10 Mai 2022
O cardeal Angelo Becciu apresentou cartas que apontam que o cardeal George Pell aprovou os pagamentos que ele suspeita de terem influência no seu julgamento de pedofilia.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 06-05-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Este poderia ser como um julgamento brutal de gladiadores na Roma Antiga. De um lado, George Pell, ex-chefe do escritório de finanças do Vaticano, do outro, Angelo Becciu, ex-chefe de gabinete do Papa, que está agora em julgamento por corrupção. Os dois se enfrentaram repetidamente quando ocupavam cargos de alto escalão no Vaticano, e não pararam desde então. Agora a rixa tomou outra reviravolta. Em depoimento na quinta-feira, 5 de maio, o bispo da Sardenha procurou refutar a alegação de que usou fundos da Igreja para influenciar o caso de abuso sexual contra o cardeal Pell.
A mídia italiana relata que alguns dos pagamentos feitos do Vaticano a pessoas da Austrália influenciaram as acusações criminais contra Pell, das quais ele acabou inocentado.
Da sua parte, o cardeal australiano tem repetidamente cobrado por explicação de por que a Secretária de Estado da Santa Sé ter transferido 2,3 milhões de dólares australianos no período do seu julgamento.
Becciu, que sempre vociferou negando essas acusações, agora produziu evidências em formas de duas cartas que ele submeteu à corte. A primeira foi enviada em 29 de abril pelo cardeal Pietro Parolin, o Secretário de Estado da Santa Sé, explicando o propósito do pagamento, e a segundo é de ninguém menos que cardeal Pell, datada de 11 de setembro de 2015, autorizando a transferência.
A carta de Parolin constata:
“O cardeal Pell continua a levantar dúvidas sobre a transferência de 2,3 milhões de dólares australianos para a Austrália, suspeitando que esses fundos foram usados pelo cardeal Becciu para influenciar negativamente o julgamento criminal no qual ele foi acusado de abuso infantil. A quantia, no entanto, como lembrado várias vezes, foi usada para pagar o domínio de Internet '.catholic'; esta informação foi devidamente comunicada à Embaixada da Austrália junto à Santa Sé”.
A segunda é uma carta de 11 de setembro de 2015 do cardeal Pell autorizando o pagamento.
O cardeal Becciu descreveu a alegação de que ele “financiou falsos testemunhos em detrimento de um confrade” como “vergonhosa” e que sua “amargura é ainda mais profunda” ao saber que Pell autorizou os pagamentos que agora alega serem suspeitos.
Em 2020, logo após a libertação do cardeal australiano da prisão, Concetta Fierravanti-Wells, senadora em Nova Gales do Sul, convocou o órgão de vigilância de crimes financeiros do país (Austrac) para investigar as acusações feitas contra Becciu.
Cardeal George Pell (Fonte: Vatican News)
Uma revisão da Austrac e do Vaticano de todos os pagamentos feitos entre 2014 e 2020 descobriu que um total de 9,5 milhões de dólares australianos foi transferido, pagamentos que o Vaticano disse terem sido pagos por “obrigações contratuais” bem como “gestão ordinária”, uma aparente referência ao custo da embaixada da Santa Sé na Austrália. As autoridades da Austrália não estão mais investigando esse assunto.
Entende-se que uma série de pagamentos foram feitos para o nome de domínio “.catholic” com o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais firmando um contrato com uma empresa chamada Neustar, que foi comprada no ano passado pela TransUnion. A Neustar é especializada em serviços de nomes de domínio.
A explicação do cardeal Becciu, no entanto, não satisfez o cardeal Pell. O prelado australiano de 81 anos diz que os pagamentos que ele “supostamente autorizou” em 2015 são “obviamente diferentes” dos pagamentos no valor de 2,3 milhões de dólares australianos feitos pela Secretaria de Estado, pois foram assinados por Becciu em 2017 e 2018. Pell diz que ainda está procurando uma explicação sobre o propósito dessas transferências.
Vale ressaltar que em sua declaração o cardeal Pell afirma que o “Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais pagou quantias à Neustar Austrália por seus caros serviços” e ao registro de domínio em “2012, 2015, 2016, 2017 e 2018”. Em março de 2016, no entanto, o escritório de comunicação social foi suprimido e passou a fazer parte do Dicastério para as Comunicações.
Embora o contrato com a Neustar tenha sido assinado pelo escritório de comunicação social, é difícil ver como eles teriam feito os pagamentos depois de 2016. O Dicastério para as Comunicações trabalha em estreita colaboração com a Secretaria de Estado e como chefe do gabinete papal (“sostituto”), Becciu supervisionava as comunicações do Vaticano.
O cardeal Becciu, 73, deu seu testemunho como parte do longo julgamento de corrupção do Vaticano: ele é um dos dez réus acusados de fraude, extorsão, lavagem de dinheiro, peculato e outros crimes. Todos negam as acusações.
Embora Becciu espere que ele tenha refutado as alegações sobre interferir no sistema de justiça australiano, essas não fazem parte das acusações formais feitas contra ele. O julgamento ainda tem um longo caminho a percorrer.
Uma tradução em inglês das cartas de Becciu, fornecida pela jornalista Bree Dail, pode ser encontrada neste link.
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Becciu apresenta cartas escritas por George Pell e causa reviravolta no superjulgamento do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU