29 Julho 2021
Acaba de ser publicado o número especial da revista Servizio della Parola, dedicado ao tema “A existência, o evangelho do Reino, a fé”, do qual antecipamos alguns trechos da interessante reflexão do Pe. Antonio Spadaro, jesuíta italiano e diretor da revista La Civiltà Cattolica, sobre o ser Igreja no ambiente digital.
O artigo foi publicado em Teologi@Internet, 26-07-2021. A tradução é de Anne Ledur Machado.
Para abordar de forma correta o tema da comunicação “social” da Igreja, devemos partir de um pressuposto: esqueçamo-nos de que a internet existe. Nós somos afetados pela tecnologia, mas, enquanto ficarmos afetados pela técnica, pelo “maquinoso”, não entenderemos o seu significado antropológico.
A rede é uma revolução antiga, com sólidas raízes no passado: ela dá forma nova a desejos e valores tão antigos quanto o ser humano. Quando se olha para a internet, é preciso ver não só as perspectivas de futuro que ela oferece, mas também os desejos e as expectativas que o ser humano sempre teve e aos quais tenta responder, isto é: relação e conhecimento. E isto certamente não é uma novidade.
A internet é uma realidade que já faz parte da vida cotidiana. A internet não é uma opção: é um fato. A evangelização não pode deixar de levar em consideração essa realidade. Por quê?
Para responder a essa pergunta, é necessário responder a outra: o que é a internet? Não é um conjunto de cabos, fios, modems e computadores. Seria errado identificar a “realidade” e a experiência da internet com a infraestrutura tecnológica que a torna possível. A internet é, acima de tudo, uma experiência, já faz parte, de forma fluida, da vida cotidiana: um contexto existencial.
Somos chamados, portanto, a viver bem sabendo que a rede faz parte do nosso ambiente vital e que nela já se desenvolve uma parte da nossa capacidade de fazer experiência. Por isso, a mediação tecnológica absolutamente não é pura alienação. Afinal, a nossa relação é sempre mediada.
A rede é um tecido conectivo das experiências humanas, não um instrumento. As tecnologias da comunicação, portanto, estão criando um ambiente digital no qual o ser humano aprende a se informar, a conhecer o mundo, a estreitar e a manter vivas as relações, contribuindo também para definir uma forma de habitar o mundo e de organizá-lo, guiando e inspirando os comportamentos individuais, familiares, sociais.
Portanto, uma parte da nossa vida de fé também é digital, vive no ambiente digital. Assim também o anúncio da Palavra sempre ocorre em um contexto midiático.
Eis, portanto: é precisamente nesse valor espiritual do ambiente digital que se fundamenta a possibilidade do anúncio da fé nesse ambiente. Em um tempo em que a tecnologia tende a se tornar o tecido conectivo de muitas experiências humanas, como as relações e o conhecimento, é necessário se perguntar: a rede pode ser uma dimensão na qual se possa viver o Evangelho e anunciar a Palavra?
A verdadeira novidade do ambiente digital é a sua natureza de social network, isto é, o fato de permitir que venham à tona não só as relações entre você e mim, mas também as minhas relações e as suas relações. Em outras palavras, emergem em rede não só as pessoas e os conteúdos, mas também as relações. Mudou o próprio significado da palavra comunicação: comunicar não significa mais transmitir, mas compartilhar. A sociedade e a cultura não são mais pensáveis e compreensíveis somente por meio dos conteúdos.
Acima de tudo, não há as coisas, mas sim as “pessoas”. Há, sobretudo, as relações: a troca de conteúdos que ocorre dentro das relações entre pessoas. A base relacional do conhecimento em rede é radical. Portanto, entende-se muito bem como o testemunho é importante. A lógica das redes sociais nos faz compreender melhor do que antes que o conteúdo compartilhado está sempre estreitamente ligado à pessoa que o oferece. De fato, não há nenhuma informação “neutra” nessas redes: o ser humano está sempre envolvido diretamente naquilo que comunica.
Quem evangeliza hoje deve pôr os conteúdos em relação com as pessoas. Hoje, um conteúdo que não gera relação, isto é, encontro, paixão, diálogo, é um conteúdo insignificante, desprovido de valor. Assim, se o anúncio da Palavra não gera relação, isto é, encontro, paixão, diálogo, é um conteúdo insignificante, desprovido de valor.
Hoje, as mídias sociais oferecem a oportunidade de tornar mais significativa a experiência vivida subjetivamente, precisamente graças à publicação e ao compartilhamento em uma rede de relações.
Mas é sempre necessário distinguir entre a comunidade e a network constituída pelas mídias sociais. O Papa Francisco, falando aos bispos centro-americanos, pediu que “abandonemos a virtualidade da existência e dos discursos para escutar o rumor e o chamado constante de pessoas reais que nos provocam a criar laços”.
Certamente, as mídias sociais podem ajudar a construir uma comunidade, mas não são, por si sós, uma “comunidade”, que, se entendida como comunidade cristã e não simplesmente sociológica, é sempre “dom” do Espírito, e não “produto” da comunicação.
De modo análogo, é preciso distinguir bem o ambiente físico do digital, no momento em que se fala de sacramentos e celebrações. Se certamente é possível rezar juntos em rede, no ambiente digital não há sacramentos, porque estes requerem a matéria e a presença física.
A rede certamente não está desprovida de ambiguidades e utopias. Em todo o caso, a sociedade fundada nas redes de conexão começa a levantar desafios verdadeiramente significativos à própria compreensão da fé cristã, a partir da sua linguagem de expressão, ao modo de comunicar e ao anúncio da palavra de Deus.
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A Igreja e o desafio das mídias sociais. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU