30 Julho 2021
Os sinais vitais do planeta se aproximam ou ultrapassam os pontos de não retorno. É o que indica um novo estudo que alerta que a crise climática se acentua, sem que haja ações suficientes.
A reportagem é de Eduardo Robaina, publicada por La Marea-Climática, 29-07-2021. A tradução é do Cepat.
Ano 2019. A humanidade vive alheia às máscaras, distância física, toques de recolher e álcool em gel. Naquele momento, a COVID-19 ainda não havia desestabilizado o mundo e os olhos da comunidade científica estavam sobre uma grande crise que não era nova, mas que começava a receber uma atenção como nunca antes: a climática.
A gravidade era tamanha (e ainda é) que uma coalizão de mais de 11.000 cientistas, de 153 países, assinou um artigo em que declaravam uma emergência climática (com o acréscimo de quase 3.000 a mais, posteriormente), ao mesmo tempo em que estabeleciam um conjunto de sinais vitais para a Terra com a finalidade de medir a ação climática efetiva. Desde então, passaram-se 20 meses, com uma pandemia no meio que ainda continua. Em que ponto está o planeta e, por conseguinte, os seres que o habitam?
Um novo estudo revisado por pares e publicado nesta semana na revista científica BioScience conclui, para surpresa de (quase) ninguém, que tudo segue igual em relação à ação climática, enquanto a emergência climática é ainda mais evidente. O trabalho, liderado por uma equipe de pesquisa da Universidade do Estado do Oregan, constata que não foram tomadas as medidas necessárias para enfrentar a crise climática, sendo que esta, a cada dia, dá demonstrações de sua capacidade de destruição e de piorar a vida das pessoas, sobretudo a das mais vulneráveis.
Dois anos após aquele artigo no qual se declarava a emergência climática, “houve um aumento sem precedentes dos desastres relacionados ao clima, incluindo inundações devastadoras na América do Sul e no sudeste da Ásia, ondas de calor e incêndios florestais que bateram recordes na Austrália e no oeste dos Estados Unidos, uma extraordinária temporada de furacões no Atlântico e ciclones devastadores na África, no sul da Ásia e no Pacífico ocidental”, destaca o estudo.
Além disso, os autores alertam que “há cada vez mais provas de que estamos nos aproximando ou já cruzamos pontos de inflexão associados a partes críticas do sistema terrestre, como as camadas de gelo da Antártida Ocidental e Groenlândia, os recifes de coral de águas quentes e a mata amazônica”. Basta rever as imagens devastadoras do mês de julho para constatar esta realidade apontada pela comunidade científica.
“Os fenômenos e padrões climáticos extremos que presenciamos nos últimos anos – para não falar das últimas semanas – manifestam a necessária e grande urgência em abordar a crise climática”, afirma o doutor Philip Duffy, coautor do relatório e diretor executivo do Centro de Pesquisa Climática Woodwell. Em seu estudo, foram pesquisadas as mudanças recentes nos sinais vitais planetários desde a publicação do artigo anterior que declarava a emergência climática. Das 31 variáveis analisadas, os autores descobriram que 18 estão em novos mínimos ou máximos históricos.
Em referência aos gases do efeito estufa - responsáveis pelo aquecimento que impulsiona a mudança climática -, os três mais importantes - o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso - chegaram a novos recordes de concentrações atmosféricas até este momento do ano, tanto em 2020 como em 2021. Em abril deste ano, a concentração de CO2 atingiu 416 partes por milhão (ppm), a maior concentração média mensal mundial, jamais registrada. O nível seguro, segundo a ciência, gira em torno de 350 ppm.
Essas altas concentrações fizeram com que 2020 fosse o ano mais quente na Espanha e na Europa desde que há registros, ao passo que o nível mundial empata com 2016. Além disso, os cinco anos mais quentes, já registrados, ocorreram a partir de 2015.
Outro dos sinais vitais cruciais destacados pelos autores é o fato de que a superfície total queimada nos Estados Unidos aumentou em 2020, alcançando os 4,1 milhões de hectares, a segunda maior quantidade já registrada. Atualmente, o país norte-americano acumula ao menos 86 incêndios florestais em sua parte oeste.
Também preocupam, e muito, as taxas de perda anual de matas na Amazônia brasileira, que aumentaram tanto em 2019 como em 2020, alcançando 1,11 milhão de hectares desmatados, a maior nos últimos 12 anos. Este aumento, segundo os pesquisadores, deve-se provavelmente ao enfraquecimento na aplicação da lei sobre o desmatamento, o que desencadeou um forte aumento na utilização ilegal de terras para a pecuária e a soja. “A degradação das matas devido a incêndios, seca, corte e fragmentação fez com que esta região atue como fonte de carbono em vez de sumidouro”, aponta o estudo.
Mesma situação de alarme com as camadas de gelo da Groenlândia e a Antártida. Ambas continuam com sua precipitada perda de massa, enquanto a extensão do gelo marinho do Ártico segue diminuindo até atingir mínimos históricos a cada verão. As geleiras estão derretendo muito mais rápido do que se acreditava, perdendo 31% a mais de neve e gelo por ano do que há apenas 15 anos.
Em relação aos oceanos, a acidificação de suas águas está próxima do recorde. Junto com o estresse térmico, ameaça os recifes de coral dos quais mais de 500 milhões de pessoas dependem para obter alimentos, além de ser um grande recurso para o turismo e de oferecer proteção contra tempestades.
O artigo também menciona que, “pela primeira vez, o número de ruminantes (uma importante fonte de gases do efeito estufa) no mundo ultrapassou os 4 bilhões”, o que representa uma massa muito maior “que a de todos os humanos e mamíferos selvagens juntos”. Um dado que contrasta, segundo o documento, com o fato de que a produção recente de carne per capita diminuiu em aproximadamente 5,7% (2,9 quilos por pessoa), entre 2018 e 2020.
“As futuras quedas no consumo e a produção de carne provavelmente não ocorrerão até que haja uma mudança generalizada para dietas baseadas em plantas ou que aumente o uso de análogos (substitutos) da carne, cujas popularidade está crescendo e se prevê que alcancem um valor de 3,5 bilhões de dólares em todo o mundo até 2026”, citam os autores.
Apesar dos indicadores ruins, o estudo tenta lançar algo de esperança. Por exemplo, comemora que houve um forte aumento no desinvestimento em combustíveis fósseis: os subsídios foram reduzidos para um mínimo histórico de 181 bilhões de dólares em 2020, uma queda de 42% em relação aos níveis de 2019.
Em resposta a essas descobertas sem precedentes e à atual crise climática, o estudo pede que os combustíveis fósseis sejam progressivamente eliminados, que sejam criadas reservas climáticas estratégicas para o armazenamento de carbono e a proteção da biodiversidade e que se fixe um preço mundial do carbono suficientemente alto para induzir à “descarbonização” em todo o espectro industrial e de consumo.
“Temos que mudar rapidamente a maneira como estamos fazendo as coisas, e as novas políticas climáticas deveriam fazer parte dos planos de recuperação da COVID-19, sempre que possível. É hora de nos unirmos como comunidades global, em um sentido compartilhado de cooperação, urgência e equidade”, pede William Ripple, principal autor do estudo e reconhecido professor de ecologia da Universidade do Estado do Oregan.
O artigo insiste em que uma das principais lições surgidas do coronavírus é que nem sequer uma diminuição colossal do transporte e o consumo é o suficiente e que, ao contrário, “são necessárias mudanças transformadoras do sistema, que devem estar acima da política”. “Considerando os impactos que estão sendo observados no planeta, com um aquecimento de aproximadamente 1,25 grau, junto com os inúmeros processos de retroalimentação que se reforçam e os possíveis pontos de inflexão, é necessário urgentemente uma ação climática em grande escala”, lê-se no estudo, onde denunciam que, em 5 de março de 2021, “só 17% de tais fundos [pós-COVID-19] haviam sido destinados para uma recuperação ecológica”.
E encerram lançando um apelo pela igualdade e a importância da educação: “Toda ação climática transformadora deve se centrar na justiça social para todos, dando prioridade às necessidades humanas básicas e reduzindo a desigualdade”. Nesse sentido, “como requisito prévio a esta ação, a educação sobre a mudança climática deveria ser incluída nos planos de estudo das escolas do mundo todo. Em geral, isto traria uma maior conscientização sobre a emergência climática, ao mesmo tempo em que capacitaria os alunos para passar à ação”.
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Sinais vitais do planeta: A ciência pede “mudanças transformadoras do sistema” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU