02 Mai 2022
Integrantes da Campanha Despejo Zero vistoriaram territórios na Capital e apontaram uma série de problemas.
A reportagem é de Luciano Velleda, publicada por Sul21, 28-04-2022.
A Missão Despejo Zero realizada nos últimos dias em Porto Alegre e Região Metropolitana encerrou com uma série de recomendações urgentes ao Poder Público. Entre segunda (25) e quarta-feira (27), a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) e membros da Campanha Nacional Despejo Zero visitaram 12 territórios localizados em Campo Bom, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Porto Alegre.
Na Capital, foram vistoriadas as ocupações Zumbi dos Palmares, Vila Tio Zeca e Comunidade Areia, no 4º Distrito; Terra Indígena Pindó Poty (Lami), as ocupações Santo Antônio (Lomba do Sabão) e Povo Sem Medo (Zona Norte), além do Quilombo Lemos e da Ocupação Dois de Junho, no Centro Histórico.
Dados da Campanha Despejo Zero apontam haver cerca de 20 mil famílias em situação de conflito fundiário no RS, o que representa em torno de 80 mil pessoas. Em todo o Brasil, são mais de 500 mil pessoas ameaçadas de despejo. A Campanha Despejo Zero surgiu no início da pandemia do novo coronavírus, em 2020, e reúne mais de 170 organizações atuantes na pauta da moradia.
Para apurar a situação, que não dispõe de dados oficiais, a Campanha atua para identificar os locais e suas demandas, sejam elas em nível federal, estadual ou municipal. Balanços trimestrais divulgados pela Campanha indicam um grande aumento de conflitos e despejos durante a pandemia.
Representante da Campanha Nacional Despejo Zero na missão realizado no RS, a pernambucana Raquel Ludimir explica que o estado foi considerado prioritário para a visita devido à complexidade e difícil solução das ocupações vistoriadas. A principal característica dos territórios inspecionados, diz Raquel, é a omissão do poder público mesmo em casos onde há possibilidade de solução do conflito, mais ainda do que ameaças de despejo.
“Chama muita atenção no caso de Porto Alegre a omissão do poder público, enquanto em outros estados os conflitos se dão mais no âmbito privado. Tanto que ninguém da Prefeitura ou do governo do Estado esteve presente nas visitas, o que é muito simbólico”, analisa Raquel.
Como exemplo, cita a Ocupação Dois de Junho, no Centro de Porto Alegre, que ocupa um prédio do governo estadual e onde a situação não avança mesmo as famílias já tendo apresentado uma série de propostas para solucionar o conflito.
A representante da Campanha Nacional Despejo Zero também critica a lógica de mercado planejada para a região do 4º Distrito, sob o ponto de vista de que a cidade é uma mercadoria. O processo, entretanto, avança sem considerar a condição degradante de quem hoje ocupa o território. A missão realizada na Capital e na Região Metropolitana ainda destaca a falta de acesso a água, luz e serviços básicos, como saúde e educação, questões importante e que não têm relação com a ameaça de despejo.
“Visitamos famílias em que o mínimo que queriam era tomar um banho. Isso foi muito marcante. É como se fosse uma Região Sul inviabilizada. Quando se pensa na Região Sul, se pensa em melhores condições de vida, mas no entanto, se vê que não fica atrás do que acontece no Norte ou no Nordeste”, afirma.
A missão foi organizada por um conjunto de movimentos e entidades atuantes no RS, como MST, FNL, MLMN, MTST, CRMP, CDES, Acesso, CNDH, IBDU, MAB, CIMI, Frente Quilombola e Conam.
O resultado da missão realizada durante três dias no RS foram debatidos nesta quarta-feira (27) em audiência pública promovida pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa.
Há o contexto importante que daqui a dois meses termina o prazo da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu, em junho do ano passado, ordens ou medidas de desocupação de áreas habitadas antes de março de 2020, incluindo despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse na vigência do estado de calamidade pública no país em virtude da pandemia de covid-19. Com tal situação no horizonte, as entidades que atuam junto às comunidades vulneráveis entendem que é preciso ações urgentes para prorrogar a decisão do STF e assegurar os direitos básicos dessas famílias.
Na audiência, ficou decidido que a CCDH assumirá a responsabilidade de levar adiante aos devidos órgãos públicos as demandas apontadas pela Campanha Nacional Despejo Zero durante a missão ao RS. Nesse sentido, a deputada estadual Sofia Cavedon (PT) deverá se reunir, nesta sexta-feira (29), com o Núcleo de Mediação de Conflitos do Tribunal de Justiça, com o intuito de ampliar o diálogo e ações efetivas para a solução dos problemas apontados. A deputada também levará uma lista ao Judiciário com as áreas públicas que aguardam regularização fundiária. Outros órgãos públicos do governo federal, estadual e de prefeituras serão contatados.
Presente na reunião, a defensora pública Caroline da Rosa Araújo reafirmou o compromisso da entidade com o direito à moradia, uma questão constitucional, e também destacou que esse direito negado repercute na inefetividade de outros direitos, como consequência “são violações sistemáticas de direitos fundamentais combinadas com a omissão estatal”, ponderou.
Por sua vez, Raquel Ludimir enfatiza a situação das mulheres não brancas, indígenas e imigrantes nos territórios visitados. “É muito marcante como a falta de moradia afeta principalmente as mulheres”, lamenta.
Ao final do trabalho no RS, a Missão Despejo Zero elaborou um documento com recomendações classificadas em Urgentes, Gerais e Específicas. As urgentes representam nove tópicos. São eles:
1- Criação do Fórum Permanente de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos, Rurais e Territoriais, a ser coordenado pela Defensoria Pública do RS e a Defensoria Pública da União.
2- Providências imediatas dos poderes públicos municipais e estaduais para garantia de acesso à água, energia elétrica, e coletiva de lixo nas seguintes comunidades: José Joaquim (Sapucaia do Sul); Ocupação Mauá e Redimix (São Leopoldo); e Retomada Pindó Poty, Ocupação Povo Sem Medo, Quilombo Lemos, Ocupação Zumbi dos Palmares, Casa de Passagem Carandirú, Beco X, Ocupação Campos Verdes, Ocupação COBAL, Ocupação Voluntários, Vila Liberdade, Vila Santo André, comunidade da Beira do Rio, todas em Porto Alegre.
3- Decreto de Área Especial de Interesse Social (AEIS) pelas prefeituras de Porto Alegre, São Leopoldo e Sapucaia do Sul para as seguintes comunidades: Prédio 2 de Junho, Ocupação Império, Ocupação Campo Grande, Ocupação São Luis, Ocupação Zumbi dos Palmares, Casa de Passagem Carandirú, Beco X, Ocupação Campos Verdes, Ocupação COBAL, Ocupação Voluntários, Vila Liberdade, Vila Santo André, comunidade da Beira do Rio, em Porto Alegre; e Ocupação Mauá e Redimix, em São Leopoldo.
4- Cadastramento urgente das famílias moradoras da Comunidade José Joaquim no posto de saúde e escola pública mais próximas, na cidade de Sapucaia do Sul.
5- Instalação urgente de Mesa de Diálogo liderada pelo Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da Defensoria Pública Estadual para garantia dos direitos humanos da população da comunidade da Vila Herdeiros, em Porto Alegre, atingida pelo reassentamento causado pela barragem da Lomba do Sabão, com participação de representação dos moradores, do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Demhab e Dmae.
6- Retomada urgente pelo Incra dos processos de titulação dos territórios quilombolas localizados no RS, em especial do Quilombo Lemos e do Quilombo dos Machado.
7- Imediata suspensão do processo judicial de despejo em benefício do Quilombo Lemos.
8- Retomada urgente pela Funai dos processos de demarcação indígena no RS, em especial da retomada indígena Guarani Pindó Poty.
9- Imediata suspensão do processo judicial de despejo em benefício da retomada indígena Guarani Pindó Poty.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Despejo Zero: ‘Chama muita atenção no caso de Porto Alegre a omissão do poder público’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU