23 Dezembro 2021
"Em última análise, no processo sinodal que se iniciou, seria a promessa de uma beleza muito preciosa que nos deveria convencer da bondade e da verdade divinas que podem ser descobertas naquele paciente acolhimento e conhecimento do o/Outro que o próprio Eu/Nós deveria operar, apesar de qualquer negatividade ou sofrimento pelo qual se deva passar", escreve Sergio Ventura, jurista italiano, em artigo publicado por Vino Nuovo, 21-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dois meses após a abertura do Sínodo, a recente viagem do Papa ao Chipre e à Grécia foi também uma oportunidade para definir o que "desejamos" experimentar, como católicos, no "itinerário sinodal".
Certamente, segundo o que disse o bispo de Roma ao mundo eclesial cipriota, o sínodo se caracterizará, quer queira quer não, pelo encontro com a "diversidade" daqueles que têm "outra cultura, outra sensibilidade religiosa"; em outras palavras, do encontro com "o outro".
Este outro, porém, é uma pessoa em cuja vida “a obra que o Senhor realiza” já é “uma história sagrada”, já é “graça”: já é um traço do Outro. Por isso, o Papa Francisco exorta-nos a recorrer a ela com "ouvidos e coração", a deixar-se "apaixonar", a dar-lhe "espaço". Este é, principalmente, o seu desejo mais profundo! - sem viver tal alteridade como "uma ameaça à identidade" ou, pior ainda, para nos "enciumar" ou "preocupar": "se cairmos nessa tentação o medo cresce, o medo gera desconfiança, a desconfiança desemboca na suspeita e mais cedo ou mais tarde conduz à guerra" ou, na melhor das hipóteses, ao mundo dos "muros do medo", "habitado por rivalidades perenes e poluído por disputas não resolvidas".
De fato, com esse outro - mesmo que irmão/irmã, aliás principalmente quando é irmão/irmã - pode acontecer de se encontrar em “forte desentendimento”: “se discute, às vezes se briga”, tentando não guardar “rancor ", justamente porque existem diferentes "pontos de vista". Mas sobre a legitimidade do "conflito" o Papa Francisco foi (com razão) muito claro, quase provocador: "pode-se discutir sobre diferentes visões, pontos de vista, sensibilidades e ideias - e é bom fazê-lo, um pouco de discussão é saudável, porque é ruim nunca discutir. Quando existe essa paz tão rigorosa, não é de Deus ... Suspeito daqueles que nunca discutem, porque têm ‘agendas’ escondidas, sempre”.
O encontro com a diversidade, portanto, para não ser destrutivo mas construtivo, exige uma "Igreja paciente" que, mesmo através do "longo e tortuoso caminho [do] diálogo", saiba dizer três sim e três não:
1. "a paciência de acolher ‘serenamente’ a novidade sem julgá-la precipitadamente" (isto é, "dar-se tempo para conhecê-la sem rotulá-la");
2. "a paciência de ‘estudar’ outras culturas e tradições" (e "dispor-se a um confronto sincero");
3. “a paciência do discernimento que sabe perceber os sinais da obra de Deus em todo lugar” (ao “assumir a responsabilidade pela história do outro” e pelos “sinais dos tempos”).
4. "não se escandaliza" nem "se deixa abalar e perturbar pelas mudanças";
5. “não esmaga com atitudes rigorosas, inflexíveis, nem com pedidos demasiado exigentes”;
6. "não serve ser impulsivos, agressivos, nostálgicos ou lamurientos".
Só assim serão maiores as possibilidades de que tal encontro com o Outro, ainda que conflituoso, seja vivido como um momento desejado pelo Espírito, cheio de "riqueza" a ser "integrada" e orientado para uma "unidade" que não quer "uniformizar".
Não é por acaso que as palavras do Papa para lembrar que na Igreja é legítimo, senão obrigatório, discutir e até brigar, ligam esse momento ao do crescimento espiritual: “dizer as coisas na cara, francamente, ajuda em alguns casos... A discussão é uma oportunidade de crescimento e mudança. Mas (...) não para fazer guerra, não para se impor, mas para expressar e viver a vitalidade do Espírito”.
Não por acaso entre as imagens utilizadas pelo Papa para melhor expressar tal "riqueza de integração", esse "espírito de alargamento", se destacam não só aquelas da "salada de frutas" do “povo multicolorido", mas principalmente aquela - fascinante - da pérola e seu "brilho".
De fato, no seu discurso às autoridades e à sociedade civil cipriota, Francisco afirmou que: “preservar a beleza multicolorida e poliédrica do conjunto (...) requer, como na formação de uma pérola, tempo e paciência. Uma pérola leva anos para que as várias camadas a tornem compacta e brilhante... A pérola torna-se tal na obscura paciência de tecer novas substâncias junto com o agente que a feriu... Uma pérola traz à luz sua beleza em circunstâncias difíceis. Nasce na escuridão, quando a ostra ‘sofre’ depois de ter recebido uma visita inesperada que compromete a sua segurança, como um grão de areia que a irrita. Para se proteger, reage assimilando o que a feriu: envolve o que lhe é perigoso e estranho e o transforma em beleza, em uma pérola”.
Em última análise, no processo sinodal que se iniciou, seria a promessa de uma beleza muito preciosa que nos deveria convencer da bondade e da verdade divinas que podem ser descobertas naquele paciente acolhimento e conhecimento do o/Outro que o próprio Eu/Nós deveria operar, apesar de qualquer negatividade ou sofrimento pelo qual se deva passar.
Uma promessa tão alta quanto difícil de ver cumprida. Uma beleza em que só se pode acreditar. Quase como acreditar na boa nova do nascimento do Messias - pequeno como uma pérola - ou da volta do Bom Pastor – na realidade belo, como uma pérola: uma dupla analogia que não deveria desagradar aqueles ainda se preocupam com a redescoberta e aprofundamento da dimensão sinodal na Igreja.
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A pérola (que cresce) no diálogo (conflituoso). Artigo de Sergio Ventura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU