2º domingo de Páscoa - Ano C - Crer no Ressuscitado sem esquecer suas feridas na humanidade

22 Abril 2022

"Como podemos vê-Lo? Como os discípulos: por meio das suas chagas. Entrar nas suas chagas significa contemplar o amor sem medidas que brota do seu coração. Este é o caminho. Significa entender que o seu coração bate por mim, por ti, por cada um de nós. Tomás Halik, recordando que Jesus se identificou com todos aqueles que são pequenos e sofredores, nos diz que todas as feridas dolorosas e toda miséria humana são "feridas de Cristo"[1]. Consequentemente, só é possível crer em Cristo e ter o direito de exclamar "meu Senhor e meu Deus" apenas se tocar em suas feridas das quais nosso mundo ainda está cheio. As chagas, sinal de seu amor extremo, evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. Já não há lugar para o medo da morte. A permanência dos sinais de sua morte indica a permanência de amor; elas são as cicatrizes de um compromisso com a vida. Além disso, elas garantem a identificação do Ressuscitado com o Jesus Crucificado. Tocar as chagas de Jesus, são os muitos problemas, dificuldades, perseguições, doenças de tantas pessoas que sofrem."

 

A reflexão é de Luísa de Lucas, religiosa da Congregação de Notre Dame. Ela possui graduação em Pedagogia na UNIP - Brasília e Mestrado em Teologia ( 2019-2021) com a dissertação " As juventudes, lugar teológico da Civilização do Amor: Pastoral da Juventude e saberes da experiência". Atualmente coordena a Pastoral da Escola Menino Jesus, assessoria de Ensino em Passo Fundo, RS.

 

 

Leituras do Dia
1ª Leitura - At 5,12-16
Salmo - Sl 117,2-4.22-24.25-27a(R.1)
2ª Leitura - Jo 1,9-11a.12-13.17-19
Evangelho - Jo 20,19-31

 

Estamos celebrando o tempo da Páscoa, e o segundo Domingo da Páscoa é denominado “Domingo da Divina Misericórdia”, conforme estabeleceu São João Paulo II para sublinhar o grande amor de Deus pela humanidade. O Papa Francisco afirmou que “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai”. Ele continua afirmando: “Todos precisamos da misericórdia, sabemo-lo. Aproximemo-nos de Jesus e toquemos as suas chagas nos nossos irmãos que sofrem. As chagas de Jesus são um tesouro: delas jorra a misericórdia. Sejamos corajosos e toquemos as chagas de Jesus”.

O segundo domingo de Páscoa nos leva a retomar o que celebrávamos há oito dias, no domingo da Páscoa. No Evangelho deste domingo (João 20,19-31), depois de fazer sua primeira aparição a Maria Madalena, Jesus aparece aos seus discípulos, reunidos e trancados em casa, com medo dos judeus. A comunidade de João quer nos mostrar que não é preciso ver para crer. Neste texto há uma experiência muito parecida com a nossa. Aí está Tomé, um dos mais humanos e normais no percurso da fé: reservava-se o direito à dúvida. Nessa perícope também será evidenciado o toque de Tomé nas mãos e no corpo de Jesus para confirmar a Ressurreição. Não sabemos se Tomé tocou de fato, mas o que importa é a sua profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus”! É interessante pensarmos que na expressão “meu” Deus se faz nosso. Deus não se ofende de ser “nosso”, pois o amor exige familiaridade, a misericórdia requer confiança.

 

Era o anoitecer do primeiro dia da semana, depois da Ressurreição. E Jesus entra, sem abrir a porta. Não se trata de um fantasma e nem de um corpo físico. Os discípulos se alegraram por verem o Senhor (Jo 20,20). Depois disseram a Tomé: Vimos o Senhor (v. 25). Mas o Evangelho não descreve como o viram, não descreve o Ressuscitado, apenas destaca um detalhe: Mostrou-lhes as mãos e o lado (v. 20). Parece significar que os discípulos reconheceram Jesus desse modo: através das suas chagas. O mesmo acontece com Tomé: ele também queria ver a marca dos pregos em suas mãos (v. 25) e, depois de ter visto, acreditou (cf. v. 27).

Jesus Ressuscitado reencontra os seus discípulos e, mesmo tendo sido traído e abandonado, deseja-lhes a paz. Por três vezes Jesus deseja a todos a paz: A paz esteja convosco! Shalom significa uma vida inteira, plena, completa. Além disso, Ele transmite-lhes o dom do Espírito e a missão de perdoar.

 

É um texto muito sugestivo para a realidade que estamos vivendo, onde a Paixão de Cristo e sua presença ressuscitada aparecem constantemente em nosso meio. Estamos ainda passando por um tempo de zelo e cuidado com a Pandemia, tempos difíceis marcados pela guerra, pelo desemprego, fome, violência e indiferença diante das chagas abertas de Cristo tão presentes na humanidade.

 

O Mistério da Ressurreição dá o que falar e nos confronta com diversas questões:

 

A fé no Ressuscitado não nasce da crença no sepulcro vazio. Os exegetas estão de acordo que nem as aparições, nem o sepulcro vazio foram a origem da primitiva fé. O que João quer nos comunicar são vivências internas dos discípulos reunidos; o que ele quer nos transmitir está além daquilo que entra pelos sentidos ou podemos imaginar. Destacamos algumas das expressões do relato de João para formular a fé no Crucificado/Ressuscitado, como numa catequese muito profunda em conteúdo. Por uma parte, vincula a ressurreição com a paz, o dom do Espírito, o perdão, a fé, a missão... Por outra, parece querer responder aos cristãos da “segunda geração”, que já não haviam conhecido o Jesus histórico, nem haviam participado daquela primeira experiência “fundante”. É a eles, representados na figura de Tomé, que lhes é dito: “Bem-aventurados aqueles que creram sem terem visto”.

 

Tomé, na sua incredulidade, quis tocar com a mão nas suas chagas. O Evangelho chama Tomé de Dídimo (v. 24), ou seja, gêmeo; e nisso ele é nosso irmão gêmeo. Pois também nós sabemos que Deus existe: um Deus ressuscitado, mas longínquo, não preenche a nossa vida, não nos atrai um Deus distante.

 

Como podemos vê-Lo? Como os discípulos: por meio das suas chagas. Entrar nas suas chagas significa contemplar o amor sem medidas que brota do seu coração. Este é o caminho. Significa entender que o seu coração bate por mim, por ti, por cada um de nós. Tomás Halik, recordando que Jesus se identificou com todos aqueles que são pequenos e sofredores, nos diz que todas as feridas dolorosas e toda miséria humana são "feridas de Cristo"[1]. Consequentemente, só é possível crer em Cristo e ter o direito de exclamar "meu Senhor e meu Deus" apenas se tocar em suas feridas das quais nosso mundo ainda está cheio. As chagas, sinal de seu amor extremo, evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. Já não há lugar para o medo da morte. A permanência dos sinais de sua morte indica a permanência de amor; elas são as cicatrizes de um compromisso com a vida. Além disso, elas garantem a identificação do Ressuscitado com o Jesus Crucificado. Tocar as chagas de Jesus, são os muitos problemas, dificuldades, perseguições, doenças de tantas pessoas que sofrem.

 

A verdadeira fé na ressurreição transforma vidas. Tomé tem agora a mesma experiência dos outros: “ver a Jesus em pessoa”, significa a experiência de Jesus que o transformou. Essa incrível transformação se faz visível no grupo dos seguidores de Jesus, que passam de um grupo medroso em dispersão a uma comunidade corajosa que dá testemunho de sua fé em Jesus. Portanto, o dinamismo da comunidade torna possível a experiência de Jesus vivo, ressuscitado.

 

A fé em Jesus, ressuscitado pelo Pai, não brotou de forma natural e espontânea no coração dos discípulos. Antes de encontrar-se com Ele, cheio de vida, os evangelistas falam da sua desorientação, da sua busca em torno do sepulcro, as suas interrogações e incertezas. A fé na ressurreição não consiste apenas em saber umas coisas sobre Jesus e em falar da sua ressurreição gloriosa… Esta fé implica toda a nossa vida, impele-nos para um novo modo de viver…

 

Outro aspecto interessante que o texto nos revela é a dimensão comunitária da fé: O lugar privilegiado da presença de Jesus ressuscitado é a comunidade. O caminho da fé passa por confiar no caminho da comunidade, porque a fé cristã é comunitária e apostólica (parte do testemunho dos apóstolos). A transformação da vida dos apóstolos é a prova mais autêntica da ressurreição porque eles começam a viver de maneira diferente, como “ressuscitados” e vamos perceber isso no livro dos Atos dos Apóstolos mais profundamente.

 

O Ressuscitado é o Crucificado. As marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo, na fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas que reagem, lutam pela vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz presente no meio de nós. A ressurreição de Jesus é o início de um dinamismo novo de amor, capaz de transformar o mundo com a presença do Espírito Santo. Neste segundo domingo de Páscoa, somos convidados a aproximarmo-nos de Cristo com fé, abrindo o nosso coração à paz, à alegria e à missão. Mas não esqueçamos as chagas de Jesus, pois delas vem a paz, a alegria e a força para a missão.

 

[1] 'Toque as feridas'! Artigo de Tomáš Halík

 

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