18 Abril 2022
"Hoje, Jesus continua virtualmente assassinado por todos aqueles que usam em vão o seu nome para legitimar fake news, opressões, governos tirânicos e desigualdades sociais", escreve Frei Betto, escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
Entramos na Semana Santa, quando se comemora a prisão, morte e ressurreição de Jesus, episódios centrais para a fé de todos nós, cristãos. Para quem tem fé, Jesus é o Salvador, o Filho de Deus presente entre nós. Para o historiador, um profeta apocalíptico que percorreu a Palestina na primeira metade do século I, defendeu os direitos dos pobres, criticou a ocupação do Império Romano, denunciou a religião opressiva do Templo de Jerusalém e morreu na cruz.
Desde o século XVIII se intensificou o debate sobre o Jesus histórico. O filósofo alemão Hermann Reimarus inaugurou os estudos não confessionais sobre a vida de Jesus. Bauer, Couchoud, Drews e, mais tarde, os partidos comunistas, defenderam que ele jamais existiu. Tal conclusão foi desprezada pela quase totalidade da crítica, e Bultmann disse que nem valia a pena discutir o assunto. Há mais evidências da existência de Jesus do que a de
Sócrates e, no entanto, não se coloca em dúvida o que Platão nos transmitiu a respeito do famoso filósofo.
Do ponto de vista histórico, não há muitas certezas a respeito de Jesus, exceto o que nos informam o Novo Testamento, em especial os quatro evangelhos, e alguns autores judeus e romanos, como Flávio Josefo. E ainda hoje perdura uma interrogação: quem foi o responsável por sua morte? Infelizmente, a primeira resposta da Igreja foi culpar os judeus. Preconceito infundado que favoreceu o antissemitismo. E, ainda hoje, malha-se Judas – cujo nome é associado ao judaísmo – no sábado de Aleluia.
A leitura crítica do Novo Testamento nasceu na Alemanha, se estendeu pela França, com Renan, Loisy, Goguel e Guignebert e, em seguida, para o Reino Unido e os Estados Unidos, onde, ainda hoje, a discussão é calorosa. Os judeus também participaram com Klausner e Montefiore.
Três teses se destacam como principais. A primeira, que os verdadeiros culpados foram os judeus. A segunda, que foram os romanos. A terceira, que a culpa foi de ambos: o Sinédrio – a suprema corte religiosa e política do judaísmo no século I -, como denunciante e acusador, e o interventor romano, o governador Pôncio Pilatos, como juiz e executor.
Ora, hoje em dia a Igreja admite que os Evangelhos não são livros de história, nem registros judiciais. Por isso, é inútil pretender encontrar neles um relato preciso do julgamento de Jesus. Na verdade, os sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) se contradizem em vários pontos, como nos relatos dos dois ladrões crucificados ao lado de Jesus, do sonho da mulher de Pilatos e da interferência de Herodes Antipas, governador da Galileia.
Contudo, Mateus, Marcos e Lucas concordam em um ponto: Jesus foi preso à noite por uma turba de judeus, que o levou imediatamente para o Sinédrio. Para Lucas, o prisioneiro foi conduzido à casa de Caifás, o Sumo Sacerdote. João acrescenta em seu evangelho que, em apoio aos guardas do Templo, havia uma guarnição romana. Ou seja, os romanos participaram da captura, já que sobre o Nazareno pesava a suspeita de sedição. Afinal, dentro do reino de César ele ousara anunciar outro reino possível – o de Deus, baseado em novas relações pessoais e sociais - o amor e a partilha dos bens.
Naquela madrugada, o prisioneiro político compareceu à presença de Pilatos para ser julgado. Isso significa que o governador romano já tinha sido avisado e estava decidido a processá-lo.
Tais circunstâncias induziram muitos autores a concluir que a denúncia teria partido das autoridades judaicas, alarmadas com a atividade do pregador itinerante, que já se tornara conhecido ao expulsar os vendilhões do Templo.
Pela ótica do Sinédrio, pesava sobre Jesus a acusação de blasfêmia, já que ousara se autoproclamar Messias. Pela ótica dos romanos, de crime de lesa-majestade, já que teria se arvorado em rei dos judeus. Enquanto a primeira acusação pouco importava aos judeus, a segunda merecia a pena de morte na cruz. Embora os evangelhos tendam a ressaltar a culpa dos sacerdotes e até mesmo dos judeus, e atenuar o papel de Pilatos, a sentença final foi proferida pelo interventor imperial.
No século passado, o Concílio Vaticano II, após longa discussão, aboliu a infâmia de acusar o povo judeu de deicídio. O que diz, entretanto, o julgamento da história? Ora, saber algo de preciso sobre o Jesus histórico é quase impossível, como salientou, há um século, o renomado médico e teólogo Albert Schweitzer, que tudo abandonou na Alemanha para cuidar, na África, de pacientes muito pobres.
As certezas que temos sobre o Jesus histórico são muito poucas. E pelo que sabemos de sua morte só se pode concluir, com o historiador das religiões, o francês Charles Guignebert, que o Nazareno foi submetido a um julgamento romano, por uma acusação romana, condenado por um juiz romano a uma pena exclusivamente romana, e afixada sobre sua cabeça uma sentença romana ofensiva aos judeus: Iesus Nazarenus Rex Iudeorum (Jesus Nazareno, rei dos judeus). Assim, do ponto de vista puramente histórico a culpa do assassinato de Jesus foi romana.
Hoje, Jesus continua virtualmente assassinado por todos aqueles que usam em vão o seu nome para legitimar fake news, opressões, governos tirânicos e desigualdades sociais.
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A condenação de Jesus. Artigo de Frei Betto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU