14 Março 2022
Estamos diante de “uma nova espécie do humano”, que vive da liberdade de se sentir livre e único e que defende essa liberdade e unicidade a todo custo.
A opinião é de Armando Matteo, professor de Teologia Fundamental da Pontifícia Universidade Urbaniana e subsecretário adjunto da Congregação para Doutrina da Fé, convocado pelo Papa Francisco.
O artigo foi publicado na coluna “Opzione Francesco”, da revista Vita Pastorale, de março de 2022, e reproduzido na íntegra por Settimana News, 13-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Leia também, em português, o primeiro e o segundo artigos da série.
Uma segunda coordenada da “Opção Francisco” diz respeito à necessidade de entrar em contato consciente com o efeito global da mudança de época que nos cabe viver. Graças a ela, de fato, estamos diante de um cenário cultural totalmente inédito em relação ao que governou a existência dos nossos antepassados.
Ainda na Evangelii gaudium, n. 73, falando das novas cidades, o Papa Francisco convidava a isso:
“Novas culturas continuam se formando nestas enormes geografias humanas onde o cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas outras linguagens, símbolos, mensagens e paradigmas que oferecem novas orientações de vida, muitas vezes em contraste com o Evangelho de Jesus. Uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade.”
O urbano contemporâneo torna-se assim o símbolo dessa “nova gênese cultural” que está em curso e que retira dos fiéis e dos seus pastores a direção do sentido da vida, propondo visões da existência diferentes, quando não até opostas ao Evangelho.
E do que o urbano contemporâneo é sinal? Ele é sinal de uma imensa gama de possibilidades e de desenvolvimento à disposição do cidadão ocidental comum, graças ao formidável crescimento do aparato tecnológico e graças às conquistas da medicina e da farmacêutica; é sinal de uma cota de bem-estar médio nunca antes alcançada, graças a uma circulação do dinheiro verdadeiramente consistente e aos sistemas de bem-estar cada vez mais eficientes; é sinal da realização das potencialidades cultuais e formativas dos indivíduos nunca antes experimentadas e, por fim, de uma conexão entre os indivíduos e entre os indivíduos e o mundo ao seu redor, graças à comunicação digital.
Assim, abre-se espaço para uma cultura inédita que subverte completamente os elementos de sustentação que estruturavam a consciência coletiva até poucas décadas atrás. A nova cultura que palpita nas cidades do Ocidente não reconhece mais nenhum primado à transcendência, à verdade, à racionalidade, à unidade, às leis naturais, à tradição, à comunidade, à coerência moral, a Deus, ao senso de dever, ao valor do sacrifício e da sobriedade.
Hoje, os horizontes de sentido e de valor que governam as existências dos cidadãos ocidentais são bem outros. Trata-se da singularidade, da corporeidade, da alteridade e da pluralidade de perspectivas, da emotividade, da espontaneidade, da imediaticidade, da saúde, da comodidade, do bem-estar econômico, da alergia a toda forma de trauma e de interrupção do círculo exuberante da própria existência.
Exagerando um pouco, pode-se dizer que estamos diante de “uma nova espécie do humano”, que vive da liberdade de se sentir livre e único e que defende essa liberdade e unicidade a todo custo. Essa nova configuração não exclui ambivalências e lados obscuros.
Os fiéis, no entanto, devem entrar em contato com ela, para evitar aquilo que, para o Papa Francisco, é um risco recorrente no presente: dar respostas a perguntas que ninguém mais faz. De fato, a cultura nova levanta perguntas novas.
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Uma cultura inédita. ‘Uma nova espécie do humano’. “Opção Francisco”, por Armando Matteo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU