02 Outubro 2021
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar”, escreve Kauana de Fatima Zbuinovicz, mestranda em educação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR.
O texto abaixo foi escrito a propósito do segundo encontro da iniciativa Abrindo o livro – Paulo Freire: 100 anos, dedicado à obra Pedagogia da Autonomia, ocorrido no dia 25 de setembro de 2021.
O livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa foi o último livro de Paulo Freire (1921-1997) publicado em vida, no ano de 1996. Apresenta propostas de práticas pedagógicas necessárias à educação como forma de construir a autonomia dos educandos, valorizando e respeitando sua cultura e seu acervo de conhecimentos empíricos junto à sua individualidade.
Kauana de Fatima Zbuinovicz, na atividade "Pedagogia da Autonomia"
Como introdução, inicia-se com uma reflexão sobre ética. Para Freire, quem se dispõe a encarar a missão de ser um educador, deve estar ciente do seu papel de ensinar: “Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos (…) É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar”.
A obra apresenta uma proposta de humanização do professor, como eixo norteador do processo socioeducativo, construindo uma consciência crítica em relação à manipulação política que fazem com todas as camadas sociais, mas sobretudo com as de baixa renda. Enfatiza a necessidade de uma reflexão crítica sobre a prática educativa, sem a qual a teoria pode se tornar apenas discurso e a prática uma reprodução alienada, sem questionamentos.
Freire destaca a importância de propiciar condições aos educandos, em suas socializações com os outros e com o professor, de testar a experiência de assumir-se como um ser histórico e social, que pensa, que critica, que opina, que tem sonhos, se comunica e que dá sugestões. Acredita que a educação é uma forma de transformação da realidade, que não é neutra e nem indiferente, mas que tanto pode destruir a ideologia dominante como mantê-la.
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Segundo o autor, somos seres humanos e, dessa maneira, devemos ter consciência de que somos inacabados, e esta consciência é que deve nos instigar a pesquisar, perceber criticamente e modificar o que está condicionado, passando então a sermos sujeitos e não apenas objetos da história.
Na apresentação dessa obra, durante o encontro pela iniciativa Abrindo o Livro – Paulo Freire: 100 anos, promovida pelo CEPAT e parceiros, foi apresentado o modo como está organizada e seus capítulos, que são: Não há docência sem discência; Ensinar não é transferir conhecimento; Ensinar é uma especificidade humana.
No primeiro capítulo, destaca-se que aquele que está no papel de formador deve entender que ensinar não é transferir conhecimento, ele deve sim criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção. Não há docência sem discência. O professor não detém o saber absoluto e o aluno não é uma tábula rasa. O professor aprende ao ensinar e o aluno ensina ao aprender. Isso faz parte de um saber rigoroso e fundamental.
A busca pela pesquisa constante e o respeito aos educandos também fazem parte da trajetória de um educador. Ao respeitar as histórias de vida dos alunos, abre-se espaço para um debate saudável e democrático. A curiosidade e a troca de experiências são importantes para uma boa relação entre esses dois lados. Não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar.
Kauana de Fatima Zbuinovicz, na atividade "Pedagogia da Autonomia"
No segundo capítulo, Freire destaca que ao não transferir conhecimento, o professor respeita e valoriza a autonomia do aluno. Quando o educador ensina, ele reconhece a própria condição de ser inacabado. Ele é condicionado a estimular a vontade dos alunos em aprender. O objetivo é mostrar que um docente não transfere seus conhecimentos aos alunos. O docente abre novas possibilidades para a construção própria e a do indivíduo. Sendo assim, deve estar aberto a indagações, perguntas e críticas.
No último e terceiro capítulo, ensinar é uma especificidade humana, Freire aborda a questão da autoridade do educador. O professor deve levar a sério a sua formação. Os estudos e o entendimento pela sua formação são necessários. Todo educando sabe que deve respeitar o educador, mas o educador precisa fazer-se respeitar. Freire defende a necessidade de conhecimento e afetividade por parte do educador para que este tenha liberdade, autoridade e competência no decorrer de sua prática docente, acreditando que a disciplina verdadeira não está no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, o que implicaria na autoridade verdadeiramente democrática.
O educador como um ser histórico, político, pensante, crítico e emotivo não pode apresentar postura neutra. Deve procurar mostrar o que pensa, indicando diferentes caminhos sem conclusões acabadas e prontas, para que o educando construa assim a sua autonomia. Ensinar exige querer bem aos educandos, expressando a afetividade. A atividade docente é uma atividade também de caráter afetivo, porém de uma formação científica séria.
A prática educativa é um constante exercício em favor da construção e do desenvolvimento da autonomia de professores e alunos, não obstante transmitindo saberes, mas dando significados, construindo e redescobrindo os mesmos para aprender e, por consequência, para ensinar, intervir e conhecer.
Durante a apresentação da obra, foram exploradas e refletidas algumas palavras contidas na obra de Paulo Freire pensando o papel do educador frente às suas práticas educativas, entre elas: coerência, pensar certo, boniteza, ensino bancário, prática progressista, autonomia, inacabamento, curiosidade ingênua/saber de experiência feito, curiosidade epistemológica.
Ana Paula Abranoski, do CEPAT, Igor Sulaiman Said Felicio Borck, do CEPAT e Kauana de Fatima Zbuinovicz, na atividade "Pedagogia da Autonomia"
A partir da apresentação do livro proposto para essa atividade, pode-se destacar o valor e importância de uma prática educativa intencional e consciente de que quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender e que o aprender precede ao ensinar. É de grande importância que dentro de quem ensina exista uma vontade de sempre aprender, acompanhada de respeito, garra, imaginação...
Ensinar é preparar o caminho para a autonomia de quem aprende, tornando-o um cidadão consciente de seus deveres e direitos. Cada profissional que exerce ações educativas em espaços escolares ou não escolares deverá por certo estar capacitado para exercer o cargo de educador do futuro.
O bom senso requer que sejamos coerentes, diminuindo a distância entre o discurso e a prática, julgando se a sua autoridade na sala de aula é ou não autoritária, pois ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educandos e exige também a compreensão da realidade. O livro é um singelo convite à autorreflexão dos educadores.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
ABE, Stephanie Kim. Pedagogia da autonomia: não há ensinar sem aprender, e vice-versa. Disponível em: https://www.cenpec.org.br/tematicas/pedagogia-da-autonomia-ensinar-aprender. Acesso em: 22 de Set. de 2021.
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Ensinar é preparar o caminho para a autonomia de quem aprende - Instituto Humanitas Unisinos - IHU