08 Fevereiro 2022
Teresa Forcades i Vila, monja beneditina no Mosteiro de Montserrat, nascida em Barcelona há 56 anos, é médica com especialização em Medicina Interna realizada em Buffalo (EUA), teóloga com mestrado pela Harvard, feminista e ativista política. Criada em uma família não crente, ela descobriu a fé na escola das freiras onde seus pais a matricularam.
Leu o evangelho pela primeira vez aos 15 anos. Em 1995, antes de retornar aos Estados Unidos, decidiu passar algumas semanas no mosteiro de Montserrat para se preparar para um importante exame de medicina. É aí que ela percebeu que queria se tornar freira: naquele mosteiro construído na montanha de Monistrol de Montserrat, um pequeno centro da comunidade autônoma da Catalunha, da qual representa um símbolo, e que também é um importante local de peregrinação.
É freira de clausura desde 1997. Em 2012 fundou o movimento político Procés Constituinte junto com Arcadi Oliveres, economista, acadêmico e ativista social espanhol, presidente de "Justícia i Pau", grupo pacifista cristão. Eles propõem obter a independência da Catalunha através de um novo modelo político e social baseado na auto-organização e mobilização social.
Em 2015, com a aproximação das eleições regionais da Catalunha, recebeu permissão de seu superior e da Santa Sé para deixar a clausura por três anos e, assim, poder entrar na campanha eleitoral concorrendo à presidência da região. Em 2018, voltou ao mosteiro para retomar sua vida como contemplativa.
Com Teresa Forcades - monja beneditina, feminista, teóloga queer, mística, independentista catalã, graduada em medicina, ativista pelos direitos dos homossexuais, escritora de livros sobre a fé, sobre o corpo, defensora de teses ousadas e controversas dentro e fora da Igreja, existem realmente muitos tópicos de conversa e entrevista. E quando o encontro acontece em um mosteiro beneditino, aninhado naquelas montanhas de Montserrat que são o símbolo da indômita Catalunha, um lugar poderoso e mágico onde o perfume da fé se mistura com aquele da liberdade, a tentação de se deixar levar pelo encanto da escuta e do confronto é grande.
E, além disso, Teresa Forcades com sua alegria, pensamento ousado, palavras amáveis sabe fascinar. Seu bom humor é contagiante. Sua capacidade de ir sem remorso ao fundo das questões, de “misturar”, de destruir clichês e estereótipos é indiscutível.
Mas não fizemos isso. Não cedemos à tentação de falar sobre tudo. Prefiro – digo logo para ela - abordar apenas uma questão, a da relação entre as mulheres e a Igreja, do patriarcado na instituição eclesiástica, das mulheres que ainda estão às margens quando não abertamente discriminadas, das lutas que se tentam para mudar. “Claro, vamos falar sobre isso - diz-me - mas a partir de um ponto muito básico para mim, que quero destacar, que é importante e não dito. Porque que o patriarcado é forte é algo evidente, tão evidente que nem vale a pena ressaltar. Quem não entendeu?"
A entrevista é de Ritanna Armeni, publicada por Donne Chiesa Mondo, 02/2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por outro lado, com o que, que ainda não foi dito, vale a pena começar?
A Igreja Católica, na qual o patriarcado é justamente forte, é, no entanto, a instituição que mais do que qualquer outra preservou a presença, a história e a memória das mulheres. Se esta é viva, se hoje sabemos o que tantas mulheres em diferentes lugares e épocas fizeram, sentiram e pensaram, devemos ao catolicismo que todos os dias e em todas as partes do mundo celebra o nome e recorda as obras de uma delas.
Estou me referindo a Clara, Hildegard, Teresa, poderia citar centenas de outros nomes. Houve e há mulheres. Não sem conflito, é claro. Mas aconteceu e deve ser dito imediatamente. Com ênfase, com convicção, com força.
Acrescento que não só elas existiram e atuaram, mas também criaram comunidades e estas ainda estão vivas hoje. Em suma, construíram na Igreja sua própria história, uma história feminina. E isso é difícil, sabemos que é difícil, muito difícil não só em uma instituição católica. É assim no mundo.
Quando me formei na faculdade de medicina em 1990, estudei que dois homens, James Watson e Francis Crick, haviam descoberto a estrutura do DNA, uma enorme revelação científica que lançou as bases da moderna biologia molecular. Somente alguns anos atrás fiquei sabendo que a primeira a descobrir a estrutura do DNA foi uma mulher, Rosalind Franklin. Sua figura havia se dissolvido, havia sido apagada. A história não a entendeu.
Você está me dizendo que a Igreja Católica construiu, preservou uma presença e uma cultura feminina mais do que outras religiões?
Eu não crio polêmicas. Talvez a minha seja ignorância, mas eu lhe pergunto: em que cultura, em que país, em que religião, podemos encontrar escritos e obras femininas como na Igreja Católica?
Hoje, porém, para muitos a mudança na Igreja é mais lenta, as resistências mais fortes do que em outras instituições. Por quê?
Costuma se dizer que a Igreja não está preparada... Que ainda tem que trabalhar. Talvez seja verdade. No entanto, acredito que se algo é justo, deve ser feito. Bem, com ponderação e diplomacia, se for necessário, mas deve ser feito.
Você também é conhecida por ser uma defensora da ordenação sacerdotal feminina. A Santa Sé diz que o sacerdócio é reservado aos homens.
É considerada hoje a questão das questões. Discutiu-se a respeito também no passado, e foi oposta uma recusa. Minha opinião é que não existem obstáculos teológicos nas Escrituras.
Com Francisco, algo está se movendo para as mulheres na Igreja? O quê?
Francisco pela primeira vez deu às mulheres cargos de responsabilidade na Cúria Romana. Pela primeira vez, em alguns casos, estão no organograma da cúria vaticana em posições mais altas do que alguns bispos. Parece-me um fato novo e importante. No entanto, parece que a palavra "feminismo" ainda provoca urticária não apenas nos homens, mas também nas mulheres da Igreja.
Você sabe explicar por quê?
A Igreja Católica é formada por mulheres, a maioria é feminina. Então vivemos em uma situação muito estranha. Uma instituição, uma realidade em grande parte, setenta, oitenta por cento, na qual as mulheres contam pouco ou nada.
Não me surpreende que uma situação tão estranha, tão singular, provoque ansiedade, inquietação, incerteza, medo. Os homens da Igreja sabem bem que se as mulheres a abandonassem, ela simplesmente deixaria de existir.
Vou lhe contar um episódio. Elisabeth Schüssler Fiorenza, teóloga, biblista e feminista estadunidense, certo dia, durante um serviço religioso, pediu às mulheres que saíssem e se reunissem do lado de fora da Igreja. Com um gesto simbólico queria demonstrar que sem elas o sacerdote ficava sozinho. Exatamente o que aconteceu e aconteceria em qualquer igreja, em qualquer função religiosa.
Então, o feminismo conseguiu penetrar e minar o patriarcado da Igreja?
Não apenas isso. Hoje podemos falar de uma teologia feminista na história. De um feminismo que não se define como tal, mas que existiu, existe e faz escolhas mesmo em uma sociedade, uma instituição, um pensamento dominante que exclui as mulheres.
Eu vou lhe mostrar com simplicidade. Denunciamos como sistema patriarcal aquele em que as mulheres - mesmo uma só delas - são excluídas ou discriminadas. E podemos definir feminista qualquer ação - de uma mulher ou de um homem - que denuncie tal exclusão.
Gregório de Nazianzo, teólogo do século IV, observou, a respeito do adultério, que se este fosse cometido por uma mulher, sobre ela era descarregado todo o peso da lei que a punia até à morte, se cometido por um homem não havia punição. Não é justo, ele destacava, porque as escrituras, o mandamento dizem “honra teu pai e tua mãe”.
Exigem o mesmo comportamento para o homem e para a mulher. Então as leis aplicadas para punir o adultério - deduziu - não são leis de Deus. É uma crítica ao patriarcado, não lhe parece? Mas Gregório de Nazianzo foi mais longe. Ele se perguntou por que isso acontecia, por que era possível.
A razão está no fato - explicou - que a lei havia sido escrita pelos homens, não pelas mulheres. Como pode ver, a posição de um teólogo do século IV já é crítica em relação ao patriarcado. Já podemos falar de teologia feminista na história.
Mas o feminismo para você, Teresa Forcades, o que é?
Isso também é simples. Não demora muito para defini-lo. São três ou quatro pontos. Primeiro: o feminismo é identificar a discriminação. Nem todo mundo a vê. Gregório no século IV a viu, outros nem mesmo hoje conseguem fazer isso.
Segundo: tomar consciência da injustiça dessa discriminação. Em suma, assumir com clareza uma posição contrária. No entanto, nem isso é suficiente: contra a discriminação é preciso agir, lutar para eliminá-la.
Para fazer teologia feminista há um quarto ponto. Deve ficar claro que a discriminação não vem da natureza, não vem de Deus, não vem dos textos sagrados. Portanto, deve ser criticada e rejeitada a teologia que teoriza a discriminação porque a considera desejada por Deus.
Existe na Igreja e no cristianismo a força para superar discriminações tão profundas como aquelas que o próprio Francisco denuncia diariamente?
Eu penso que sim. Outras vezes aconteceu. Pense no que era o casamento antes do cristianismo. Uma questão econômica que dizia respeito à propriedade: de quem era, para quem deveria ser deixada. E, portanto, de quem era o filho. Isso pressupunha o controle e a subordinação da mulher.
No mundo antigo, o casamento era um contrato entre dois homens, o pai e o marido. Para a Igreja Católica, o casamento é o encontro de amor entre um homem e uma mulher que se escolhem e se unem. Uma mudança radical em relação à cultura então dominante. Também na tradição judaica, afinal, a mulher não é a mãe do filho do homem, mas "carne da sua carne".
Se você fosse dar uma sugestão para mulheres que se sentem desconfortáveis na Igreja e querem superar um impasse, o que você diria?
Eu não faria discursos gerais. Não tenho um programa para sugerir. Mas eu sei, por experiência direta, que as mulheres devem sempre se fazer uma pergunta que não estão – nós não estamos – acostumadas a nos fazer: o que eu, justamente eu, penso? Qual é o meu desejo mais profundo, o que eu realmente quero? O que é justo? A Igreja tem uma história extraordinária de força e resistência feminina. Devemos estudá-lo, valorizá-la, contá-la.
Há mulheres que se fazem essas perguntas todos os dias, tantas que a fizeram no passado. No meu mosteiro as freiras entraram em conflito, houve barricadas quando, depois do Concílio de Trento, a igreja pediu uma clausura mais rígida para as mulheres.
Posso concluir esta conversa dizendo que você é otimista e confiante na possibilidade de que as mulheres mudem a Igreja e que a Igreja mude graças às mulheres.
Dizem que o feminismo começou na virada do século, com a reivindicação dos direitos políticos. Há uma segunda onda nos anos 1970. O verdadeiro começo, em minha opinião, é com a Convenção de Seneca Falls, em 1848, sobre os direitos das mulheres nos Estados Unidos.
Mulheres como Elizabeth Cady Stanton não apenas repetiram que a Bíblia havia sido até então interpretada de maneira patriarcal e que essa não era a verdadeira leitura dos textos sagrados, mas inclusive tiraram consequências políticas.
Também aconteceu com os escravos afro-americanos. Os escravos aprenderam o cristianismo com seus senhores, mas depois, quando aprenderam a ler, entenderam que a verdadeira mensagem das Escrituras não era aquela repassada por seus opressores, que a Bíblia não justificava a escravidão e a desigualdade. Então algo extraordinário aconteceu.
Geralmente - sabemos - o oprimido rejeita a religião do opressor, no entanto muitos escravos afro-americanos permaneceram fiéis ao cristianismo, mas com uma leitura diferente das Escrituras e acusaram seus senhores de não terem lido a Bíblia corretamente. Com as mulheres, está acontecendo a mesma coisa. Na fé e nas Escrituras há toda a força para combater o patriarcado da Igreja.
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Na Igreja existe uma história toda feminina. Entrevista com Teresa Forcades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU