17 Agosto 2021
"O Covid está afastando cada vez mais as costas do Mediterrâneo". O arcebispo de Túnis, Ilario Antoniazzi, tem a voz firme, mas preocupada. Originário do Vêneto, 73 anos, dirige desde 2013 uma Igreja do tamanho de toda a Tunísia. “Por isso me sinto responsável pelo sofrimento de quase doze milhões de pessoas, tantas quantas há no país. E aqui sofremos muito nos últimos meses”. Em primeiro lugar, pelo coronavírus. “Estamos à beira de uma catástrofe humanitária”, alerta o arcebispo.
Mapa da Tunísia (Foto: Google Maps | Reprodução)
Há pelo menos 150 mortes todos os dias. E a Tunísia é o estado africano com a maior taxa de mortalidade. Respiradores e oxigênio são escassos nos hospitais que entraram em colapso. “Além do mais, não temos ministro da saúde. Como é possível enfrentar uma situação assim?”, denuncia Antoniazzi. E afirma: “A crise sanitária bloqueou a economia. As possibilidades de emprego são reduzidas. As empresas estão fechando. Os investimentos internacionais despencam. O turismo, que era um recurso importante, foi zerado. A tudo isso se soma o caos institucional...”. Porque desde 25 de julho passado o Presidente da República, Kais Saied, depôs todo o governo e suspendeu a atividade do Parlamento. “Passadas três semanas, a calma é impressionante - relata o arcebispo -. O toque de recolher foi aceito sem pestanejar; não há presença maciça de militares e policiais nas ruas; você pode se mover livremente. O vácuo de poder será preenchido, mas não sabemos como. E as pessoas vivem no limbo”.
Antoniazzi foi um dos sessenta bispos que participaram do encontro "Mediterrâneo, fronteira de paz" que, organizado pela Conferência Episcopal Italiana, reuniu pela primeira vez em Bari, em fevereiro de 2020, os pastores da região. “É bom dar a conhecer as várias realidades da bacia, o que acontece nas diferentes costas. Apenas cem quilômetros separam Túnis da Itália. Se não houvesse mar, almoçaríamos aqui e tomaríamos o aperitivo na Sicília. No entanto, muitas vezes não há percepção dos problemas, injustiças, dores que marcam a vida ao longo da margem sul”.
A entrevista com Ilario Antoniazzi é de Giacomo Gambassi, publicada por Avvenire, 15-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Excelência, como vive o país o problema do vírus que o está colocando em crise?
No dia de homenagem à sua santa, o Covid matou uma de nossas religiosas: seu nome era irmã Madalena e ela tinha 51 anos. Visitando hospitais, posso dizer que vivemos um dos momentos mais sombrios da história recente. Os doentes estão nos corredores, sem leitos; alguns estão no chão; outros estão encostados fora dos hospitais esperando seu turno para o oxigênio ... quando há oxigênio. Isso tudo é terrível, dadas as poucas possibilidades que temos.
A comunidade internacional está intervindo para estender à mão para a Tunísia. Algo se move...
Sim, graças a Deus. O país pediu ajuda e agora as respostas estão chegando. A Itália está na fila da frente e está nos enviou navios com cilindros de oxigênio e instrumentos médicos que, no entanto, ainda não são suficientes.
Na Tunísia as pessoas morrem demais por cauda da Covid.
Alguns dizem que o coronavírus infectou 5 milhões de pessoas, ou seja, quase metade da população. As autoridades políticas não intervêm com a severidade adequada. Esta é outra razão pela qual as pessoas não levaram a sério a emergência sanitária. “Até me pegar, o vírus é problema dos outros”, parece ser o refrão. As máscaras existem, mas poucos as usam porque dizem: “Eu estou bem”. Depois, há o drama dentro do drama: se uma família tem uma pessoa infectada em casa, toda a unidade familiar deveria ser testada, que geralmente inclui pelo menos três filhos. Para submeter todos ao teste é necessário o equivalente a mil euros: um valor que ninguém pode pagar. Então as pessoas ficam doentes, ficam em casa, morrem num quarto. E, de acordo com as estatísticas, a morte ocorreu por problemas respiratórios, não por Covid. É por isso que alguns médicos argumentam que os dados do governo sobre a pandemia deveriam ser multiplicados por três.
O Papa pediu repetidamente vacinas para todos, começando pelas nações mais frágeis.
Muito certo. Aqui os vacinados são apenas 12%, embora alguns acreditem que paramos em 8%. Temos as vacinas mais díspares: da chinesa à russa e até as ocidentais. Claro, a guerra das vacinas é uma questão política.
O vírus dividiu ainda mais o Mediterrâneo?
Certamente. O que está acontecendo na Tunísia, já economicamente menos forte do que outros estados vizinhos, como Marrocos ou Argélia, é uma prova disso. Em um país prostrado, que perspectiva têm os jovens? De partir. E para onde? Para a Itália, para Lampedusa, cruzando o Mediterrâneo. A Tunísia não é um país onde há guerras e fome. As pessoas fogem de um futuro que não existe. Portanto, é necessário primeiramente dar apoio aos jovens para que permaneçam. Acrescentaria que certas frases repetidas na Europa são aqui lidas de forma distorcida. Refiro-me aos numerosos apelos de acolhimento que, de uma perspectiva africana, se traduzem indiretamente em convites para partir. As máfias que prosperam no tráfico de pessoas também as exploram.
Mapa da África (Foto: Google Maps | Reprodução)
Recentemente, o Papa denunciou mais uma vez que o Mediterrâneo é agora um "cemitério" esquecido.
Muitos que desembarcam em Lampedusa partem da Tunísia. Mas a maioria dos migrantes vem da área subsaariana. Não se trata, portanto, apenas de socorrer a Tunísia, mas de lançar um "plano para a África". O continente está se esvaziando de novas gerações. Isso torna a África mais pobre. Um amigo bispo me disse que as grandes potências estão preparando uma nova colonização do continente. Ao privar os nossos países de novas energias, como podemos fazer intervenções importantes se não temos as capacidades e os cérebros? Somos obrigados a pegá-los emprestados de fora. E ninguém vem de graça.
O que as Igrejas irmãs podem fazer pela comunidade eclesial tunisiana?
Somos um pequeno rebanho composto principalmente por fiéis subsaarianos. Geralmente são estudantes ou migrantes: pessoas que precisam de ajuda. A Igreja tenta fazer todo o possível para recebê-los e também para impedir que saiam do continente. Por exemplo, com a Caritas, financiamos projetos e iniciativas de pequenas empresas que garantem uma vida mais do que digna em nossas áreas. A Caritas italiana está permanentemente ao nosso lado e o nosso agradecimento a ela, juntamente com toda a Igreja italiana. Sentimo-nos uma Igreja viva, que não tem medo e está aberta às necessidades de cada irmão.
No próximo ano, os bispos do Mediterrâneo voltarão a se reunir em Florença. Desta vez também com os prefeitos. No centro está a relação entre a comunidade eclesial e a sociedade.
É uma intuição interessante. Considero que os primeiros cidadãos possam dialogar com as nossas Igrejas, que aqui no Magrebe, por exemplo, são respeitadas, mesmo que dentro de um âmbito de ação preciso. Além disso, a Tunísia tem muitas mulheres prefeitas. E é o único país islâmico a ter uma mulher à frente da administração municipal da capital.
Da diocese de Vittorio Veneto ao Norte da África, passando por Jerusalém e a Jordânia. Ilario Antoniazzi, arcebispo de Túnis há 18 anos, tem 73 anos. Nascido em Rai, distrito de San Polo di Piave, província de Treviso e diocese de Vittorio Veneto, entrou na adolescência no Instituto missionário San Pio X de Oderzo e em 1962 no seminário do patriarcado latino de Jerusalém. Ele se tornou sacerdote em 1972 em Jerusalém. Ele foi primeiro vigário e depois pároco na Jordânia. Ele também exerceu seu ministério entre os beduínos da Jordânia, vivendo entre eles. Em 1992 voltou a Roma para estudar na Pontifícia Faculdade Teológica Teresianum, obtendo a licenciatura em Teologia Espiritual. Mais tarde, foi pároco em algumas paróquias do patriarcado de Jerusalém e depois responsável pelas 44 escolas católicas do patriarcado. Em 2013, Bento XVI o nomeou arcebispo de Túnis. Recebeu a consagração episcopal na Basílica da Anunciação em Nazaré.
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Tunísia. “Assim o Covid está afastando cada vez mais as costas do Mediterrâneo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU