15 Dezembro 2021
“Não tem como discutir sustento e sobrevivência sem falar da questão da terra, porque é uma questão central.” A frase é da diretora Susanna Lira, que, em entrevista exclusiva para a página do MST, falou sobre A Mãe de Todas as Lutas, filme que traz para o debate a luta pela terra com base em duas histórias trágicas, a partir de uma ótica íntima e feminina.
Cartaz de A Mãe de Todas as Lutas | Imagem: divulgação
A reportagem é de Fernanda Alcântara, publicada por Movimento dos Trabalhadores Rurais - MST, 14-12-2021.
Como protagonistas do filme, são apresentadas as histórias de vida de Maria Zelzuíta, sobrevivente do massacre de Eldorado do Carajás, e Shirley Krenak, cuja vida foi atravessada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, que devastou o Rio Doce em 2015.
Susanna explica a decisão de contar paralelamente as duas histórias distantes em termos de tempo. “Quando eu decidi fazer “A mãe de todas as lutas”, quis juntar a questão dos povos originários, a questão dos indígenas, com a questão do MST, porque eu acho que elas se convergem totalmente para entender essa questão da luta pela terra. Temos que entender o quanto a gente usurpou a terra dos indígenas, e o quanto isso hoje também é usurpado das pessoas pobres, o direito de ter a própria terra como o fruto de seu trabalho”, afirmou.
Zelzuíta surge em cena usando um boné do MST, narrando a cena de mistura de lama com sangue formada com a chegada da Polícia Militar à rodovia BR-155, com a ordem de retirar do local os militantes que protestavam contra a demora da desapropriação das terras ociosas da Fazenda Macaxeira. “É sobre isso que a gente está falando, sobre a mãe de todos os direitos, a mãe de todas as necessidades, para você ter um lugar para você existir, e daquele lugar tirar o seu próprio sustento”, lembra Susanna.
Maria Zelzuíta, sobrevivente do Massacre Eldorado de Carajás | Foto: Divulgação / Pedrosa Neto
E assim segue o filme, com mulheres que representam uma síntese do Brasil que vivemos hoje, como diz Susanna. “Sabemos que os lares são liderados por mulheres, a maioria em classes operárias ou em classes muito pobres, e essas mulheres acabam arcando com a responsabilidade de educação de seus filhos, e a educação dessa casa, e o sustento desse lar.”
Segundo ela, a visão intimista vem da vontade de retratar a maternidade junto com a questão da ocupação da terra, porque eu acredito que essa questão é hoje o centro das lutas no Brasil. “A mulher pobre, a mulher negra, elas estão no front nas questões básicas, e esse é um momento em que os nossos direitos, adquiridos durante tantos anos e à duras penas, estão sendo um retrocesso nesse momento”
A temática, segundo a diretora, segue a história da família, sustentada sobre essa exploração. ”[Eu quis falar] dessa falta da terra, dessa falta de direitos do homem da terra que trabalha no campo. [Quando] eu escolho falar sobre uma mulher sozinha como a Maria Zelzuíta, eu estou falando da minha mãe também, que me criou sozinha. São essas mulheres que lutam e entram em ação, às vezes, em situações muito desafiadoras, para cuidar de seus filhos, e que bom que ela encontrou em vocês um acolhimento, uma força para viver, uma força para se construir, para educar o filho.”
E por isso a temática feminina e feminista, presente nestas histórias, e nas crenças da diretora. “Eu só acredito num país movimentado por essas forças, essa força do feminino, essa força da maternidade que não necessariamente está ligado a ser mãe biológica de alguém, mas a mãe de um grupo ou a chefe de uma tribo também”.
Logo no começo da entrevista, Susanna Lira relembra a sua história com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. “Eu tenho no MST um lugar de sonho. De fato de um sonho de um Brasil que eu gostaria que existisse mais cômodo e banhada de sangue de nossos companheiros. No filme me emociona muito porque é um fruto desse trabalho que vocês fazem, e o trabalho dela como mãe também. O primeiro contato que eu tive como o MST foi através de um curta que eu fiz chamado “Uma visita para Elizabeth Teixeira“.
A diretora destaca a repercussão dos episódios em Eldorado do Carajás e Mariana, e a conexão com a conjuntura atual. “Acho que revisitar o arquivo mostra o quanto estamos nos repetindo hoje nessas violências, o quanto está presente. Eu mostro Eldorado do Carajás, e você podia cortar para uma coisa que aconteceu semana passada, no interior de Mato Grosso, infelizmente. Eu falo da questão da ditadura militar, onde os Krenak foram escravizados, e corta para os militares e os donos de terra ocupando as terras indígenas, os garimpeiros armados até os dentes. Ou seja, é um ciclo que se repete, porque esses donos da terra, que se acham donos da terra, eles perpetuam essa ideia de que eles têm o poder pela terra.”
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A resistência pela terra como “mãe de todas as lutas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU