A universidade deve ser communitas de experiência e vivência. Artigo de Pier Cesare Rivoltella

Foto: Reprodução | Jornal da USP

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31 Mai 2022

 

O que há no ensino universitário que não seja fruível também a distância e que não seja tecnicamente reprodutível? Essa é a verdadeira pergunta a ser feita. A resposta é simples. A experiência. A universidade deve poder ser uma experiência, ou seja: um espaço feito de vivências.

 

A opinião é do filósofo italiano Pier Cesare Rivoltella, professor da Universidade Católica de Milão e presidente da Sociedade Italiana de Pesquisa em Educação Midiática. O artigo foi publicado em Avvenire, 27-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Não sei se a Covid apagou definitivamente a luz da universidade. Referindo-me ao debate aberto por Gustavo Piga e Giuseppe Lorizio nestas colunas do jornal Avvenire, sei, porém, o que o ensino emergencial, durante a pandemia, permitiu fazer.

 

Duas coisas. A primeira. Fez-nos compreender uma das lógicas que caracterizam a comunicação digital, ou seja, a superação da centralidade do lugar. Não é mais necessário estar no mesmo lugar em que o orador se encontra: sabíamos disso desde os tempos da televisão, mas agora o ensino remoto emergencial nos fez compreender que, sem custos, isso também pode valer para a formação em tempo real, de forma interativa. Você pode acompanhar de casa, pode evitar se deslocar. Poupa esforço, reduz os tempos mortos, permite fazer ainda mais coisas.

 

A segunda. Fez-nos entender o sentido de outra característica da comunicação, primeiro de massa e agora também digital, ou seja, o fato de que ela é tecnicamente reprodutível. No ensino remoto emergencial, isso significa a possibilidade de gravar uma sessão de trabalho didático e deixá-la à disposição de quem quiser usufruí-la. Você não só pode acompanhar a partir de casa, mas, precisamente pelo fato de os materiais serem tecnicamente reprodutíveis, pode vê-los sempre que quiser.

 

Acredito que uma análise séria do problema deve começar a partir daqui. Não há a necessidade de rasgar as vestes, chorar pela morte da universidade, trovejar contra os jovens de hoje que não teriam mais a nossa paixão pelo saber.

 

A pergunta é simples. Por que eles deveriam ir à sala de aula? O que deveriam encontrar lá que não possa ser usufruído também a distância e sob demanda? E, diante da possibilidade técnica de permitir que eles não vão à sala de aula – a pandemia demonstrou isso –, que razões devem fundamentar a eventual escolha da universidade de não lhes garantir mais essa possibilidade?

 

A resposta passa por duas ordens de considerações. Em primeiro lugar, seria preciso que nos preocupássemos em conhecer os estudantes. O estudante que não frequenta não é um preguiçoso, não é alguém que escolhe por conveniência não ir à sala de aula. É alguém que, por razões históricas, culturais, profissionais, não consegue ir à sala de aula ou prefere encontrar outras formas de se aproximar da formação. Em vez de se enrijecer, a universidade deveria encontrar caminhos diferentes para a organização do ensino. A pesquisa fala de “hyflex solution”, ou seja, um ensino misto e flexível, horários diversos, modalidades diversas, sem se fechar em soluções padrão.

 

Em segundo lugar, seria útil refletir sobre o que significa fazer formação hoje na sociedade do conhecimento, ou seja, em uma sociedade em que as informações estão por toda a parte e o acesso a elas não é mais necessariamente mediado pelas instituições responsáveis pela transmissão do saber.

 

A universidade deveria se perguntar o que é o ensino e começar a avaliar os professores justamente também em relação ao seu ensino. Se ensinar significa transmitir conteúdos, entende-se bem que os conteúdos também podem ser acessados a partir de casa e de forma diferida.

 

Voltemos à lição da pandemia: o que há no ensino universitário que não seja fruível também a distância e que não seja tecnicamente reprodutível? Essa é a verdadeira pergunta a ser feita.

 

A resposta é simples. A experiência. A universidade deve poder ser uma experiência, ou seja: um espaço feito de vivências, inclusive emocionais; um lugar onde a discussão científica, e não a transmissão, esteja no centro; uma realidade de amadurecimento das profissionalidades no debate entre pares; uma oportunidade para encontrar nos professores “consultores de carreira”, mas, eu diria mais, acima de tudo, adultos significativos.

 

Em última análise, uma companhia, uma communitas de professores e estudantes, nem mais nem menos do que aquilo que a sua natureza original desde a Idade Média indica. O desafio é pensar essa possibilidade dentro da complexidade de hoje, harmonizando-a com os tempos da sociedade da aceleração, sem demonizar a tecnologia, mas liberando as suas potencialidades humanizantes.

 

Só assim, levando as coisas a sério, poderemos ir além da estéril verborragia sobre o que é melhor, a presença ou a distância.

 

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