06 Junho 2022
Um confronto duríssimo, sob os olhos petrificados da plateia dos bispos italianos. De um lado, o Papa Francisco que explica que foi certamente a dor no joelho, mas também e sobretudo a presença de figuras ligadas ao mundo das armas, como o ex-ministro italiano Marco Minniti, presidente da fundação Medor, ligada à empresa de defesa Leonardo, e protagonista dos acordos na Líbia, que o levaram a não ir ao congresso sobre o Mediterrâneo, organizado pela Conferência Episcopal Italiana (CEI) em Florença em fevereiro passado.
A reportagem é de Ernesto Ferrara, publicado em La Repubblica, 03-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De outro, Dom Giuseppe Betori que contraria, replica, explica que Minniti não era convidado para o congresso dos bispos, mas sim para o congresso dos prefeitos, organizado por Dario Nardella, que ocorreu contemporaneamente: “Santo Padre, lhe informaram mal”.
Mas Bergoglio não acredita. Pelo contrário, insiste, relança. Quase o desafia: “Não, não. Você pode dizer o que quiser, mas eu vi que ele estava lá. E também me mostraram quando eles estavam no ministério, quais leis eles fizeram, e eu também vi os campos de concentração na Líbia onde mantinham essas pessoas que eles rejeitavam”.
Um surpreendente vislumbre do clima de altíssima tensão ainda vivo em torno do congresso da CEI de fevereiro vem à tona a partir das páginas do blog especialista em assuntos vaticanos Silere non possum. É um relato da reunião na Sala Paulo VI, em 23 de maio, entre os bispos italianos e Francisco por ocasião da abertura da Assembleia Plenária da CEI que, depois, elegeu como presidente o cardeal Matteo Zuppi, muito próximo de Bergoglio.
Fontes eclesiásticas próximas à CEI presentes no evento confirmam ao jornal La Repubblica que o confronto naquele local entre o papa e Betori foi duro e evidente.
Por que Francisco não foi celebrar o Ângelus em Santa Croce, onde milhares de fiéis o esperavam? O que realmente o impediu, mesmo que fosse para dar um oi na TV em Florença ou enviar o secretário de Estado vaticano, Parolin, em seu lugar?
A suspeita de que havia algo mais do que o joelho havia circulado desde as primeiras horas. Além disso, a revolta anti-Minniti uniu ambientes de esquerda e católicos de peso, como o padre Bernardo Gianni, muito próximo de Bergoglio. O bate-boca entre o papa e Betori, que agora vem à tona e que permaneceu quase sob sigilo durante dias, oferece uma confirmação desse cenário, revelando a fratura que se abriu entre uma parte dos bispos italianos e o papa, acabando por abalar, com a guerra ucraniana em curso, também a política.
Foi Derio Olivero, bispo de Pinerolo, quem perguntou ao papa os motivos da sua ausência em Florença. Bergoglio explicou que ele havia sido aconselhado pelo médico a desistir da viagem devido ao joelho, mas depois acrescentou – relata o Silere – que foi lembrado de que Minniti estava presente no encontro e portanto – diz – “era melhor que o papa não participasse”.
Foi nesse ponto que começou a altercação: Betori explicou que Minniti havia sido convidado para o congresso de prefeitos e não tinha nada a ver com o evento dos bispos, e o papa insistiu: “Me disseram que esses senhores estavam lá, e eu vi os vídeos desses convidados, Minniti também estava lá”. Betori replicou, mas Bergoglio não desistiu, explicando que viu os vídeos dos campos líbios. Entre os bispos, gelo total. Mas, uma semana depois, o caso explodiu.
Não houve nenhuma desmentida por parte do Vaticano, nem mesmo da equipe de Betori, que informa que “o diálogo entre os bispos e o papa é secreto e é intenção do arcebispo respeitá-lo”. Nestas horas, os especialistas em fibrilação católica se perguntam se a notícia do confronto com o papa acaba tornando mais ou menos provável uma prorrogação de Betori, cujo mandato já expirou. O prefeito de Florença, Nardella, quando questionado, preferiu não comentar o caso.
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Papa critica cardeal Betori: “Eu não fui a Florença porque Minniti estava lá” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU