14 Março 2022
Nessa sexta-feira, 11, o Papa Francisco concluiu, assim como os membros da Cúria Romana, um retiro pessoal. Para o jesuíta e biblista Zanetti, graças a essas paradas podemos contemplar a vida de Jesus.
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada em Avvenire, 11-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Viver os dias dos Exercícios Espirituais em solidão e quase no “escondimento” no forte tempo da Quaresma para aprender a “contemplar realmente a vida de Cristo”, como diria Inácio de Loyola. E assim buscar uma autêntica conversa com Deus. Essa é a solicitação que, em última análise, vem do próprio Papa Francisco, que, desde o domingo passado até essa sexta-feira, decidiu viver um momento de retiro espiritual, longe dos holofotes do mundo e dos seus tradicionais compromissos públicos. Incluindo a habitual Audiência geral da quarta-feira.
Frontispício da primeira edição dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio (Foto: Creative Commons)
De fato, pelo segundo ano consecutivo, devido à pandemia, o tradicional curso de Exercícios Espirituais da Cúria Romana – o último foi pregado presencialmente em 2020 pelo jesuíta e biblista Pietro Bovati – não pôde ser realizado na Casa Divin Maestro, em Ariccia, às portas de Roma. No entanto, como havia feito no ano passado, o papa deu a sugestão de “fazer isso de modo pessoal, retirando-se em oração”.
O jesuíta e biblista Piergiacomo Zanetti entrevê nesse compromisso anual da Cúria Romana o caminho privilegiado para descobrir o quão profundamente Deus nos ama. Assim como afirmam os Exercícios inacianos (nn. 230-237) quando falam de “contemplação para alcançar o amor”.
“Os Exercícios Espirituais são um retorno ao primeiro amor – é a argumentação do religioso especialista em espiritualidade inaciana e professor de Sagrada Escritura e Língua Hebraica na Pontifícia Faculdade Teológica da Sardenha, em Cagliari – como se diz no livro do Apocalipse (2,4), no qual, por ‘primeiro’, entende-se a qualidade do amor, aquele amor verdadeiro que não retém, mas, enquanto desfruta, doa. O primeiro amor também no tempo. É o primeiro que se conheceu e se experimentou. E o primeiro como origem de todo amor e de tudo, ou seja, Deus.”
Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas. Para ele, os Exercícios Espirituais eram centrais (De Ribera, 1622)
O Pe. Zanetti também identifica nas leituras desta Quaresma – “basta pensar na de domingo passado, Lucas 4,1-13)” – a via mestra para vencer as mesmas tentações sofridas por Jesus no deserto e ir às raízes de nós mesmos. Pensando também nos acontecimentos que mais nos afetam agora, como a guerra na Ucrânia e o prolongamento da pandemia.
O período destes dias dos Exercícios, portanto, pode simbolizar quase uma “renúncia a tudo” para fazer experiência, no segredo do próprio quarto, os dons que o Senhor quer nos conceder. “O ‘segredo do próprio quarto’ nos remete, no fundo, à dimensão fundamental do monge que, como diz Evágrio Pôntico, que viveu entre 345 e 399, é ‘aquele que, separado de todos, está unido a todos’”, observa o estudioso.
“Eu acredito que a única solidão lícita é aquela que não nos leva ao isolamento, mas a amar mais. Entra-se em uma cela ou vai-se ao deserto para ouvir ainda melhor a voz do amado, d’Aquele que nos ama’.”
A experiência destes Exercícios indicados pelo papa para ser vivida de forma pessoal foi singular. Sem a orientação de um pregador. “Acho que esse tipo de caminho espiritual nos oferece a oportunidade não tanto de viver sem um pregador ou guia espiritual, mas de compreender melhor o que realmente significa fazer os Exercícios Espirituais. Sempre precisaremos de um diretor espiritual ou de um confessor para falar e debater com ele sobre o que vivemos no nosso próprio íntimo, para não nos autoenganarmos nos próprios pensamentos ou por eles mesmos”.
E acrescenta um pormenor: “O próprio Inácio, fundador da Companhia de Jesus, na sua ‘Autobiografia’, conta que sempre nos momentos de retiro ou de solidão faz acordos ‘com um confessor’, porque nesses momentos somos atacados pelos escrúpulos. De fato, em Manresa, ele procurou pessoas espirituais com as quais podia debater para se libertar deles. Essa é uma prática que remonta aos Padres do deserto, onde aquele que começava a se pôr a serviço de Deus ia ao encontro de um guia que o ajudava a conhecer o mundo do Espírito”.
Zanetti se concentra em um aspecto: a importância quase “estratégica” de que seja o exercitante a se pôr em diálogo direto com o Senhor. “De fato, chama a atenção que Inácio convida quem dá os Exercícios a ser sintético, a se deter em poucos pontos do texto evangélico, para que o exercitante descubra sozinho os tesouros escondidos e os saboreie.”
Uma semana de “fuga do mundo” que pode nos ajudar a viver, de acordo com uma famosa expressão popular, uma autêntica “mística cotidiana” tão cara ao santo basco. Ou a descobrir, graças a esse caminho espiritual, como diria o cardeal Carlo Maria Martini, o “valor da interioridade”.
“Um aspecto particular é o fato de se deter no que significa fazer os Exercícios Espirituais”, é a reflexão final. “Muitas vezes, começa-se participando de grandes e belas celebrações ou tendo um pregador que, com as suas palavras, com exortações mais ou menos longas ou perspicácia teológica, nos ajuda a vislumbrar e a saborear a Palavra de Deus. Outras vezes ainda, um bom livro que ofereça impulsos para a reflexão. Mas esse é apenas o início. Trata-se, antes, de se deixar interrogar por aquelas palavras que se detiveram na nossa memória e ruminá-las, deixando que elas nos convertam pouco a pouco e nos revelem onde nós estamos ou o que estamos vivendo no nosso caminho. Onde perdemos a esperança, a confiança e a caridade. Afinal, esse é o início dos Exercícios propriamente ditos.”
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Quaresma: os Exercícios Espirituais nos falam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU