08 Janeiro 2022
"A água é um direito da população e o governo tem que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Ela deve ser fraternalmente compartilhada e não utilizada como uma mercadoria. Qualquer Projeto de Lei que ameace os interesses da população no uso das águas, incluindo as águas subterrâneas do Aquífero Guarani, merece uma atenção e um acompanhamento especial da sociedade civil organizada", escreve Heraldo Campos.
Heraldo Campos é graduado em geologia (1976) pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista – UNESP, mestre em Geologia Geral e de Aplicação (1987) e doutor em Ciências (1993) pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo - USP. É, ainda, pós-doutor (2000) pelo Departamento de Ingeniería del Terreno y Cartográfica, Universidad Politécnica de Cataluña - UPC e pelo Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo - USP (2010).
Como estamos vivendo um período difícil, com muita desconfiança, não faz muito tempo, surgiram boatos sobre a venda dos nossos recursos hídricos e, em especial, a venda das águas subterrâneas do Aquífero Guarani. Falava-se, a boca pequena, para não nos alarmarmos, porque eram apenas boatos e que a possível venda dos recursos hídricos seria inconstitucional.
Na esteira desses boatos, chegou-se a dizer que estava em tramitação no Senado, um Projeto de Lei que alteraria a lei que proibiria essa venda e que a sua alteração introduziria os mercados de água, como instrumento destinado a promover a alocação e a destinação de verbas, supostamente, mais eficiente para os recursos hídricos.
Localização do Aquifero Guarani (Imagem: reprodução Wikipédia)
Se foram boatos ou não, a população precisa ficar, constantemente, ligada e esperta para não sentir na pele a mudança, num golpe, com a introdução dos mercados de água, se um dia isso vier a ocorrer. A água, seja superficial ou subterrânea, é um bem público. O superficiário, ou o proprietário de terras, não é o dono dos rios ou dos reservatórios subterrâneos (aquíferos).
A União ou os Estados é que são os detentores do domínio dos recursos hídricos pela Constituição Brasileira promulgada em 1988. Se de fato ainda existe ou existiu um Projeto de Lei, no Congresso Nacional, não custa lembrar que essa modificação dependeria, necessariamente, de uma Emenda Constitucional. No momento, não acredito que essa mudança aconteça e que interfira junto aos interesses da população no uso das águas e, em especial, no uso das águas subterrâneas do Aquífero Guarani.
Mas sabe como é que é: tem gente nesse governo que deve estar louca para passar a boiada nas águas. Por isso, com relação ao denominado mercados de água, vale esclarecer que toda água a ser retirada, superficial ou subterrânea, com exceção de volumes pequenos, necessita de uma Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos, concedida pelo Poder Público, mediante o atendimento de condições que assegurem o interesse da população no uso das águas. Além disso, ressalta-se que o seu uso não deve causar impacto de qualquer natureza como, por exemplo, a contaminação dos solos e das águas por elementos, compostos ou organismos que possam prejudicar a saúde do homem ou de animais. O impacto pela contaminação, tanto no meio urbano ou rural, dever ser uma das grandes preocupações do Poder Público e dos usuários públicos ou privados.
A água é um direito da população e o governo tem que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Ela deve ser fraternalmente compartilhada e não utilizada como uma mercadoria. Qualquer Projeto de Lei que ameace os interesses da população no uso das águas, incluindo as águas subterrâneas do Aquífero Guarani, merece uma atenção e um acompanhamento especial da sociedade civil organizada, para que seja barrada no Congresso Nacional uma possível iniciativa nesse sentido.
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A boiada nas águas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU