10 Setembro 2021
De Olho nos Ruralistas pesquisou marcas estampadas nos caminhões que participaram dos ataques de 6 e 7 de setembro; donos do Grupo Jacto, que distribuíram dinheiro em ônibus, doaram para campanhas de políticos ruralistas, como o deputado Neri Geller.
A reportagem é de Leonardo Fuhrmann e Mariana Franco Ramos, publicada por De Olho nos Ruralistas, 09-09-2021.
Empresários do agronegócio ajudaram a arquitetar — e a financiar — a invasão da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e demais ações golpistas do feriado. No Dia da Independência, a presença de caminhões de suas empresas no local mostrava a participação delas na invasão antidemocrática da véspera. Os manifestantes pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por trás dos logotipos nas laterais das carretas, De Olho nos Ruralistas identificou histórias de trabalho escravo, crimes ambientais e conflitos com camponeses — além de lobbies junto a congressistas.
Caminhões com estética fascista se aglomeraram
na região da Esplanada
(Foto: Leonardo Fuhrmann/De Olho nos Ruralistas)
Vários caminhões entraram na área destinada apenas ao público. E não somente o caminhão de som. Entre eles estavam os da Dez Alimentos, de Morrinhos (GO), uma das maiores processadoras de tomate do Brasil. Pelo menos dois caminhões dela ocuparam as primeiras filas. O dono Paulo César Chiari e seus sócios foram processados há nove anos por submeterem trabalhadores rurais à condição análoga à de escravidão.
Quem também esteve na Esplanada foi a ID Agronegócio, de Itaúna (MG), especialista em feno. Ao menos dois caminhões dela estavam na área invadida. A Sidersa é uma das siderúrgicas apontadas como responsáveis pela desestruturação do Cerrado na região Norte de Minas Gerais e pela expropriação de terras das comunidades tradicionais.
Feijão da Grão Dourado, marca presente
nas manifestações (Foto: Divulgação)
Em que pese já terem apresentado plano de recuperação judicial, os sócios do Grupo Grão Dourado, produtor de arroz, feijão, milho e soja em Piracanjuba (GO), foram outros que não se furtaram de participar dos atos, com cerca de uma dezena de caminhões. A marca da empresa era a que mais se destacava na área invadida.
Em agosto de 2012, Nilton Pinheiro de Melo, que é membro da Associação Goiana de Suinocultores, Jonas Pinheiro de Melo e Ivan Pinheiro de Melo alegaram que os prejuízos refletiam na capacidade de pagamento de credores, inclusive trabalhistas. A reportagem enviou mensagens para o número fornecido na página da companhia, mas não obteve resposta.
A empresa goiana Dez Alimentos se vangloria de dominar toda a cadeia de produção, do plantio às gôndolas. Mas essa cadeia nem sempre segue configurações republicanas. Conforme o Ministério Público do Trabalho (MPT), trabalhadores rurais da empresa eram arregimentados na região de Centralina (MG) e administrados nas lavouras por agenciadores de mão de obra, comumente chamados de “gatos”.
Alguns dos produtos comercializados pela
Dez Alimentos (Foto: Divulgação)
A Dez comercializa molhos, doces, geleias, condimentos e vegetais. Segundo o MPT, depois de transitada a decisão, em abril de 2012, os 143 trabalhadores rurais entregaram aos réus seus documentos para serem registrados. “No entanto, sempre se utilizando de manifestações judiciais protelatórias, recusaram-se a fazer as anotações e devolver” as carteiras.
Com isso, completa o órgão, eles “passaram a ser vitimados por danos materiais e morais”. Alguns perderam e outros deixaram de conseguir empregos ou ficaram impossibilitados de resgatar os benefícios previdenciários e do programa Bolsa Família.
Em 2018, Chiari foi acusado de utilizar pivôs sem licenciamento ambiental. O caso ocorreu nas Fazendas Capão Comprido do Muquém e Lambari, em Santa Cruz de Goiás. Segundo o Ministério Público de Goiás, também respondem ao processo os fazendeiros José Chiari, Emílio Okamura e Lincoln Kashima.
De acordo com a ação civil pública, acatada pelo juiz Nivaldo Pereira, a fiscalização verificou a construção de uma barragem para irrigação de lavoura, de forma irregular. Dois meses depois, nova vistoria comprovou a continuidade da obra de instalação do sistema de bombeamento, gerando mais um auto de infração e denúncia criminal pela destruição de área de preservação permanente.
Contatado pela reportagem nesta quarta-feira (08), o gerente comercial da empresa, Kleiton Machado, informou, por telefone, que os caminhões identificados são de comodato e que foram locados para outras pessoas. Ele não contou quem fez o frete, nem deu mais detalhes. “Não estamos financiando nada não”, limitou-se a dizer. “Somos uma empresa de alimentos”. Machado falou ainda que a Dez não se manifestará sobre um ato do qual “não participou”.
Caminhão da ID partiu de Itaúnas (MG), com destino a Brasília (Foto: Reprodução)
A partida dos caminhões da ID Agronegócio de Minas para Brasília foi noticiada por O Estado de Minas, que registrou a fala ufanista de um dos caminhoneiros: “Pode preparar aí, Bolsonaro, estamos chegando em Brasília, e tá firme aí com o senhor”, afirmou. “Dia 7 de Setembro a onça vai beber água, pode preparar aí, Supremo”.
Os bovinos, equinos e muares da empresa são criados na Fazenda Pito Aceso, no município do centro-oeste de Minas Gerais. O comboio partiu no sábado (04), da Sidersa Siderurgia Santo Antônio, do mesmo dono: Igor Dornas Andrade.
Os geraizeiros (descendentes de indígenas e quilombolas que habitam regiões de transição para a Caatinga) são os principais atingidos pela monocultura de eucalipto. O conflito socioambiental envolvendo a Sidersa foi retratado em artigo da cientista social e pesquisadora Isabel Cristina Barbosa de Brito, da Universidade Nacional de Brasília (UnB).
Este observatório conseguiu contato com um representante da ID identificado somente como Bráulio, que confirmou a participação nas manifestações antidemocráticas. “A empresa não ajudou a financiar os atos, mas arcou com todas as suas despesas”, justificou.
Segundo ele, estiveram na capital federal os donos, funcionários e “vários amigos”, sendo que cada um pagou os próprios custos da viagem. Bráulio contou que os funcionários dirigiram os caminhões. Questionado sobre o número de pessoas presentes, as remunerações dos trabalhadores e o valor gasto em combustível e alimentação, ele não respondeu mais às solicitações.
Um vídeo que circulou nas redes sociais nos últimos dias mostra bolsonaristas dentro de um ônibus recebendo camisetas verde-amarelas e dinheiro vivo para participarem dos atos golpistas do dia 07. A iniciativa é do Grupo Jacto, empresa familiar de produtos agrícolas de Pompeia, no centro-oeste paulista. De Olho nos Ruralistas foi também atrás dos donos e descobriu que a maioria já fez doações para campanhas políticas, inclusive de porta-vozes do agronegócio.
Ricardo e Franklim Nishimura, da terceira geração, assumem cargos na empresa familiar (Foto: Divulgação)
“Grupo Jacto vem aí… Nishimura vem aí…”, diz em um dos vídeos uma das pessoas que receberam dinheiro das empresas. “Olha isso, cara. Eu achei que era brincadeira. Uma camiseta para cada um, mais o ônibus, mais R$ 100 para alimentação”, prossegue o homem. “Esse é o nosso grupo Jacto de Pompeia. Deus abençoe. Heróis, mano”.
A empresa pertence aos irmãos Mitiko, Takashi, Jiro, Chikao, Shiro, Lincoln e Jorge Nishimura, herdeiros do fundador, Shunji Nishimura, já falecido. O grupo é hoje comandado pela terceira geração. Ricardo Seiji Bernardes Nishimura, filho de Chikao e representante da Jacto no Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), é quem responde pela companhia.
Entre os políticos financiados pelo clã em 2018 está o ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), atual vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O deputado federal, autodeclarado inimigo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), recebeu R$ 60 mil. Quem fez a doação foi Shiro, administrador da Fazenda Araponga. Ele também contribuiu com R$ 20 mil para Barros Munhoz (PSB-SP).
Chikao doou R$ 20 mil para a campanha do deputado federal Vanderlei Macris (PSDB-SP) e R$ 15 mil para a do deputado estadual Reinaldo Alguz (PV-SP). Macris recebeu ainda R$ 30 mil de Ricardo, que fez aportes de R$ 20 mil para Barros Munhoz e de R$ 10 mil para Walter Shindi Ihoshi (PSD-SP). Walter Vicioni Gonçalves (MDB-SP) ganhou R$ 30 mil de Jiro, que doou ainda R$ 5 mil para o presidente da Ciesp e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf (MDB-SP). Um dos líderes do golpe de 2016.
Shiro Nishimura ajudou a bancar a campanha
de Geller (Imagem: Facebook)
Skaf recebeu outros R$ 45 mil de Franklim, filho de Jiro e presidente do conselho da holding familiar. Takashi contribuiu com R$ 30 mil para a campanha de Pauderney Avelino (DEM-AM). O empresário pretende se aventurar diretamente na política. Em março de 2020, filiou-se ao PTB de Roberto Jefferson, preso por integrar uma organização que busca “desestabilizar as instituições republicanas”, segundo decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A cerimônia contou com a participação da prefeita de Pompeia, Tina Januário (PTB-SP).
Fundador da Universidade da Família, que oferece cursos como “Educação de Filhos a Maneira de Deus”, “Hombridade” e “Mulher Única”, Jorge Nishimura doou R$ 50 mil para a campanha à Presidência do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB-SP), além de R$ 40 mil para Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e R$ 10 mil para Marcelo Fernandes de Oliveira (PV-SP).
A reportagem tentou contato com o Grupo Jacto, mas não recebeu retorno. Ao Globo Rural, Takashi Nishimura assumiu que patrocinou a caravana. Entretanto, justificou que a decisão de apoiar financeiramente a viagem dos manifestantes foi de cunho pessoal, e não em nome da empresa. “O sr. Takashi Nishimura é acionista do Grupo Jacto, sem nenhuma participação e influência na administração das empresas do Grupo”, diz a nota, enviada ao veículo especializado.
Apesar dos aportes feitos na campanha eleitoral passada e da recém-filiação de Takashi ao PTB de Jefferson, a companhia reforça “que tem em seu código de conduta não apoiar candidatos ou partidos políticos de nenhuma corrente doutrinária, seja na esfera federal, estadual ou municipal”. O empresário disse ainda que o Grupo Jacto não teve nenhum envolvimento no aluguel dos ônibus. “Fui eu quem aluguei e paguei todos”. Segundo ele, o pagamento se deveu ao fato de ser “patriota” e “brasileiro”.
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Empresas que invadiram Esplanada têm histórico de trabalho escravo, crimes ambientais e conflitos agrários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU