09 Outubro 2021
"A disputa interortodoxa tem repercussões imediatas no diálogo ecumênico que se torna mais difícil e fragiliza toda a obra de testemunho do cristianismo, do qual é parte essencial", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 07-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Do Concílio dos Bispos da Igreja Ortodoxa Russa, previsto para novembro, espera-se a excomunhão formal do Patriarca Bartolomeu e dos hierarcas que o seguem no reconhecimento da autocefalia para a Igreja Ucraniana. A comunhão eucarística já foi interrompida do lado russo e os responsáveis não são mais mencionados nos dípticos do cânone.
Em um discurso em 16 de setembro, o patriarca de Moscou, Cirilo, disse: "O próximo conselho de bispos da Igreja Ortodoxa Russa avaliará o que está acontecendo no mundo ortodoxo e, se agradar ao Espírito Santo e aos bispos reunidos, adotará uma resolução da nossa Igreja em relação aos atos praticados por Constantinopla”.
A tempestade que começou com o reconhecimento da autocefalia ucraniana em 2019 está se tornando um furacão que, para os partidários de Moscou, pode ter a gravidade do cisma entre o Oriente e o Ocidente de 1054. "Se o confronto continuar ao longo do tempo, um novo cisma infelizmente será inevitável como foi o do século XI. E a culpa recairá sobre aqueles que o provocaram” (Irineu de Backa, da Igreja Ortodoxa da Sérvia).
A presença de Bartolomeu em Kiev (20 a 24 de agosto) é o último elemento de uma dilaceração que Cirilo apontou como "a pecaminosa e incompreensível visita do Patriarca de Constantinopla a Kiev e sua concelebração com os cismáticos" (cf. SettimanaNews Evento storico o colpa grave?).
“A visita recorda-me as palavras do Evangelho de João ‘aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador’”. Em suma, uma escolha irracional e vergonhosa (mons. Hilarion, presidente do Departamento de Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou).
Os sinais de emergência se seguiram nas últimas semanas: uma conferência internacional em Moscou (Ortodoxia Mundial: primado e conciliação à luz do ensinamento ortodoxo, de 16 a 17 de setembro), o sínodo patriarcal (23 a 24 de setembro) e a ocasião de algumas homenagens aos chefes do Departamento de Relações Exteriores (27 de setembro).
A conferência aconteceu na sala Sergiev da Catedral de Cristo Salvador em Moscou. Canonistas, historiadores, patrólogos e eclesiologos discutiram questões como a autocefalia, a jurisdição, o direito de apelação, a primazia, o conciliarismo, a diáspora, o papismo, etc.
Foi também a ocasião para a apresentação de uma obra histórica que aborda um dos temas da disputa entre os dois patriarcados sobre a união histórica de Kiev com Moscou, Reunificação da metropolia de Kiev com a Igreja Ortodoxa Russa. 1676 - 1686. Pesquisa e documentos. Nela são publicados e comentados 246 documentos, dos quais 200 não públicos, que, segundo os autores, provariam a plena legitimidade do vínculo jurídico e pastoral entre a Ucrânia e a Rússia. Foi apresentada como a compilação mais completa sobre o evento histórico.
Apresentando a conferência, Cirilo denunciou a tentativa de dividir a linhagem eslava da helênica da Ortodoxia para enfraquecer as igrejas e silenciar seu magistério profético. Ele lamentou que entre os documentos discutidos no concílio de Creta (2016) não houvesse o acordo sobre autocefalia, que só poderia ser concedido com o consenso das 14 igrejas históricas (o acordo não foi aceito devido à oposição da Igreja Russa à ordem da lista de signatários e a sua ausência no concílio não foi motivada pela remoção do tema, mas pelo fato que três Igrejas tinham decidido não participar).
Destacou a divergência com Constantinopla sobre a discussão ecumênica relativa ao primado e à primazia que data de 2008 e é exposta em um documento do Sínodo de Moscou de 2013.
Para a Ortodoxia não existe um chefe visível porque o chefe da Igreja é o Senhor Jesus Cristo. E confiou aos teólogos a tarefa de investigar sobre a primazia (primus inter pares) na tradição canônica e teológica da ortodoxia, a avaliação teológica da autocefalia, as evidências na história, a tarefa das Igrejas no conflito atual, até o "não dito”, a transferência da primazia para Jerusalém.
“Por isso acolhemos favoravelmente a iniciativa de Sua Beatitude o Patriarca Teófilo III de Jerusalém e de toda a Palestina de convocar em Amã uma conferência interortodoxa da qual participamos (fevereiro de 2020).
O primaz da Igreja mais antiga, indicada nos textos litúrgicos como a "mãe das Igrejas", assumiu com coragem a nobre missão, proporcionando às Igrejas Ortodoxas locais uma plataforma de discussão no momento em que o Patriarca de Constantinopla havia efetivamente se privado da tarefa de convocar tais reuniões".
Quatro igrejas (das 14) participaram daquela assembleia e não teve seguimento até o momento. Uma tradução mais explícita, talvez até excessiva, está nas palavras de Vladislaw Petrushko, professor da Universidade S. Tikhon, em uma entrevista à Interfax-Religion: "Parece-me que chegou a hora em que todo o mundo ortodoxo deveria pensar sobre se precisamos de tal ‘primeiro patriarca em honra’ que seja guiado em suas atividades não pelo mandamento cristão do amor, não pelos dogmas e pelos cânones da Igreja Ortodoxa, mas pelas instruções do Departamento de Estado dos EUA e pelos desejos dos políticos fantoches na Ucrânia. Suas ‘ambições papais’ pessoais são mais importantes aos seus olhos do que a genuína unidade da Igreja e a paz entre os crentes. Talvez seja hora de revisar e repensar criticamente a 28ª regra do Concílio de Calcedônia, que elevou a Sé de Constantinopla por um único motivo: como a capital do Império Romano do Oriente. É hora de observar que Bizâncio não existe mais há mais de cinco séculos e que a antiga e gloriosa Constantinopla há muito se tornou Istambul”.
O segundo evento é o sínodo do patriarcado de Moscou, de 23 a 24 de setembro. Entre os numerosos argumentos da ordem do dia, havia também a questão da Igreja ucraniana e o comportamento de Bartolomeu. A resolução aprovada está em sete pontos. Sublinha a grave violação pastoral da visita à Ucrânia, os atos anticanônicos de Bartolomeu, o caráter político de suas decisões, a legitimação ilícita de hereges, sua total responsabilidade pessoal e, positivamente, o apoio ao metropolita pró-russo ucraniano, Onúfrio.
No n. 5 diz: “Deve-se notar que, apoiando o cisma na Ucrânia, o Patriarca Bartolomeu perdeu a confiança de milhões de fiéis. (O sínodo) enfatiza que, na condição em que a maioria dos crentes ortodoxos no mundo não está em comunhão eclesial com ele, ele não tem mais o direito de falar em nome de toda a ortodoxia mundial e de se apresentar como seu líder".
O terceiro sinal são os mandatos que Cirilo conferiu aos responsáveis do Departamento de Relações Exteriores em 27 de setembro. Naquela ocasião, ele renovou as críticas a Bartolomeu, argumentando que as decisões não são realmente suas por causa dos condicionamentos sofridos e que ele poderia ter se oposto, e dá ao Departamento um mandato para atuar "para que a ortodoxia universal saia do estado de profunda crise em que caiu".
A autoridade reconhecida a Mons. Hilarion e seus colaboradores está vinculada à ação eficaz do Departamento no tempo das perseguições (na época o órgão era presidido por Nikodim e depois pelo próprio Cirilo) para defender a Igreja perante o Estado, tanto porque a questão ucraniana não afetou a coesão interna à Igreja russa e às Igrejas que a ela fazem referência e, por fim, pela conexão entre dados políticos e dados pastorais.
Também deve ser enfatizado que Mons. Hilarion também preside a comissão bíblica e teológica e os estudos de pós-graduação e doutorado ativos na Igreja russa.
Por parte do patriarcado ecumênico as acusações são derrubadas e se nota com pesar "o desejo de alterar a eclesiologia ortodoxa, como testemunham pelos últimos eventos eclesiásticos e não eclesiásticos (ausência de quatro igrejas ortodoxas no santo e grande sínodo de Creta, a questão eclesiástica na Ucrânia e a pandemia), em que algumas das Igrejas locais se distanciam da tradição canônica com desvios em relação aos quais a grande Igreja de Cristo não pode permanecer indiferente”.
A disputa interortodoxa tem repercussões imediatas no diálogo ecumênico que se torna mais difícil e fragiliza toda a obra de testemunho do cristianismo, do qual é parte essencial.
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Ortodoxia: excomunhão iminente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU