24 Novembro 2021
Auxílio Brasil segue no alvo de especialistas que apontam estatística de cerca de 29 milhões de pessoas desassistidas.
A reportagem é de Cristiane Sampaio, publicada por Brasil de Fato, 23-11-2021.
Especialistas que lidam com o tema da pobreza seguem manifestando preocupação com as características e a metodologia do Auxílio Brasil, programa que sucedeu o Bolsa Família e que está na segunda semana do pagamento da primeira parcela.
A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello disse que a política do governo Bolsonaro joga a população mais vulnerável em um período de desassistência que vai além do próximo ano.
“14,5 milhões de famílias receberam esse novo e provisório programa Auxílio Brasil. Então, nós tínhamos quase 44 milhões de famílias recebendo auxílio emergencial ou Bolsa Família e, neste mês, 14,5 milhões de famílias apenas recebendo o [novo] benefício. Isso significa que 29 milhões de famílias foram excluídas”, destaca a economista, ao dizer que o governo fez “um corte raso” e sem critérios.
“Elas foram excluídas sem que qualquer avaliação fosse feita. Essas famílias foram excluídas sem que ninguém avaliasse se elas continuam precisando, se elas estão passando fome, se elas conseguiram arranjar emprego ou não”, acrescentou.
O governo prevê o encerramento da nova política para o final do ano que vem. A dinâmica difere do que era feito com o Bolsa Família, que foi executado durante 18 anos como programa permanente de transferência de renda.
“[Ela] deixa milhões de brasileiros completamente desassistidos a partir do ano que vem e submete ainda as famílias pobres a uma situação de insegurança total. A gente sempre fala muito em segurança para o mercado, mas a população pobre, que hoje vive uma insegurança alimentar gravíssima, vai viver uma insegurança, não só para 2022, mas também para 2023”, projeta Campello.
A ex-ministra também disparou críticas contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/2021, a chamada “PEC dos Precatórios”. A medida está em discussão no Senado, onde Tereza Campello participou de um debate na segunda (22), e pode ser votada nesta quarta (24) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A PEC é apontada pela gestão Bolsonaro como saída para financiar parte dos R$ 400 liberados pelo Auxílio Brasil. O texto propõe um adiamento no pagamento dos precatórios a serem pagos pela União em 2022 para liberar uma brecha fiscal que ajude no custeio do programa, cuja verba extrapola o Teto de Gastos em R$ 100 para cada benefício pago.
A proposta é polêmica e enfrenta resistência de diferentes grupos, não só da oposição, porque, entre outras coisas, oficializa o descumprimento de decisão judicial. Ao reforçar o coro dos críticos, Tereza Campello disse aos senadores, nesta segunda, que a medida também não enfrenta o desafio gerado pelo encerramento do auxílio emergencial. As últimas parcelas foram pagas no final de outubro, assim como as do Bolsa Família.
“A proposta do governo não só não resolve os reais problemas que temos que enfrentar hoje no Brasil como acaba criando uma sorte de outros problemas”, afirmou a ex-ministra, ao mencionar que o texto se trata de “um subterfúgio para salvar o Teto de Gastos” e evitar a revisão do ajuste fiscal.
Na mesma sintonia, a Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) também manifesta preocupação com a conduta do governo diante da área de assistência social. A diretora de Relações Institucionais da entidade, Paola Carvalho, realça que a desassistência aos cerca de 29 milhões que agora estão sem benefício se soma ao cenário de desemprego e alta do custo de vida no país.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país fechou o trimestre que se encerrou em agosto com taxa de 13,2% de desemprego. Há cerca de 13 milhões de pessoas em busca de emprego no território nacional.
Neste contexto, o Brasil amarga a maior taxa de desemprego entre os países que integram o G20, aqueles considerados mais ricos do planeta, além de ter o quarto pior índice entre as principais economias do globo. O dado é da Austin Rating, agência de classificação de risco que organiza um ranking com base na situação de mais de 40 países.
O cenário de inflação também tem chamado a atenção dos brasileiros. Dados do IBGE do final de outubro mostram os 12 meses anteriores registraram alta de 12,54% no preço dos alimentos, por exemplo. Considerando o período de pandemia, o aumento chegou a 21,39%.
Para a Rede Brasileira de Renda Básica, neste contexto, a consequência direta da redução do alcance das políticas de assistência será o aumento da miséria e da pobreza no país. Para Paola Carvalho, há uma “situação de invisibilidade” da população de mais baixa renda: "Essa é uma realidade muito dura de fome e de miséria que a gente está passando e que o governo finge não ver".
"E, se vê, procura enganar a população [com a ideia] de que esse tipo de atendimento do Auxílio Brasil vai garantir o mínimo de dignidade à população brasileira. Nós temos uma situação, do ponto de vista da sobrevivência, que é muito grave.”
Um estudo divulgado em abril deste ano pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Universidade de São Paulo (USP), mostrou o impacto do auxílio emergencial nas faixas de pobreza e extrema pobreza. Os pesquisadores observaram que, em 2020, primeiro ano da política, a taxa de brasileiros na pobreza baixou de 25% para 20%. Na ausência das parcelas do auxílio, a equipe projetou que o índice tende a saltar para 30%.
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“População pobre vai viver insegurança não só em 2022, mas em 2023”, alerta Tereza Campello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU