Flecha de indígenas isolados é entregue ao MPF-RR como indício de massacre na Terra Yanomami

Garimpo na Amazônia (Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Wikimedia Commons)

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19 Novembro 2021

 

Órgão investiga denúncia de assassinato de três isolados Moxihatëtëma por garimpeiros; “essa flecha é única, usam para matar a caça e para se alimentar”, explicou o xamã Davi Kopenawa.

 

A reportagem é de Evilene Paixão, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 17-11-2021.

 

Em audiência em Boa Vista (RR) com o Procurador do Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR), Alisson Marugal, o xamã e presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa, entregou uma flecha que seria a comprovação de um massacre de garimpeiros contra indígenas Moxihatëtëma, que vivem isolados em uma comunidade na Serra da Estrutura.

“Chegou a hora de falar a verdade. Chegou a flecha na cidade e foi bom para ele [procurador] acreditar na prova. Para ele sentir e pensar nos Moxihatëtëma para que eles sejam protegidos e respeitados. Eu protejo eles para que eles não saiam das comunidades e não cheguem ao garimpo. Nosso criador, Omama, deixou eles num lugar sagrado e eles devem permanecer ali”, afirmou Davi na sexta-feira (12/11).

Uma das flechas que teriam sido atiradas pelos guerreiros Moxihatëtëma, foi recolhida por um jovem indígena, aliciado pelos garimpeiros da região do Alto Mucajaí. Ele testemunhou o episódio de violência. O objeto estava guardado em uma comunidade na região do Apiaú e foi levado a Boa Vista como indício do ataque aos isolados.

Segundo relatos de um indígena da região do Apiaú, no município de Mucajaí, que entrou em contato com a Hutukara no início deste mês, três indígenas do grupo em isolamento Moxihatëtëma foram mortos a tiros por garimpeiros, em um ataque ocorrido há cerca de três meses, próximo ao garimpo “Faixa Preta”, na Terra Indígena Yanomami.

“Essa flecha é única, usam para matar a caça e para se alimentar. Eles usam também para se proteger na guerra. É uma flecha longa, muito maior que eu. Eles usam na ponta da flecha uma pena de mutum [pássaro] e queimam com fogo, para o lance ir muito longe para pegar a caça”, explicou Davi ao procurador, enquanto manuseava o objeto.

Para Marugal, a flecha é uma importante peça na investigação dos fatos, pois ajuda a entender a dinâmica do conflito na região do Apiaú. “Sem dúvidas nenhuma, é importante para a gente tentar entender o que ocorreu. Temos apenas relatos indiretos desse conflito e essa flecha dos isolados vem para compor esse material probatório que nós temos para apurar esses fatos”, disse. O procurador afirmou ainda que está sendo articulada uma estratégia com a Polícia Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para avançar nas investigações.

Na reunião, Davi falou da necessidade de união do MPF e da Polícia Federal para que as operações de combate e retirada dos garimpeiros ocorram de forma permanente em toda a Terra Indígena Yanomami, com especial urgência na região do território dos Moxihatëtëma.

“Somos o povo que Omama criou e preparou. Omama criou os xapiri [espíritos da floresta na cosmovisão Yanomami] e a gente cuida da saúde, da família e do nosso povo. Cuidamos e protegemos também o pulmão da Terra. Os xapiri dos Moxihatëtëma cuidam da grande alma da floresta, assim como eu que sou xapiri e nós cuidamos da onda do mundo para não deixar ele desequilibrar. Protegemos a nossa Terra Mãe”, disse o xamã.

 

Isolados

 

A Terra Indígena Yanomami possui oito registros de grupos indígenas em isolamento voluntário, dos quais um foi confirmado, um está em estudo e os outros seis estão em fase de informação. O grupo confirmado, conhecido como Moxihatëtëma, vive na Serra da Estrutura, região muito próxima a focos de garimpo, localizados a poucos quilômetros de sua aldeia.

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Deslocamentos recentes desse grupo, aproximando-se de inimigos tradicionais, provavelmente estão relacionados com a intensificação da atividade garimpeira e a consequente invasão de seu território tradicional. O contato forçado com garimpeiros pode resultar no genocídio do grupo isolado, como resultado de conflitos armados e disseminação de doenças infecciosas até então desconhecidas.

Para os Yanomami, a terra-floresta, que na língua materna significa “urihi”, não é um mero espaço de exploração econômica e sim uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos — hoje ameaçada pela predação dos não-índios.

O presidente da Hutukara, Davi Kopenawa Yanomami, afirmou em “A queda do céu: palavras de um xamã yanomami” (Companhia das Letras, 2015) que “a terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripë, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tornará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim, todos morrerão”.

 

 

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