"Enquanto alguns apostam somente no ativismo ou na ingerência política, o Papa Francisco nos interpela a transformar a realidade. 'A transfiguração', disse, 'nasce da oração'".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"Como estamos levando a oração à guerra em curso?" Esta foi a pergunta que o Papa Francisco dirigiu aos cristãos em sua homilia na Igreja do Santíssimo Nome de Jesus em Roma, por ocasião dos 400 anos da canonização dos Santos Inácio de Loyola, Francisco Xavier, Teresa de Jesus, Felipe Neri e Isidoro Lavrador, neste final de semana.
Esta não é a primeira vez que o Papa insiste sobre a importância da oração no cotidiano da vida cristã. Enquanto alguns apostam somente no ativismo ou na ingerência política, o pontífice nos interpela a transformar a realidade. "A transfiguração", disse, "nasce da oração".
Na penúltima catequese sobre a oração, em junho do ano passado [09-06-2021], ele disse que antes de ser um convite, a oração é um "mandamento que nos é dado pela Sagrada Escritura", quando São Paulo diz aos Tessalonicenses: "Orai sem cessar, e, em todas as circunstâncias, dai graças" (5, 17-18).
Citando o monge Evágrio do Ponto, discípulo de São Gregório Nazianzeno, que passou os últimos 16 anos de sua vida no Egito, como anacoreta, o Papa sublinhou: "'Não nos foi pedido que trabalhemos, velemos e jejuemos constantemente – não, isto não nos foi pedido – mas temos a lei de orar sem cessar' (n. 2742). O coração em oração. Existe assim um ardor na vida cristã que nunca deve falhar. É um pouco como aquele fogo sagrado que se conservava nos antigos templos, que ardia sem interrupção e que os sacerdotes tinham a tarefa de manter vivo. Eis: também em nós deve haver um fogo sagrado, que arda continuamente e que nada possa extinguir. Não é fácil, mas deve ser assim".
Na ocasião, o Papa mencionou o peregrino russo, personagem central da obra Relatos de um peregrino russo, de autoria desconhecida: um camponês de 33 anos, "cristão ortodoxo", cuja "única preocupação é o absoluto". A mística praticada por ele é o hesicasmo, que remonta aos primeiros séculos cristãos, em oposição à tradição puramente ascética. Esse tipo de mística consiste na evocação grega "Kyrie eleison", explica, Jean Gauvain, autor que apresenta a obra ao público brasileiro: "A fé do peregrino não é uma respeitosa emoção diante de mistério de poesias, ela se alimenta de ensinamentos teológicos" porque "conhecendo o homem à luz de Deus, ele conhece também seu lugar e seu papel no universo".
Capa do livro Relatos de um peregrino russo (Foto: Reprodução)
A moral do peregrino, continua, "não é um conjunto de regras que um dia aprendeu. Não é também apenas uma higiene interior. Todas as suas ações são orientadas pelo desejo de perfeição espiritual. (...) Assim, a vida espiritual retoma sua unidade. Da fé vêm as obras, mas, sem as obras não há fé".
Como recordou o Papa Francisco na catequese, as palavras do apóstolo Paulo comoveram o peregrino russo e direcionaram sua busca. Eis como ele próprio conta ao leitor o que sucedeu:
"Essas palavras penetraram profundamente o meu espírito e eu me perguntei como era possível rezar sem cessar quando cada um de nós tem de ocupar-se de muitos trabalhos para seu próprio sustento. Procurei na Bíblia e li com meus próprios olhos aquilo que ouvira: É preciso rezar sem cessar (1Ts 5,17), rezar em todo tempo, no Espírito (Ef 6,18), erguendo em todo lugar mãos santas (1Tm 2,8). Por mais que refletisse, não sabia o que decidir. O que fazer? - pensava. Onde achar alguém que possa explicar-me essas palavras? Eu iriei às igrejas onde pregam homens de renome e aí talvez eu ache o que procuro. E me pus a caminho. Ouvi belos sermões sobre oração. Mas todos eles instruíam sobre a oração em geral: o que é a oração, por que é necessário rezar, quais são os frutos da oração. Mas, como chegar a rezar verdadeiramente - sobre isso não falavam nada. Ouvi um sermão sobre a oração em espírito e sobre a oração perpétua, mas não explicavam como chegar até lá. Assim, a frequência aos sermões não me dera o que eu desejava. Deixei, portanto, de ir às pregações e decidi sair, com a ajuda de Deus, à procura de um homem sábio e experimentado que me explicasse esse mistério, pois era isso que atraía irresistivelmente meu espírito".
No início de seu relato, o peregrino se apresenta ao leitor do seguinte modo:
"Pela graça de Deus, sou homem e cristão; pelas ações, grande pecador; por estado, peregrino sem abrigo, da mais baixa condição, sempre vagando de déu em déu. De meu, tenho às costas uma sacola de pão seco, na minha camisa a santa Bíblia, e eis tudo".
Essa condição favoreceu o peregrino, que se pôs a caminho, percorrendo quilômetros e quilômetros por toda a Rússia, de São Petersburgo à Sibéria, sofrendo todo tipo de infortúnio enquanto recebia igualmente as Graças de Deus. A primeira orientação veio de um senhor que "se dedicava exclusivamente à sua salvação": "Convém pedir muitas vezes ao Senhor que nos ensine a rezar sem cessar".
Orientado por um monge a fazer uma parada no mosteiro antes da próxima partida, onde outros peregrinos eram acolhidos e alimentados, ele reagiu:
"Meu descanso não depende de um alojamento, mas de um ensinamento espiritual; não é alimento que estou procurando. Tenho bastante pão seco na minha sacola".
Em seguida, resumiu sua história para o religioso:
"Eu comecei a frequentar as igrejas - ouvi sermão sobre a oração; mas, por mais que eu escutasse sermão e mais sermão, eu nunca aprendi como rezar sem cessar; falavam sempre da preparação para a oração e de seus frutos, sem ensinar como rezar sem parar e o que significa tal oração. Entretanto, não consegui compreender o que desejo. E, desde então, sinto-me inseguro e inquieto".
O monge, conhecedor e praticante dos ensinamentos dos padres do deserto, como, Nicéforo, o Solitário, Gregório, o Sinaíta, Simeão, o novo teólogo, e Calisto e Inácio Xanthopouloi, entre outros, o ensinou, finalmente, a estar na presença do Senhor, sem cessar:
"A interior e constante oração de Jesus é a invocação contínua e ininterrupta do nome de Jesus, com os lábios, com o coração e com a inteligência, no sentimento de presença, em todo tempo, em todo lugar, mesmo durante o sono. Essa oração se exprime pelas palavras: Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim! Aquele que se habitua a essa invocação sente uma grande consolação e a necessidade de rezar sempre essa oração; depois de algum tempo, ele não pode passar sem ela e por si mesmo a oração brota nele. Compreendes agora o que é a oração perpétua?
Depois de se exercitar por semanas e semanas, dizia o peregrino a si mesmo:
"É assim que vou agora, rezando sem parar a oração de Jesus que me é mais doce e querida do que tudo no mundo. Às vezes, faço mais de setenta quilômetros por dia e não sinto que estou caminhando; sinto somente que rezo. Quando me pega um frio muito forte, eu rezo com mais atenção e logo me esquento. Se a fome aperta, eu invoco mais vezes o nome de Jesus Cristo e esqueço que estava com fome. Se me sinto doente, com dor nas costas ou nas pernas, eu me concentro na oração e não sinto mais dor. Se alguém me ofende, eu só penso na oração de Jesus tão benfazeja; imediatamente desaparecem a raiva ou o sofrimento e me esqueci de tudo. Meu espírito se tornou muito simples. Não me preocupo com nada, não me prendem as coisas exteriores; eu gostaria de ficar sempre na solidão. Por hábito, só tenho agora uma necessidade: recitar a oração sem parar. E quando faço isso, me sinto alegre. Sabe Deus o que se passa comigo. (...)
Ainda não cheguei à oração espiritual do coração, espontânea e perpétua; mas, graças a Deus, agora eu compreendo muito bem o que significa a palavra do Apóstolo que eu tinha ouvido faz tempo: rezai sem cessar".