daquela escuridão investigada por Alessandro Dal Lago e Emilio Quadrelli em um magistral ensaio de muitos anos atrás, "A cidade e as sombras": ou seja, representam a "turbulência cotidiana" que passa todos os dias ao lado das nossas vidas e as abala, porque nos lembra que cada um de nós, afinal, não passa de uma sombra de si mesmo.
Diante de tudo isso, o direito não pode se dar ao luxo de permanecer inerte, é claro: a realidade social sempre o questiona por definição, porque sua tarefa é precisamente a de fornecer à realidade e à política uma gramática de funcionamento. Tratar-se-ia então, em primeiro lugar, de melhorar ou corrigir os instrumentos jurídicos existentes à disposição dos devedores; e talvez, em segundo lugar, pensar também em novos, em outros.
De fato: existe uma lei sobre a usura desde 1996 para proteger os sujeitos a ela expostos, mas sua aplicação até agora tem sido muito escassa. Pior ainda: até hoje, os fundos de solidariedade destinados às vítimas da usura são inclusive inutilizáveis, porque o poder de distribuí-los cabe ao Comissário Extraordinário para a coordenação das iniciativas antiextorsão, estabelecido pela própria lei junto ao Ministério do Interior, cujo cargo, no entanto, está vago desde fevereiro. Seria, portanto, urgente, no mínimo, nomear imediatamente o Comissário; e depois a nomeação poderia ser seguida de uma discussão mais ampla sobre uma reforma estrutural da lei, o que a tornaria mais usável.
O que é certo é que o direito não pode ser suficiente por si só. O que é preciso é um fôlego mais amplo, que vá além dos dispositivos formais puros e simples, dos elementos técnicos puros e simples. O direito, como a política, nunca deveria se contentar em administrar o que existe, limitando-se a tomar ciência; deve cultivar ambições mais amplas. Mas o que é necessário, mesmo para o direito, é uma direção de sentido e valores.
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Pobreza absoluta e o peso da usura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU