06 Janeiro 2022
Lei permite a municípios passar por cima do Código Florestal e desmatar vegetação à beira de rios em áreas urbanas. Efeitos serão sentidos nos próximos anos, entre eles a piora da saúde dos rios e o aumento do risco de deslizamentos, preveem especialistas.
A reportagem é de Murilo Pajolla, publicada por Brasil de Fato, 04-01-2022.
O projeto que permite o desmatamento em margens de rios nas zonas urbanas e a regularização de imóveis construídos em Áreas de Preservação Permanente (APPs) foi transformado em lei pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Considerada por parlamentares e ambientalistas um dos mais graves ataques à legislação ambiental dos últimos anos, a nova lei atinge em cheio o Código Florestal, que determinava em todo território nacional faixas de proteção entre 30 e 500 metros, dependendo da largura do curso d'água.
A partir de agora, as câmaras municipais das 5.568 cidades brasileiras terão autonomia, com algumas restrições, para definir qual metragem será preservada nas matas ciliares, cujo desmatamento aumenta riscos de enchentes, deslizamentos de terra e compromete a saúde dos corpos hídricos.
O texto prevê que os legislativos municipais devem criar regras que estabeleçam a não ocupação de áreas de risco de desastres. As normas também deverão seguir diretrizes dos planos de recursos hídricos, de bacia, de drenagem ou de saneamento básico, se houver.
A tramitação do texto no Congresso foi finalizada em 8 de dezembro, mas a sanção presidencial só foi publicada no dia 30 do mesmo mês, no apagar das luzes de 2021, em meio às festas de fim de ano.
Vetado por Bolsonaro, o trecho do projeto que dispensava a exigência de uma faixa não edificável para cada trecho de margem foi excluído da lei publicada no Diário Oficial.
Fruto da articulação da bancada ruralista na Câmara, o projeto foi piorado pelos deputados, que rejeitaram emendas feitas pelo Senado, entre elas a necessidade de análise técnica de áreas já ocupadas e a manutenção das regras atuais para áreas ainda não edificadas.
“É o setor imobiliário que pressiona para mudar a legislação, mudar o código de preservação ambiental nas APPs urbanas, porque eles querem expandir e não estão preocupados em cuidar das águas e dos rios”, afirmou o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).
“E nós sabemos que é impossível o município, a localidade, pensar na legislação da gestão de um rio que não é só do município, que perpassa aquele município e envolve outro que está rio abaixo”, apontou.
Em dezembro, quando a proposta foi aprovada pela Câmara, o advogado da ONG Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, afirmou ao Brasil de Fato que a mudança é ainda mais danosa do que as medidas tomadas pelos ministros do Meio Ambiente do atual governo.
“Quando falávamos das "boiadas" do [ex-ministro] Ricardo Salles, eram boiadas com normas infralegais, que podem ser alteradas por um novo governo. Nesse caso é uma norma federal que entrará em vigor e será um retrocesso permanente”, advertiu.
A geógrafa Edivânia Marques explicou que a vegetação às margens do rio são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas, garantindo a preservação das nascentes.
“As matas ciliares funcionam como os cílios para o corpo humano, no sentido de proteger dos malefícios que podem chegar até eles”, exemplifica.
Segundo ela, “suprimir essa mata ciliar dos recursos hídricos é de fato tirar a proteção e a garantia da vida microbiótica [no ecossistema agredido]”, além de contribuir para o aumento acelerado do processo erosivo daquelas áreas.
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Projeto que acaba com proteção nacional a matas em margens de rios é sancionado por Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU