10 Setembro 2021
Longe das estrelas acadêmicas que geralmente cercavam os líderes democratas, os conselheiros econômicos de Joe Biden têm uma visão diferente da economia, centrada na luta contra as desigualdades e forjada por suas trajetórias pessoais.
A reportagem é de Jean-Christophe Catalon, publicada por Alternatives Économiques, 09-09-2021. A tradução é de André Langer.
Após décadas de políticas orçamentárias restritivas e de corrida atrás de benefícios fiscais de todos os tipos, Joe Biden operou uma virada. Convencido de que “o gotejamento nunca funcionou”, o presidente americano tem uma receita completamente diferente para melhorar o estilo de vida dos americanos e reconstruir uma classe média: investir em infraestrutura, ampliar a Seguridade Social ou mesmo apoiar os sindicatos.
Esse programa econômico e social não surgiu do nada. Ao elaborá-lo, o democrata obviamente se cercou de economistas, mas foi discreto em relação à sua identidade durante a campanha. O New York Times noticiou que o rival de Donald Trump havia consultado mais de 100 especialistas, mas não conseguiu encontrar a lista. Todos os procurados foram obrigados a não tornar pública a sua participação, mais ou menos próxima, do projeto, uma forma de Joe Biden fazer uma consulta mais ampla e livre. “Biden é o candidato, mas o partido pertence aos progressistas”, a ala esquerda dos democratas, escreve a revista The Atlantic.
No entanto, um nome vazou, e não dos menos importantes, o de Larry Summers. Pesquisador renomado, originário de uma família de economistas célebres, formado pelo MIT e Harvard, foi um dos agentes da desregulamentação e do rigor orçamentário quando foi secretário do Tesouro de Bill Clinton e responsável pela subcalibragem do plano de retomada de Barack Obama em 2009 como chefe do Conselho Econômico Nacional (NEC). A reação dos “progressistas” foi epidérmica: vários grupos pediram a Joe Biden para que excluísse Larry Summers de sua lista de conselheiros. Este último acabou declarando publicamente que não assumiria um cargo no governo caso o democrata vencesse as eleições. Desde então, ele tornou-se um dos oponentes mais fervorosos do plano de retomada do presidente americano.
Um verdadeiro símbolo, a exclusão dessa figura é reveladora de uma mudança no perfil dos economistas próximos aos líderes democratas. De Larry Summers a Joseph Stiglitz, o partido costumava atrair superestrelas da área econômica. Hoje, quando se pergunta a opinião dos pesquisadores franceses sobre os conselheiros de Joe Biden, todos respondem: “Não os conheço”.
Com exceção da atual secretária do Tesouro Janet Yellen – graduada em Yale, casada com o prêmio do Banco da Suécia George Akerlof, com quem conduziu os trabalhos de pesquisa e ex-patrono do Conselho de Consultores Econômicos (CEA), depois do FED –, “esses economistas de grandes universidades, como Harvard, que povoavam o governo Obama [e Clinton, nota do editor], perderam seu brilho. Em vez disso, a equipe de Biden é formada por pessoas pragmáticas, que vêm de centros de reflexão progressistas ou mesmo de Wall Street. Eles seguem muitas ideias que foram lançadas nas últimas décadas”, observou James Galbraith, professor da Universidade do Texas, consultado pelo The Obs.
Quem são essas novas figuras? Na imprensa americana, apenas três nomes se destacam: Jared Bernstein, Ben Harris e Heather Boushey. O currículo deles é de fato mais atípico do que o de seus antecessores.
Jared Bernstein, nascido em 1955, primeiro estudou... música, trabalhando como baixista profissional (ele compôs uma música para a campanha) antes de se voltar para a economia e defender uma tese sobre a proteção social na Universidade de Columbia.
Apaixonado pela política, Ben Harris, nascido em 1977, chegou à economia por acidente de percurso durante os seus estudos. Uma vez graduado, passou a integrar think tanks da capital americana, enquanto preparava seu doutorado na Universidade de George Washington.
Esses dois estão ao lado de Joe Biden há muito tempo. Quando era vice-presidente dos Estados Unidos, ele os recrutou, cada um por vez, como economista-chefe de seu gabinete. Heather Boushey ingressou na equipe mais recentemente, mas já estava em contato com os democratas, pois fora uma das assessoras mais próximas de Hillary Clinton na campanha presidencial de 2016. Nascida em 1970, ela estudou em instituições alternativas, obtendo seu doutorado na New School em Nova York, o equivalente ao EHESS francês, conhecida por sua abordagem transversal das ciências sociais e crítica das teorias dominantes, como os neoclássicos em economia.
Uma vez eleito, Joe Biden indicou Heather Boushey e Jared Bernstein para o CEA, e Ben Harris como assistente do secretário do Tesouro encarregado da política econômica (ainda está aguardando a aprovação da Comissão de Finanças do Senado).
Não é apenas a formação acadêmica que os diferencia dos círculos da elite acadêmica. Sua trajetória pessoal moldou sua maneira de abordar a economia.
Em seu livro Finding Times: The Economics of Work-Life Conflict, publicado em 2016, Heather Boushey relata o impacto da demissão de seu pai, um operador de guindaste na Boeing, no estilo de vida de sua família, uma vez que seus pais não tiveram mais os recursos necessários para pagar suas aulas de natação. “Foi então que percebi que a economia – dependendo se meus pais têm um emprego ou não – afeta se eu tenho ou não acesso às coisas que valorizo em minha vida”, disse ela ao New York Times.
Depois de se formar na Manhattan School of Music, Jared Bernstein tornou-se trabalhador social no East Harlem. Seu primeiro caso foi de uma mãe solteira que buscou obter o Medicaid para seu filho asmático. “Ela estava praticamente em lágrimas quando recebeu o cartão Medicaid”, disse ele ao The Atlantic em outubro de 2020. Foi essa experiência que o levou a se converter. “Quando eu for chefe da administração, vou insistir que todo economista tem que fazer dois anos como trabalhador social”.
Tornar-se economista é para eles uma forma de mudar as coisas e de lutar contra as desigualdades. Por isso, ao invés de seguirem a carreira universitária, optaram por trabalhar em think tanks, o que lhes permitiu formular propostas concretas e convencer os políticos a implementá-las. Jared Bernstein, por exemplo, trabalhou no Economic Policy Institute, um centro de reflexão próximo aos sindicatos, defendendo os interesses dos trabalhadores e da classe média. Heather Boushey foi cofundadora, em 2013, do Washington Center for Equitable Growth, que objetiva analisar as desigualdades e suas consequências a longo prazo para a economia.
“Bernstein e Boushey estão entre aqueles que empurram Biden para a esquerda e a incluir propostas mais ambiciosas”, enfatiza a revista Mother Jones. Ben Harris é mais centrista. Ele começou sua carreira como economista na Câmara dos Representantes antes de ingressar na Brookings Institution. Conhecido por seu papel na adoção do Plano Marshall, foi um dos think tanks mais influentes em Washington e contou com figuras como Larry Summers e Janet Yellen entre seus membros. Aí, Ben Harris adquiriu uma sólida experiência técnica, notadamente de William Gale, um especialista em impostos que teve uma breve passagem pelo CEA sob George H. Bush. Preocupado com a evolução do déficit, trabalhou em propostas para aumentar os impostos sobre a renda e o capital (obviamente menos ambiciosas do que as que Elizabeth Warren e Bernie Sanders propõem), enquanto defendia aumentos nos gastos com infraestrutura e educação.
Entre seu trabalho nos think tanks de Washington e sua passagem pelos bastidores da Casa Branca e do Congresso, o trio conhece perfeitamente o funcionamento da máquina política americana e suas limitações para aprovar medidas.
E, ao invés de buscar aplicar sua teoria à realidade, como seus antecessores (por exemplo: os mercados se autorregulam, logo, as barreiras regulatórias devem ser removidas), suas propostas são “data-driven”, ou seja, para sua formulação baseiam-se na análise de dados empíricos.
Essa maneira de proceder está na origem de uma “revolução” na economia, estima Heather Boushey em seu livro mais recente, publicado em 2019, Unbound: How inequality constricts our economy and what we can do about it, resenhado pelo New Yorker. As estrelas da economia hoje são aquelas e aqueles que constroem enormes bancos de dados e usam novas técnicas de análise, como Esther Duflo, Gabriel Zucman e Emmanuel Saez, ou mesmo Thomas Piketty. Heather Boushey também editou um livro que reúne 22 ensaios que prolongam os trabalhos do autor de O capital no século XXI. Segundo ela, uma mudança de paradigma está em andamento:
“Nos bastidores, nas conferências acadêmicas e nos periódicos, um novo consenso está surgindo sobre como o poder econômico se transforma em poder social e político e, por sua vez, afeta a economia”, conclui Boushey em seu livro.
Durante décadas, o discurso dominante consistia em dizer que ajudar os pobres e a classe média era caro e prejudicava o crescimento. Heather Boushey pensa exatamente o contrário: as desigualdades têm um impacto negativo na economia. Devemos então lutar contra essa plutocracia onde os muito ricos obtêm reduções de impostos, o que reduz os meios para a educação e a saúde, degradando assim o capital humano do país. Da mesma forma, seu lobby contra a concorrência leva à criação de monopólios cada vez maiores, aumentando seus lucros e sua riqueza pessoal, mas privando a economia de investimentos úteis.
Pelo contrário, mais igualdade é bom para a economia: pessoas formadas, com boa saúde, com acesso a proteção social de qualidade (licença por doença, licença maternidade, etc.) e a um trabalho bem remunerado, tornarão a economia mais dinâmica.
Essa filosofia que impulsiona a equipe do presidente democrata se reflete no seu programa:
“Se olharmos especificamente para o Build Back Better [nome do programa de Joe Biden], encontraremos nele as marcas de Bernstein, Harris e Boushey”, escreveu Mother Jones. “As diversas recomendações econômicas e monetárias para alcançar o pleno emprego mostram o toque de Bernstein. Entre as propostas de Biden, os aspectos que dizem respeito à extensão do Affordable child care – e aqueles de remunerar adequadamente aqueles que fornecem esses cuidados – parecem ter sido retirados das páginas do livro de Boushey, Finding Times. A proposta fiscal de US $ 4 trilhões para pagar as despesas regulares do plano são os temas diários de Harris”.
Resta aprovar essas medidas no Congresso!
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Quem são os economistas por trás do programa de Joe Biden? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU