07 Janeiro 2022
Entrevista com Robert Pape, professor de ciências políticas da Universidade de Chicago. O Prof. Pape é especialista em questões de segurança nacional e internacional, e que no último ano estudou os eventos de 6 de janeiro de 2021 para entender os 700 estadunidenses que invadiram o Capitólio naquele dia.
A entrevista é de Gloria Purvis, publicada por America, 06-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O senhor estudou os terroristas nacionais e internacionais por 20 anos, desmascarando uma série de ideias equivocadas. Vamos tomar a sua pesquisa sobre a invasão de 6 de janeiro, um ano depois. Qual foi a descoberta mais significativa nos dados sobre o 6 de janeiro?
A principal descoberta é a palavra mainstream (corrente dominante). Estamos tão acostumados a pensar que os extremistas estão às margens, que fazem parte de grupos de milícias ou de seitas religiosas. O que é impressionante sobre aqueles que invadiram o Capitólio - e também o que hoje surpreende sobre os sentimentos insurgentes entre a população do país em geral - é que eles são mainstream. E isso que se destaca na nossa pesquisa de múltiplas maneiras.
O senhor acredita que o fato dessas pessoas serem, em sua maioria, mainstream seja um dos motivos pelos quais alguns acham difícil chamá-la de insurgência? Como se dirigiria às pessoas que não pensam que são insurrecionistas e pensam que coisas como os protestos de Black Lives Matter são uma ameaça para a república?
O fato de a violência política que vemos diante de nós ser mainstream realmente nos deixa confusos. Faz com que queiramos normalizar o que vemos porque faz parte do mainstream. E também a atuação da polícia nos deixa confusos, porque estão acostumados a lidar com grupos periféricos. Quanto mais um fenômeno é mainstream, mais difícil é para nós enfrentá-lo.
Quando se fala mainstream, estamos falando sobre esses insurgentes que são pessoas comuns que vivem bem ao nosso lado?
Mais do que gostaríamos de acreditar. Então, deixe-me contar alguns fatos sobre quem invadiu o Capitólio. A descoberta número um é seu perfil econômico: mais da metade dos quase 700 que foram detidos por invadir o Capitólio são proprietários de empresas ou de empregos de colarinho branco - médicos, advogados, arquitetos. Apenas cerca de 13% são membros de milícias, como os Oathkeepers ou os Proud Boys.
Pelo menos 25% dos insurgentes têm diploma universitário. Isso é mais ou menos igual à média dos eleitores estadunidenses, que é cerca de 30 por cento. Quando olhamos para o serviço militar, cerca de 15% dos insurgentes prestaram serviço militar. Isso é um pouco mais alto do que o 10% da população em geral, mas na verdade bem próximo a esse dado. Sete por cento dos insurgentes que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro estavam desempregados - quase a média nacional na época.
Não são 100% iguais à população em geral. São mais brancos: 93% dos presos por invadir o Capitólio são brancos. Também são mais do sexo masculino, cerca de 85%. Mas é verdade que, na grande maioria, o que estamos vendo é o mainstream.
Uma das coisas que gostaria de saber é se houve algum papel que a religião, especialmente o Cristianismo, desempenhou neste movimento que levou à invasão do Capitólio.
Não podemos, a partir dos documentos judiciais das pessoas detidas pelo ocorrido em 6 de janeiro, saber muito sobre religião. A melhor maneira de chegar ao papel da religião é consultar nossas pesquisas representativas em nível nacional. Sabendo que os insurgentes de 6 de janeiro faziam parte do mainstream, conduzimos pesquisas representativas em nível nacional sobre a insurgência de sentimento na população dos Estados Unidos em geral. Fizemos isso com o Conselho Nacional de Pesquisa de Opinião da Universidade de Chicago. Usamos o gold standard das pesquisas representativos.
O que descobrimos é que um grande número de estadunidenses, 21 milhões, têm duas opiniões radicais. Um, acreditam que o uso da força para trazer Donald Trump de volta à presidência seja justificado. Dois, acreditam que Joe Biden é um presidente ilegítimo. Essas são as duas principais convicções insurgentes que vimos em 6 de janeiro.
Quando nos aprofundamos um pouco mais nisso, podemos examinar as crenças do movimento. As crenças primárias do movimento não são principalmente religiosas.
Se isso é mainstream, quais são os sinais que poderíamos ver entre os nossos familiares ou vizinhos que poderiam indicar que simpatizam e poderiam ser radicalizados por este movimento?
Olhando para os detalhes de proveniência das 700 pessoas que foram detidas por invadir o Capitólio: onde moravam? De onde vinham? Eles vieram de 44 estados, não apenas das proximidades de Washington DC.
Quando olhamos em nível de condado, muitos deles vinham de condados vencidos por Joe Biden em vez de Donald Trump. Na verdade, quanto mais o condado votou em Trump, menos probabilidade tinha de enviar insurgentes. De onde eles vêm? De grandes áreas metropolitanas. Eles vêm, em sua maioria, de grandes áreas metropolitanas, onde são uma minoria política.
É por isso que a pesquisa empírica que estamos realizando é tão importante, porque é fácil dizer: "Tenho minha própria ideia do que é um extremista de direita, e a tenho há décadas." Mas esta é uma situação diferente. E é importante ver isso porque, do contrário, pensaremos em soluções normais no que se chama combate ao extremismo violento: vamos dar emprego às pessoas. Bem, se temos 50% de empresários e médicos, advogados e arquitetos, quanto isso realmente importa?
Sua média de idade é de cerca de 42 anos. A maioria deles tem entre 40 e 50 anos, não 20. Muitas vezes, ao combater o extremismo violento, pensamos: "bem, de certa forma eles vão envelhecer". Isso não é realista quando as pessoas estão na casa dos 40 e 50 anos, porque já estão casadas, já têm filhos. É por isso que é muito importante olhar para os detalhes de quem esteve envolvido, porque isso significa que este é agora um desafio político para os nossos líderes políticos.
E quando começamos a descascar mais a cebola, o que vemos é que há uma ideia à direita que era apenas marginal e agora está se deslocando para o mainstream, chamada de "a grande substituição". Esta ideia é que os brancos estão sendo substituídos por não-brancos; está acontecendo apenas por meio da demografia ou, na teoria da conspiração dos extremistas de direita, os democratas liberais estão fazendo isso acontecer abrindo as fronteiras para que possam mudar o eleitorado. A característica número um em comum entre os condados de origem dos indivíduos é o declínio da população branca.
Lembrem-se de que muitos políticos e personalidades da mídia estão promovendo essa ideia da grande substituição. E assim, quando se vive um determinado ambiente e começa a parecer que corresponde à realidade do que se está vendo na TV, é fácil ver como aquela teoria da conspiração pode começar a produzir violência.
Como pessoa de fé, fico pensando: como podemos combater isso? Como posso falar com meus vizinhos?
Os líderes religiosos, a Igreja, são vozes poderosas na comunidade, no mainstream. E em um momento em que nossos políticos estão tão polarizados, precisamos de lugares onde possamos ter um diálogo verdadeiro. Os líderes religiosos são um instrumento poderoso para melhorar o que temos pela frente hoje. Fazer com que os líderes religiosos vejam os detalhes do que estou descrevendo aqui... Para realmente levar essa informação em consideração e fazer exatamente o que estamos descrevendo, este é o próximo passo.
É importante que os líderes religiosos não digam: "isso é apenas um problema do FBI ou é apenas um problema dos políticos, ou do partido republicano". Os líderes religiosos podem ser muito importantes, mas isso significa que eles devem concordar com a meta a ser alcançada: vamos proteger a democracia olhando para os líderes de nossa comunidade, não apenas para os nossos políticos nacionais e não apenas para as forças da segurança.
Estou preocupada com o que acontecerá nas eleições de 2022 e 2024 se este sentimento, em vez de ir embora, permanecer tão forte como era.
Por isso é tão importante pensar não apenas em 6 de janeiro como um evento histórico, mas o que significa para o futuro. Esta poderia ser uma temporada eleitoral bastante volátil, e 2024 talvez ainda mais. Mas há um motivo para os líderes religiosos agirem agora, não esperar até o próximo evento, porque estamos nos aproximando de uma série de prazos eleitorais muito sérios e polêmicos em que podem surgir faíscas.
E quando faíscas atingem madeira seca, os incêndios podem ser desencadeados de várias maneiras. O que aconteceu em 6 de janeiro é: esperamos, o incêndio começou, e depois as pessoas disseram: "espere um pouco - por que não podemos pará-lo?" Bem, é porque tem fogo. Não é como se você pegasse o telefone e 10 segundos depois tivesse 25.000 soldados em Washington DC.
É por isso que não queremos esperar. Precisamos agir agora. Aos líderes religiosos, gostaria de dizer: isso é extremamente crucial para o país, para a nossa população e para a nossa democracia no futuro.
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Quem são os insurgentes de 6 de janeiro. Entrevista com Robert Pape - Instituto Humanitas Unisinos - IHU