29 Janeiro 2016
Francisco não é um papa das guerras culturais, mas os únicos católicos organizados com os quais ele pode contar na Itália são aqueles inclinados a enquadrar a relação entre a Igreja e a era secular em termos de guerra cultural.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio Global Pulse, 27-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há um racha na Igreja Católica na Itália entre os "católicos do Papa Francisco" e os que defendem uma resposta mais forte quando o que está em jogo são os "valores inegociáveis" (uma expressão que Francisco nunca usa).
A divisão é particularmente visível neste momento, porque a Itália está perto de se unir a outros países europeus e do Ocidente com uma lei sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Isso não vai acontecer sem protestos.
No dia 30 de janeiro, uma organização de grupos leigos (incluindo o Caminho Neocatecumenal) realizará uma manifestação em Roma para protestar contra a consideração do parlamento italiano sobre a lei. O encontro não é uma iniciativa dos bispos italianos, mas tem o seu apoio "externo", de uma forma ambígua.
O presidente da Conferência Episcopal Italiana, o cardeal Angelo Bagnasco (nomeado presidente da conferência por Bento XVI em 2007, ele provavelmente deverá ser substituído em 2017) expressou fortemente o seu apoio, enquanto o poderoso secretário da Conferência Episcopal, Dom Nunzio Galantino (nomeado por Francisco em março de 2014 e, agora, o porta-voz mais visível de Francisco entre os bispos italianos) enfatizou que o laicado católico têm o direito de organizar a manifestação, mas não se expressou fortemente em favor dela. A maioria dos bispos italianos apoia o encontro; aqueles que não apoiam são muito cautelosos ao estabelecer uma distância entre eles e o campo de Bagnasco.
A manifestação é chamada de "Family Day" e se inspira no evento de 2007 realizado por católicos italianos que compareceram em grande número para apoiar o governo de centro-direita de Silvio Berlusconi e os bispos italianos no seu protesto contra uma proposta de Romano Prodi, da centro-esquerda, de legalizar as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo (distinta do casamento gay).
O Family Day 2007 marcou o auge do confronto entre a teologia política de João Paulo II e Bento XVI, de um lado, e a tradição política do progressismo católico na Itália, de outro. Desde então, o progressismo católico na política italiana praticamente desapareceu (embora não só por causa do Family Day).
Isso é relevante para toda a Igreja, porque Francisco tomou uma posição diferente da de João Paulo II e de Bento XVI.
Ele não endossou diretamente o próximo Family Day; ele não fez um apelo aos políticos italianos ou aos católicos italianos; e ele enfatizou repetidamente que isso é algo que está nas mãos do laicado católico. O seu discurso à Rota Romana na semana passada foi claro ao estabelecer uma distinção entre o casamento católico e outras uniões, mas foi um discurso em nada semelhante aos proferidos por João Paulo II e Bento XVI. Foi uma forte defesa do casamento católico tradicional, mas ele não fez nenhuma referência aos políticos italianos ou aos "valores inegociáveis".
É claro que o Vaticano tem uma forte preferência por uma lei sobre a união entre pessoas do mesmo sexo a uma lei sobre o casamento gay; além disso, ele vê a seção do projeto de lei que legalizaria a maternidade por substituição como alarmante e que está avançando às pressas por parte do governo de Matteo Renzi, um católico cujo costume mais forte é surpreender tanto aliados quanto inimigos com a rapidez de suas ações.
Francisco se manteve praticamente desengajado das questões políticas sobre o projeto de lei, e o seu principal esforço parece ser o de proteger a autoridade do papa contra qualquer tentativa de manipulá-lo – especialmente quando essa tentativa vem dos bispos italianos. Curiosamente, uma audiência agendada com o cardeal Bagnasco foi cancelada no dia anterior que ela supostamente devia ocorrer, no dia 20 de janeiro.
Ainda não sabemos que tipo de apoio popular o Family Day 2016 terá, mas está claro que o Papa Francisco redefiniu o papel do papado, não só na política interna italiana, mas também na política eclesiástica italiana.
Os bispos italianos estão divididos, e os outrora poderosos movimentos leigos estão divididos entre progressistas com medo de se pronunciar publicamente em favor da legislação sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e aqueles que continuam usando a retórica da guerra cultural e planejam ir às ruas de Roma para a manifestação.
O paradoxo é que os únicos católicos que estão respondendo ao chamado de Francisco para o engajamento do laicado nas questões públicas são aqueles que usam a linguagem belicosa que Francisco faz questão de se esquivar. Os católicos que se congratulam com o estilo e a eclesiologia de Francisco estão agora menos organizados e menos motivados para demarcar posições visíveis na Igreja e na política.
Francisco não é um papa das guerras culturais, mas os únicos católicos organizados com os quais ele pode contar na Itália são aqueles inclinados a enquadrar a relação entre a Igreja e a era secular em termos de guerra cultural. Nesse sentido, a política eclesiástica na Igreja de Francisco é assimétrica.
Mas o "efeito Francisco" parece ter tido um impacto sobre o presidente dos bispos italianos, Bagnasco. No seu discurso de abertura da reunião do episcopado no dia 25 de janeiro, o cardeal fez uma cautelosa abertura às uniões civis; o seu discurso pré-Family Day de 2007 foi muito mais forte ao enfatizar os "valores inegociáveis" e a oposição a qualquer lei sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Essa diferença entre a posição dos bispos nove anos atrás e hoje provavelmente não irá passar despercebida entre os líderes e os participantes do Family Day deste ano.
Mas Francisco ainda está praticamente sozinho na Igreja italiana. É a "solidão institucional", que também era típica de um antecessor a quem ele é muito próximo, João XXIII.
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Uma guerra cultural assimétrica na Igreja de Francisco. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU