11 Fevereiro 2022
“O genocídio dos povos indígenas existe desde os tempos da colonização portuguesa com a implementação do cultivo da cana-de-açúcar na costa litorânea. Trata-se do extermínio de múltiplos povos, tanto pelos conflitos violentos quanto pelas doenças trazidas pelos europeus”, escreve Sandoval Alves Rocha, padre jesuíta, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, professor da Escola de Humanidades da Unisinos e Assessor do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus.
No dia 27 de janeiro de 1945 as tropas soviéticas libertavam o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Nesta data se comemora o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto. Estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2005, a data lembra a tragédia provocada pelo antissemitismo incorporado pela Alemanha, principalmente nas décadas de 1930 e 1940, ao implantar uma política de Estado voltada à perseguição e extermínio de judeus, mas que também vitimou ciganos, homossexuais, comunistas, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos e outros grupos.
Praticado pelo Partido Nazista e por Adolf Hitler (1889 – 1945), o antissemitismo alemão partia do pressuposto de que a raça alemã era superior e de que os judeus eram os responsáveis por todos os males da sociedade alemã. O discurso nazista, aliado à doutrinação realizada na sociedade, tornou os judeus bodes expiatórios e vítimas de extrema violência, não só por parte do governo, mas também pelos civis. O ódio e a perversidade colocados em curso de diversas maneiras causaram a morte de seis milhões de judeus, entre homens, mulheres e crianças.
Entre outras brutalidades, o ódio nazista aos judeus levou à criação de campos de extermínio e campos de concentração. Os primeiros tinham a função de assassinar os prisioneiros e os outros realizavam horrores como jornada de trabalho extenuante, maus-tratos diários e péssimas condições de higiene. As vítimas ficavam em alojamentos abarrotados de pessoas e eram mal alimentadas. Execuções sumárias eram praticadas como forma de tortura psicológica, além de execuções nas câmaras de gás.
Boa parte destas práticas mortíferas é bem conhecida no território brasileiro por diferentes pessoas e em distintos tempos e lugares. O genocídio dos povos indígenas existe desde os tempos da colonização portuguesa com a implementação do cultivo da cana-de-açúcar na costa litorânea. Trata-se do extermínio de múltiplos povos, tanto pelos conflitos violentos quanto pelas doenças trazidas pelos europeus. Atualmente, este genocídio persiste com o negligenciamento dos direitos indígenas.
Em 1500, a população indígena era de aproximadamente cinco milhões de pessoas no Brasil, mas atualmente, de acordo com o senso demográfico de 2010 (IBGE), há 896,9 mil indígenas no país. O genocídio indígena perdura pelo desrespeito às demarcações de terras, além de ataques às comunidades tradicionais, principalmente por parte de fazendeiros e garimpeiros, mas também decorre da omissão do governo federal que tem ignorado os males causados pela Covid-19.
Na Amazônia, o processo de extração da borracha adotado pelo governo brasileiro entre os anos 1870 e 1920 e durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) constitui outra experiência que lembra o holocausto judeu. Apenas no primeiro período, mais de trezentos mil nordestinos foram utilizados como mão-de-obra escrava nos seringais amazônicos usufruindo de péssimas condições de vida em favor da economia global da borracha e produzindo o luxo ostentado por uma pequena elite no Brasil e na Amazônia.
Esta experiência muito se assemelha aos campos de concentração poloneses, que desfiguravam o ser humano, submetendo-os à humilhação, à escravidão e ao extermínio em massa. Além dos recursos naturais extraídos neste período, destaca-se a extração do sangue e do suor de milhares de migrantes, que desfaleceram nas florestas amazônicas sem poder resistir às doenças e aos enganos do modo de produção adotado e estimulado pelo governo.
A atuação governamental da Alemanha que produziu o holocausto judeu alude também à atual política mortífera implantada pelo governo brasileiro no que diz ao tratamento da Covid-19. O negacionismo, a corrupção, a negligência, a morosidade, a indicação de remédios sem eficácia e a retenção de recursos para o combate da doença mostram que a mentalidade doentia, destruidora e egoísta ainda ocupa grande espaço na sociedade brasileira. Diante da tragédia prevista e hoje consubstanciada em 630 mil mortes e 25 milhões de casos confirmados, é impossível não associarmos ao Holocausto Judeu, que foi planejado e colocado em curso de forma sistemática.
O enfraquecimento da democracia e o desprezo dos direitos humanos anunciam tragédias como o holocausto judeu. Nos últimos anos, o Brasil tem dado passos perigosos neste caminho sendo já afetado por fenômenos como o aumento da fome, os ataques às instituições democráticas, as ameaças de intervenção militar, a eliminação de direitos sociais, a intimidação da sociedade civil, a devastação ambiental (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica), a expansão da pobreza e da desigualdade social.
Que os erros históricos como o holocausto judeu nos ajudem a prevenir as tragédias no nosso país, embora muitas delas já sejam irreversíveis. Que a lembrança dos nossos holocaustos nos façam mais humanos, pois a consciência do mal que somos capazes de fazer talvez nos convença do bem que podemos e devemos realizar para melhorar as nossas sociedades, fazendo-as mais fraternas, justas e ambientalmente sustentáveis.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os nossos holocaustos. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU