03 Junho 2022
Na véspera de sua entrada em vigor, no próximo domingo, 5 de junho, solenidade de Pentecostes, foram debatidas por Religión Digital as chaves da Constituição Apostólica Praedicate evangelium - a reforma da Cúria promulgada em 19 de março pelo Papa Francisco.
A reportagem é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 03-06-2022.
Moderado pelo editor-chefe do RD, Jesús Bastante, juntamente com o cardeal hondurenho, a teóloga Consuelo Vélez, o presidente da Confer, Jesús Díaz Sariego e Fernando Prado, diretor de Publicações, também participaram do debate sobre a primeira reforma eclesial do século 21. Maradiaga, coautor do livro Praedicate Evangelium. Uma nova cúria para um novo tempo, o primeiro livro escrito sobre a nova constituição apostólica também participou do debate. Além disso, intervieram com suas perguntas José Manuel Vidal, diretor da RD; Sebastián Mora, Miguel Campo e Fernando Vidal, professores da Universidad Pontificia Comillas; juntamente com a religiosa María Luisa Berzosa, membro da comissão preparatória do Sínodo.
Confidente próximo do Papa, com quem já havia trabalhado na Conferência de Aparecida em 2007, Maradiaga começou lembrando como nos encontros anteriores ao último conclave havia muitas vozes defendendo uma reforma da cúria e, quatro dias depois da eleição de Jorge Mario Bergoglio, este lhe telefonou para "abrir a caixa de Pandora e meter os dentes" nesse importante assunto, colocando-o à frente da comissão encarregada de redigir a nova constituição apostólica.
"A primeira coisa em que nos metemos foi a economia, que hoje está no bom caminho e de acordo com o direito internacional, sempre contando com a presença e animação do Papa em nossos encontros, porque ele nunca recua, e isso foi o que nos fez caminhar, embora tenha tido discussões sérias com muitas pessoas", reconheceu o cardeal.
O claretiano, Fernando Prado destacou em seu primeiro discurso que esta reforma "é um novo passo na nova etapa missionária que se vive no diálogo da Igreja com o mundo", enquanto a teóloga colombiana Consuelo Vélez, "da parte dos que recebem documento", destacou que este texto aponta que "a estrutura deve estar a serviço do essencial, ressaltando que a estrutura, se não for para a evangelização, não faz sentido, porque essa é sua única razão de ser". Jesús Díaz Sariego, provincial da Província Dominicana da Espanha, destacou que o texto “quer promover a conversão pastoral e missionária na Cúria Romana e daí para toda a Igreja”.
O documento Praedicate Evangelium se refletirá também em todas as cúrias diocesanas?, perguntaram os convidados, ao que Maradiaga respondeu, enfatizando "que o texto já está lá, mas a tradução oficial ainda não saiu, o que é preocupante, é o que se chama greve de sentar em cima de quem não gosta do que está por vir, eles não a removem, mas vão com calma, deixando tudo para as calendas gregas. É por isso que agora o Conselho dos Cardeais pediu para estabelecer os mecanismos para sua entrada em vigor, porque uma coisa é o que entra em vigor e outra a que se põe em prática, e este é um espírito novo que precisa de uma conversão pastoral e sinodal e que também aconteça em todas as cúrias diocesanas. Por isso o Papa convocou todos os cardeais para a reunião de agosto”.
"As normas estão aí para serem cumpridas, primeiro na Cúria, e os critérios são muito claros no texto", disse Fernando Prado.
Vélez pediu "rapidez na renovação do pessoal, porque é muito difícil mudar sem sair do lugar", e destacou que agora foi estabelecido um limite de cinco anos para o exercício de certos cargos na Cúria, "eu pediria ao Papa para acelerar a mudança, porque estamos esperando que nossa Igreja mude e a paciência está se esgotando, e para abrir portas e janelas é preciso começar mudando os sujeitos".
"Foi o que dissemos ao Papa - respondeu Maradiaga -, a constituição está lá, mas com as mesmas pessoas não pode mais ser colocada em prática, mas o Espírito Santo não tem volta", agradecendo a reflexão da teóloga colombiana, embora também mostre a dificuldade de realizar reformas trabalhistas em certos cargos da Cúria, porque estão protegidos pelas leis italianas, um problema adicional dada a dimensão numérica de alguns dicastérios.
“Há mudanças que demoram demais e quando mudam, o mundo já nos deu um cenário diferente”, disse o religioso dominicano, sublinhando o título do livro de Maradiaga e Prado, “Uma nova Cúria para um novo tempo”.
Sobre a contribuição que os leigos podem dar a esta reforma, Fernando Prado lembrou que "eles também devem ter um papel maior no governo da Igreja, porque mesmo que seja apenas em número, a Igreja é fundamentalmente para os leigos, e estes as reflexões estão no preâmbulo e em alguns pontos, como o 10, da nova reforma. Os leigos, em alguns aspectos, podem contribuir muito mais que o clero, e hoje temos um laicato muito preparado”.
O teólogo destacou o fato de que os leigos, em sua formação, "já são muito importantes", e que também têm a capacidade de "dar um rosto à Igreja", porque despertamos, temos uma consciência muito forte de ser Igreja e querendo contribuir para que esta seja Igreja, e enquanto a Cúria vaticana não tiver metade dos leigos, não será a Igreja de Jesus”, e ainda assim, acrescentou, “continuamos a ver uma igreja piramidal e hierárquica”.
"Eles queriam me tirar dessa reforma, porque eu era alguém que incomodava” confessou Maradiaga, e sublinhou que neste pontificado o número de mulheres que já estão na Cúria aumentou 17%, "e que" o Papa já disse que não há mais objeção a que um leigo possa presidir um dicastério. Já queriam colocar uma mulher a cargo do serviço da Economia mas não foi possível por razões econômicas, o seu salário não podia ser pago. Aconselho o Papa e ele me ouve muito. E continuarei a fazê-lo enquanto estiver no Conselho dos Cardeais".
Sobre o lugar que a Vida Consagrada ocupa no texto da reforma, Sariego respondeu mostrando seu desagrado: "Fiquei um pouco decepcionado", afirmou, "porque nos últimos anos houve uma mudança na Vida Consagrada, há um empenho para reorientar, reelaborar a Vida Consagrada como vocação dentro da Igreja, e nesta perspectiva me surpreendeu porque vi poucos acenos no documento e pouca novidade”.
Maradiaga, ele próprio salesiano, lembrou que a Vida Consagrada está "na vanguarda da evangelização" e deu o exemplo do neocardeal Marengo, religioso que passou anos evangelizando na Mongólia, "onde não há católicos", pelo que encorajou os religiosos a permanecerem "na vanguarda, é muito importante que não tenhamos medo, porque quem se atrever a estar na vanguarda apanhará".
Fernando Prado acrescentou que “nós religiosos temos que fugir um pouco do trabalho da Cúria, temos que ir para a vanguarda e para as periferias, então quanto menos religiosos houver na Cúria, melhor”, disse o claretiano.
O cardeal se despediu com um apelo: "Temos que deixar o clericalismo e ir para uma Igreja de irmãos", uma dica que Consuelo Vélez imediatamente pegou para pedir também aos leigos que ajudem a derrubar esse clericalismo "para que tudo isso não fique somente em palavras bonitas", enfatizando que é preciso entender "a Cúria como escritórios de serviço".
Prado advertiu, por sua vez, contra a clericalização da Vida Consagrada e também dos leigos, sublinhando as conhecidas palavras do Papa Francisco, que poder é serviço.
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“É preocupante que haja uma greve de braços cruzados na Cúria contra a reforma da Praedicate Evangelium”, afirma cardeal Maradiaga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU