26 Outubro 2021
A última quinta-feira foi um grande dia para dom Charles Chaput, arcebispo emérito da Filadélfia. Ele chamou o Papa Francisco de mentiroso nas páginas da revista ultraconservadora First Things.
O artigo é Michael Sean Winters, jornalista estadunidense, publicado por National Catholic Reporter, 25-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Chaput estava respondendo (disponível neste link, em inglês) ostensivamente a um artigo de Austen Ivereigh, publicado na revista America (disponível neste link, em inglês), dos jesuítas estadunidenses, no qual discutia os comentários do Papa Francisco sobre a EWTN, uma rede de comunicação católica conservadora dos EUA.
E Chaput reconhecia a ligação. “Para ser justo, o artigo de Ivereigh simplesmente elabora os comentários que o Papa Francisco fez recentemente aos jesuítas na Eslováquia”, escreveu. “Papa Francisco não nomeia nenhuma organização midiática, mas como jornalistas rapidamente confirmaram, ele se referia à EWTN”. Quando ele vai explicar que a EWTN não é nem de perto tão temível quanto o Facebook, e que o âncora Raymond Arroyo, a estrela da emissora, é menos ameaçador que Xi Jinping, e que, como antigo membro da diretoria da EWTN, ele estava consciente das suas forças e fraquezas, diz que está rebatendo Ivereigh.
Mas então ele entra no conteúdo central do seu artigo: “E qualquer suspeita que a EWTN seja infiel à Igreja, ao Concílio Vaticano II ou à Santa Sé é simplesmente vingativo ou falso”.
Ser infiel à Igreja é exatamente o que o Papa Francisco disse que a EWTN era. “Há, por exemplo, um grande canal de televisão que não tem hesitação em continuamente falar mal do Papa”, falou Francisco aos jesuítas na Eslováquia. “Eu pessoalmente mereço ataques e insultos porque sou um pecador, mas a Igreja não merece. Eles estão fazendo o trabalho do diabo. Eu também tenho dito isso a alguns deles”.
O arcebispo Chaput agora constata que tal reivindicação é “simplesmente vingativa e falsa”.
Como Chaput enquadra o esforço consistente da EWTN para demonizar os imigrantes à moda trumpiana – por exemplo, neste episódio de The World Over (em inglês) – com sua afirmação de que eles são fiéis à Santa Sé, sendo que esta fez do cuidado dos migrantes uma prioridade óbvia para muitos anos?
A Igreja há muito clama por assistência médica universal, e como não poderia? Nosso fundador, Jesus, ministrou às pessoas de seu tempo, curando os enfermos aonde quer que fosse. Mas a EWTN ficou muito feliz em espalhar mentiras sobre a Lei de Cuidados Acessíveis. Isso é ser fiel à Igreja?
A exortação apostólica do Papa Francisco, Amoris Laetitia, e os dois sínodos que a conduziram, foram uma fonte de críticas constantes na EWTN. Na verdade, os únicos cardeais que Raymond Arroyo inclui rotineiramente na pauta são aqueles como o cardeal Raymond Burke e o cardeal Gerhard Müller, que lideraram a oposição a Amoris Laetitia (inclusive, Müller apareceu na EWTN na semana passada dizendo que a consulta antes do sínodo é “desnecessária”).
A lista continua. Seu esforço contínuo para reivindicar o manto da ortodoxia para si mesmos enquanto lançam calúnias sobre a ortodoxia do Papa é, pelo menos, quase cismático. Da mudança climática à tradicional missa latina à nomeação de cardeais estadunidense para a sinodalidade, os programas de notícias gêmeos da EWTN, News Nightly e o semanário The World Over, de Arroyo, destacam os críticos do Papa e nunca seus defensores. Mesmo prelados conservadores como o cardeal Sean O'Malley não são mais convidados por Arroyo porque - imagine só! - O'Malley leva a sério seu voto de obediência ao Papa.
Chaput certa vez fez o mesmo voto, o voto de obediência que todos os bispos fazem. Em sua ordenação episcopal, Chaput, como todos os bispos, fez várias promessas, mas uma delas é a fidelidade ao Papa. “Você está decidido a construir o corpo de Cristo, Sua Igreja, e permanecer em unidade com esse corpo, junto com a ordem dos bispos, sob a autoridade do Sucessor de São Pedro, o Apóstolo?”, ele deve ter sido questionado, ao que ele deve ter respondido: “Eu aceito”. Então, a ele deve ter sido perguntado: “Você está decidido a prestar obediência fiel ao Sucessor do Abençoado Apóstolo Pedro?”. Novamente, ele deve ter respondido: “Sim, estou”.
Se Francisco não é Pedro, não existe Pedro.
Chaput passa a criticar Massimo Faggioli por seu livro “Joe Biden and Catholicism in the United States”. Ele diz que a obra “qualifica [Faggioli] para o status de cortesão”, mas a única corte que ele mencionou até agora é o que cerca o Papa, não o presidente. O livro de Faggioli mostra que ele gosta de nosso presidente e o considera o homem certo para o cargo neste momento da história, em grande parte por causa de sua sensibilidade e fé católica, mas ele dificilmente estava o bajulando (Nota do IHU: Faggioli proferiu a palestra “Francisco, Biden e os radicais de direita”, no IHU. Na ocasião, o palestrante afirmou que as políticas migratórias de Biden são uma decepção para os católicos. O vídeo completo da conferência pode ser visto neste link, e a transcrição neste).
Se você deseja ver um bajulador católico em vez de um líder político, lembre-se das entrevistas de Arroyo com o presidente Trump. Isso era bajulação da mais alta ordem.
A crítica a Faggioli realmente não se encaixa no restante do artigo. Parece que Chaput só queria tirar isso do peito. Ele critica de forma semelhante um artigo na Civiltà Cattolica do jesuíta Antonio Spadaro e do pastor protestante Marcelo Figueroa (traduzido para o português pelo IHU), que ele afirma ter se caracterizado por “melodrama e má vontade”. Eu pensei que estava certo. Cada um com o seu, mas por que Chaput está agregando esse artigo em sua defesa da EWTN?
É realmente triste, mas importa o que um arcebispo emérito pensa? Afinal, as estrelas em ascensão na hierarquia não são homens de sua aparente guerra cultural. O arcebispo Mitchell Rozanski em St. Louis e o arcebispo Paul Etienne em Seattle – esses homens são pastores, mais nos moldes do Papa Francisco. Bispos mais como Chaput vão para Crookston, Minnesota (diocese com aproximadamente 35 mil católicos), e não Chicago (arquidiocese com aproximadamente 2,2 milhões de católicos – os dados foram acrescentados pela tradução, com base no site Catholic Hierarchy).
No entanto, um dos ex-auxiliares de Chaput, o arcebispo José Gomez, é o presidente da conferência nacional dos bispos e faz parte do conselho da EWTN. Há uma maioria de bispos que ainda estaria do lado de Chaput sobre o papa em qualquer uma de várias questões. Agora que Chaput chamou o papa de mentiroso, é hora de homens como Gomez decidirem: eles estão com seu patrono ou com seu papa? E para que o resto de nós saiba onde eles estão. O povo de Deus precisa saber se nossos bispos estão nos levando ao cisma ou não.
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Charles Chaput, arcebispo emérito da Filadélfia, chama o Papa Francisco de mentiroso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU