25 Mai 2022
O autor de 'O desafio de Francisco', Massimo Borghesi, apresenta o livro em Valência e destaca que o pontífice é tradicional na doutrina e aberto nas questões sociais.
A entrevista é de João Sanchis, publicada por Las Províncias, 23-05-2022.
Massimo Borghesi é um intelectual italiano que estudou muito de perto o Papa Francisco. Depois de 'Jorge Bergoglio. Uma biografia intelectual' publicada em Ediciones Encuentro sai agora 'O desafio Francisco. Do neoconservadorismo ao hospital de campanha'.
Por que o livro?
O livro nasce da biografia intelectual de Bergoglio. Trato da formação de Francisco para responder às críticas que atacaram o papa latino-americano. Disseram que seu aprendizado era fraco. Mostro que a formação dele é muito complexa e rica e tem um lado latino-americano e um lado europeu. Neste livro, levo em consideração os críticos americanos. A corrente dos neoconservadores que são os catocapitalistas (americanismo católico).
Capa do livro "Catholic Discordance: Neoconservatism
vs. the Field Hospital Church of Pope Francis",
de Massimo Borghesi (Foto: Reprodução)
O que são os 'catocapitalistas'?
É uma corrente que se formou na década de oitenta do século passado sob a presidência Reagan composta por católicos que vieram da esquerda e que se converteram à direita liberal e formaram um americanismo católico. Os mais importantes são Michael Novak, George Weigel e Richard Neuhaus. Esta tríade torna-se o mais importante intelectual católico na década de 90 e em particular após o 11 de setembro. Eles são muito importantes e na administração Bush assumem um papel forte e orientam a igreja americana.
Por que essa importância?
Porque na década de 1990 Novak se propôs como intérprete da 'Centessimus Annus' de João Paulo II (1992). A interpretação que oferecem é uma leitura muito tendenciosa e muito parcial. Segundo os neocons, a encíclica representa a primeira vez que a reconciliação entre catolicismo e capitalismo e este Papa seria o primeiro a legitimar o capitalismo na doutrina social da Igreja. Esta é uma leitura falsa porque todo o documento constitui uma crítica ao neocapitalismo após a queda do comunismo. Esta interpretação é imposta à consciência católica americana e os novos conservadores católicos tornam-se intérpretes de João Paulo II na América. Daí sua força e importância.
Qual é a sua marca na igreja americana?
Por um lado, a defesa do capitalismo liberal e o esquecimento da Doutrina Social. Por outro lado, há uma concepção de fé que no espaço público tem como único objetivo a 'guerra cultural': a luta contra o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e contra a eutanásia. Isso totaliza o compromisso cristão na história. É um catolicismo que esquece a evangelização e a promoção do homem. Essa corrente é a que hoje se opõe ao papado de Francisco nos EUA.
Mas Francisco, ele é progressista ou conservador?
O Papa não é progressista nem conservador. É missionário e social. Essa é a definição correta. É tradicional na doutrina e aberto na questão social.
Contra a eutanásia e o aborto.
Contra o aborto você disse as palavras mais fortes dos papas anteriores. Mas a luta contra o aborto ou a eutanásia é apenas parte do compromisso cristão. A questão da pobreza é importante, assim como a social e o compromisso com a justiça. A luta do Papa é contra o modelo tecnocrático que domina o cenário antropológico e político. Para este modelo, só a eficácia é importante e exclui os fracos, os pobres, os idosos, as crianças malformadas... Em segundo lugar, a luta pela justiça social deve ser acompanhada de um testemunho cristão integral sob o primado da evangelização.
Como é a Igreja para Francisco?
Seu mestre é Paulo VI que em 1975 publicou 'Evangeli Nuntiandi' no qual afirmava a importância da polaridade entre evangelização e promoção humana. Este é o programa do Francisco. O Papa reage a uma igreja fechada, burocratizada e clericalizada. Esta é a igreja dos últimos 30 anos após a queda do comunismo. A igreja com medo da secularização. Contrariamente a este processo, o Papa quer uma Igreja em saída ou uma Igreja missionária, aberta, capaz de ir ao encontro do homem do nosso tempo.
É uma visão diferente da de Rod Dreher.
Dreher é interessante porque representa a autocrítica do modelo 'neocon' de que falamos. Dreher entende que a busca por dois ou três valores não muda um homem. O catolicismo americano luta contra o aborto, mas no resto aceita a pena de morte, a guerra ou as diferenças sociais. Ame a riqueza. Este é um americano católico liberal conservador. Dreher, que é conservador, acredita que é necessária uma formação cristã antes de se envolver na política. Ele teoriza pequenas comunidades como uma contracultura à secularização. A perspectiva do Papa é diferente. Você não quer pequenas comunidades. Ele quer que o cristianismo seja capaz de encontrar o mundo hoje. Você quer que seja popular, não aristocrático ou elitista. Ele vem da América Latina, onde o cristianismo é uma realidade popular.
Como nasceu o pensamento do Papa?
Nasceu de um encontro entre a teologia do povo da escola argentina de Río de la Plata, que é uma teologia não marxista da libertação, e a teologia conciliar da Escola de Lyon. O autor chave e fundamental é Romano Guardini. Bergoglio tem uma concepção polar e antinômica da realidade que permite uma teoria da paz como equilíbrio e relacionamento.
O que você quer dizer com a expressão hospital de campanha?
A Igreja antes de julgar o mal do mundo deve curar as feridas do homem contemporâneo. Esta é a razão pela qual Francisco entende seu papado como de misericórdia. Ele não é um papa benfeitor como os conservadores o acusam, é um papa evangélico que sabe que o perdão ajuda na confissão do pecado.
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“O Papa não é progressista nem conservador. É missionário e social”. Entrevista com Massimo Borghesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU