31 Março 2022
"Existem urgências que não podem ser postergadas a um futuro. Certamente essas urgências são muitas, mas destaco apenas três: a presença da mulher na Igreja, a admissão de pessoas casadas ao sacramento da ordem, a reforma litúrgica", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, abril de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em nossa tentativa de seguir o caminho sinodal, depois de refletir sobre as três palavras-chave entregues pelo Papa Francisco à Igreja (comunhão-participação-missão), chegamos a indicar uma urgência que deve preceder o confronto sinodal sobre os vários temas: a urgência da inculturação do Evangelho nas diversas terras do mundo. Se o Sínodo não assumir a convicção de que é um direito dos povos e das culturas encarnar o Evangelho e se expressar com uma liturgia, uma teologia, uma espiritualidade própria e específica, todos os esforços investidos no tratamento dos diversos temas serão estéreis.
A Igreja Católica - e compreendo seu temor - deve reconhecer o direito à pluralidade de formas nas quais confessar Jesus Cristo; deve dar espaço ao pedido, por parte dos cristãos das várias áreas culturais do mundo, de percorrerem seus próprios caminhos, preservando a necessária unidade na fé. A Igreja, portanto, deve acolher a diversidade, a diferença, em tudo o que não é essencial para ser discípulos de Jesus Cristo. Não só acabou a cristandade, acabou a era de uma Igreja uniforme, de uma Igreja que não reconhece ser "Igreja de Igrejas".
Nas últimas duas décadas, deveríamos ter aprendido com os Sínodos celebrados que não se pode alcançar posições universais, aquelas expressas pela Sé petrina, mas que deveríamos, antes, obedientes à busca e ao esforço dos Padres sinodais, chegar a decisões que dizem respeito algumas Igrejas, algumas regiões, sem envolver toda a Igreja.
Certamente não me refiro a uma Igreja das nações, mas a uma "Igreja de Igrejas" que saiba acolher e ordenar liturgias diferentes, teologias diferentes, disciplinas eclesiais diferentes. É necessário interromper, o quanto antes, este modo de proceder, o mesmo de sempre, pelo qual no Sínodo prevalece apenas o universal deliberado e normalizado pela cátedra romana. As Igrejas locais devem ser reconhecidas como sujeitos de direito de iniciativas eclesiais, não apenas circunscrições administrativas. E no Sínodo devem poder exprimir-se, pedir e obter o que julgarem necessário para a sua missão, recebendo a aprovação das outras Igrejas. Continuo convencido de que sem esta subjetividade das Igrejas locais o Sínodo da Igreja universal poderá caminhar bem pouco.
De qualquer forma, nos últimos meses, têm aparecido numerosas contribuições teológicas sobre o caminho sinodal, ou melhor, sobre a sinodalidade, que insistem de modo insistente na escuta como uma necessidade, especialmente na primeira fase do Sínodo. Somente a vida monástica e religiosa permaneceu em silêncio como se não tivesse nada a dizer, como se não acreditasse no Sínodo ou como se o Sínodo não lhe dissesse respeito. Mas são muito poucas as tentativas de delinear temas a serem confrontados, discernidos e eventuais deliberações sinodais, talvez também devido a intervenções episcopais que, sobretudo, na Itália congelaram o debate na raiz.
Imediatamente foi dito que não se deveria seguir o caminho do Sínodo da Alemanha, com os temas que lá são debatidos, porque aqueles temas não nos pertencem; foi dito que o Sínodo não deve ser um lugar de reivindicações eclesiais e que os temas urgentes são: o primado da palavra de Deus na Igreja, os pobres, os migrantes, os desempregados, a condição dos jovens, a ecologia... certamente temas que hoje percebemos como decisivos para a vida cristã no mundo em solidariedade com a humanidade. Mas gostaria de salientar que esses temas já foram tratados num Sínodo (palavra de Deus, evangelização, jovens), ou são temas assumidos com responsabilidade por todas as Igrejas. Para mim, parece que existem, ao contrário, urgências que não podem ser postergadas a um futuro.
Certamente essas urgências são muitas, mas destaco apenas três: a presença da mulher na Igreja, a admissão de pessoas casadas ao sacramento da ordem, a reforma litúrgica.
Quanto à presença das mulheres na Igreja, já está em ato há tempo a sua fuga silenciosa dos espaços eclesiais (cf. A. Matteo, La fuga dele quarantenni), porque estão convencidas de que a sua dignidade não é reconhecida, que permaneçam como "auxiliares" dos clérigos, e que sua opinião nunca é perguntada quando as decisões são tomadas... Nas últimas décadas, a partir de João Paulo II, a mulher é muitas vezes evocada no espaço eclesial, é louvada, elogiada, canta-se sobre a mulher a imagem ideal da noiva e da mãe, mas isso resulta uma zombaria para as mulheres. Quanto mais são cantadas, tanto menos são reconhecidas concretamente na vida quotidiana eclesial.
Foi inclusive inventado no imaginário masculino clerical o princípio "Mariano-Petrino": inconsistente parábola de uma polaridade masculino-feminino, porque Maria e Pedro não estão no mesmo plano. No plano simbólico, Maria é filha de Sião, figura de Israel e da Igreja, enquanto Pedro não é figura, é um ministério entre outros ministérios pedidos na Igreja por Jesus, o Senhor. Por que recorrer a tal monstruosa imagem? Maria pode ser definida mãe da Igreja, mas Pedro não pode ser definido pai da Igreja! Portanto, nenhuma leitura simbólica - seria impossível - porque o símbolo conecta, une realidades semelhantes, não diferentes. Precisamente por isso também é incongruente comparar Pedro e Maria para identificar qual dos dois é mais importante: realidades diferentes, não comparáveis! E, além disso, hoje não me parece apropriado fixar-se na polaridade masculino-feminino, sabendo como as ciências humanas estão discutindo isso na tentativa de libertar de tantas jaulas e escravidões aqueles que estão aprisionados por ela.
Convenhamos: hoje, a Igreja Católica, como todas as Igrejas Ortodoxas, não se sente disposta a conferir o sacramento da ordem às mulheres. A declaração de João Paulo II, Ordinatio sacerdotalis, foi confirmada por Bento XVI e também por Francisco. Nem mesmo o diaconato, que parecia uma possibilidade, figura como tema a ser abordado no Sínodo. Apenas a Igreja da Alemanha apresentou uma proposta, para a qual foi fortemente declarada a indisponibilidade. E então? Acredito que seja, porém, necessário discutirmos a presença das mulheres na Igreja, que se tenha a coragem de escolhas proféticas, que se possa, como na Igreja nascente, criar ministérios em que as mulheres encontrem um reconhecimento de dignidade, de vocação e de missão como os homens. Certamente será necessário compreender que a forma atual de ministérios ordenados é fruto das escolhas da Igreja nascente e da tradição, portanto pode ser alterada pela própria Igreja.
Outro tema sinodal diz respeito à admissão de pessoas casadas ao sacramento da ordem. E aqui há pouco a dizer, porque se trata apenas de mudar uma disciplina da Igreja latina, enquanto as Igrejas católicas do Oriente já conhecem um ministério casado. O celibato é um dom, uma graça preciosa que o Senhor concede à Igreja, mas não deve ser imposto como lei àqueles que a Igreja pode chamar como pastores do rebanho. A possibilidade de permitir o acesso de pessoas casadas ao sacerdócio ministerial deve ser oferecida não porque faltam os presbíteros, mas para afirmar a liberdade do dom do Espírito também para aqueles que são chamados a governar o povo de Deus sem terem recebido o carisma do celibato para o Reino!
Quanto à urgência de uma reforma litúrgica, ou melhor, de uma retomada da reforma iniciada com o Vaticano II, devem ser abertos os canteiros de obra, não se deve viver com medo de divisões e cismas, mas aprender a viver a pluralidade das expressões litúrgicas.
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Três urgências para debater na Igreja. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU