10 Mai 2021
O deslocamento para a vida eclesial online não é apenas uma necessidade durante a pandemia. Ele também prepara as instituições religiosas para se tornarem mais flexíveis no enfrentamento dos desafios futuros de longo prazo.
A opinião é de Heidi A. Campbell, professora de Comunicação da Texas A&M University, nos Estados Unidos, e pesquisadora de religião digital. O artigo foi publicado em Faith & Leadership, 09-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde o início, a pandemia forçou grupos e lideranças religiosos a repensarem suas práticas e formas de encontro tradicionais.
As lideranças religiosas que eram tecnologicamente resistentes no início de 2020 tiveram que repensar suas críticas à tecnologia. De fato, muitas tiveram que adotá-la para a sua própria sobrevivência.
Desde março de 2020, Facebook, YouTube e Zoom tornaram-se anfitriões de dezenas de experimentos de culto digital a cada fim de semana.
Como alguém que estudou por duas décadas e meia o modo como as comunidades religiosas respondem à tecnologia, eu rapidamente percebi que essa mudança marcava um momento único e importante para a religião contemporânea.
Durante os primeiros seis meses de pandemia, eu estudei de perto o modo como várias Igrejas se engajavam com a tecnologia. Coletei artigos e reflexões de uma série de lideranças eclesiais, teólogos, estudantes e estudiosos da mídia em todo o mundo e publiquei uma série de três e-books – em abril, maio e agosto de 2020 – explorando questões enfrentadas pelas congregações e pastores durante esse tempo.
[Trata-se dos e-books “The Distanced Church: Reflections on Doing Church Online”, “Digital Ecclesiology: What if the Future of the Church is Digital” e “Social Distancing in a World of Memes”, disponíveis gratuitamente.]
Cada um desses e-books termina com um artigo que resume as observações comuns dos ensaios dos autores sobre o modo como as comunidades religiosas e seus cultos estão sendo moldados pelas condições oferecidas pela pandemia.
A partir desse trabalho, compilei uma lista de lições-chave para as lideranças religiosas e os estudiosos sobre como as escolhas das Igrejas sobre o engajamento com a tecnologia os afetarão em longo prazo. Essas 10 lições aparecem em um novo e-book, publicado em fevereiro de 2021. Aqui estão as cinco primeiras lições.
1. As lideranças religiosas estão sendo forçadas a reconciliar suas preocupações sobre tecnologia com os claros benefícios proporcionados pela internet durante este tempo.
A Covid-19 tem sido difícil para alguns grupos religiosos – em particular, aqueles que anteriormente hesitavam ou eram totalmente resistentes ao uso da tecnologia da internet no culto. A pandemia forçou esses grupos a irem ao ambiente online e considerarem como a tecnologia pode ser um benefício ao invés de uma ameaça.
Durante anos, os pesquisadores destacaram os potenciais benefícios que o deslocamento para o online pode oferecer aos grupos religiosos, desafiando-os a considerar como a tecnologia poderia potencialmente expandir sua influência para novos grupos e oportunidades. As comunidades religiosas estão agora, por necessidade, aceitando esse desafio e vendo de uma nova maneira os benefícios da tecnologia.
2. Experimentos com cultos online revelaram o poder da tecnologia, que muitos grupos religiosos desconheciam anteriormente.
Embora algumas comunidades religiosas estejam se reunindo online há algum tempo, muitas comunidades fizeram suas primeiras aparições online por causa da pandemia da Covid-19.
Para esses grupos, houve uma curva de aprendizado acentuada,, que teve seus erros e desafios. Mas esse aprendizado prático lhes deu intuições e oportunidades tecnológicas para experimentarem novas táticas e estratégias que ajudaram a construir conexões dentro de suas congregações, para além do que era possível no mundo offline.
3. O culto mediado levanta a questão: quanto a religião é – ou precisa ser – encarnada?
Muitos pesquisadores deste projeto questionaram o que a pandemia pode significar para a religião encarnada. Quanto a religião é encarnada ou quanto ela precisa ser encarnada para ser autêntica?
Em um período em que as pessoas não têm permissão para se reunir pessoalmente, o próprio propósito e definição de religião entram em xeque. Isso está intimamente ligado à próxima lição.
4. As práticas de distanciamento social e a criação de serviços de culto online destacam o que os grupos religiosos realmente veem como seus valores centrais e seus rituais definidores.
O fato de não poder se encontrar face a face fez com que muitas pessoas repensassem o foco fundamental e as práticas da sua religião.
Por exemplo, os pesquisadores do projeto constataram que, embora algumas Igrejas proclamem orgulhosamente em suas declarações de missão que estão focadas no discipulado ou na evangelização, o que a pandemia revelou é que elas estão principalmente no ramo da prestação de serviços de culto.
Essa revelação deveria desafiar as instituições religiosas a reavaliarem a sua missão e identidade. O distanciamento social é um catalisador que levou grupos a examinarem como eles definem e vivem a religião nos Estados Unidos.
5. As comunidades religiosas que são flexíveis e estão dispostas a inovar durante este tempo estão em melhor posição para promover a resiliência em longo prazo.
Os pesquisadores observaram que, sendo flexíveis, os membros da comunidade religiosa ajudam a preparar suas tradições e grupos para mudanças futuras e encorajam a criatividade religiosa. Poucos dias depois de ficarem sabendo da crise e dos lockdowns iminentes nos Estados Unidos, muitas lideranças religiosas foram capazes de inovar tradições centenárias e os modos de ser Igreja.
Por estarem dispostas a testar novas tecnologias e experimentar novas formas de celebrar juntos, essas instituições encorajaram a adaptação.
Essa flexibilidade forçada está mostrando às congregações cada vez menores que elas podem reinventar a religião e construir comunidades capazes de se adaptar às condições em mudança.
Coletivamente, essas lições falam do potencial positivo da pandemia de provocar mudanças no modo como os estadunidense “fazem” e também pensam a religião. À medida que a pandemia continua, a inovação e a adaptação continuarão sendo exigidas das comunidades de fé.
Pode ser que nunca haja um retorno completo à religião como ela era antes – ou seja, um evento dependente e fixo em um local.
Os grupos e lideranças religiosos que se permitem imaginar e testar novas formas de reunião, de construção de relações e de engajamento com a comunidade não só se adaptarão mais facilmente às condições criadas pela Covid-19, mas também criarão uma plataforma que permitirá que suas comunidades de fé se preparem e respondam às mudanças futuras.
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Pandemia: o que a Igreja pode aprender sobre tecnologia? Artigo de Heidi Campbell - Instituto Humanitas Unisinos - IHU