07 Julho 2021
"Segundo Guardini, a velhice que repudiou o materialismo senil do teimoso se torna aquela sabedoria que nasce 'quando o absoluto e o eterno penetram na consciência contingente e finita, e a partir disso iluminam a vida'. E na 'atividade autêntica da velhice', a sabedoria 'alcança suas vitórias interiores, a sua pessoa deixa, por assim dizer, transparecer o sentido das coisas'. Quem a vive 'não se torna ativo, mas irradia' e dá 'uma eficácia particular' às coisas que não domina. O novo tempo do papado será este", escreve Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 06-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ninguém viu no silêncio com que o Papa envolveu sua hospitalização no hospital Gemelli aquele segredo que se espalha quando a saúde dos poderosos se deteriora. Em vez disso, ficou claro que o Papa ficou em silêncio por um pudor raro hoje em dia, e do qual os poderosos são incapazes.
É o pudor de sua idade, na qual muitos idosos sofrem cruéis desmantelamentos (que a igreja também usa e depois condena, quando se esquece de que a isso recorreu). É o pudor de quem, nutrido pelas Escrituras, lembra uma palavra do Ressuscitado a Pedro: “quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras"; e aquela em que se fala durante a prisão de Pedro; “mas a igreja fazia contínua oração por ele a Deus” (Atos 12). E aí, na certeza do cuidado de Deus e do amor à fraternidade, quem vive com pudor o mal está seguro. No entanto, a intervenção cirúrgica em Francisco marca uma passagem objetiva em seu pontificado. Não é a passagem do pontificado ao conclave: o conclave já começou há tempo (e certamente a partir das chamadas demissões do cardeal Marx) e, por outro lado, o precedente de Wojtyla, também operado no cólon em 1992, aconselha contra cálculos de mau gosto. O que aconteceu no Gemelli é a passagem do tempo da possibilidade para aquele da prioridade.
Houve um tempo, de oito anos, em que se permitiu ao Papa tornar possível o impossível: estar em comunhão com Constantinopla, honrar a reforma de Lutero, dialogar com o patriarca de todas as Rússias, reconhecer autoridade às conferências episcopais, desafiar o presidente Trump, caminhar em fraternidade com os muçulmanos, sacudir a Europa dos direitos, cruzar as divisões do Islã, tocar o desespero dos pobres, cortar árvores na floresta do moralismo, condenar a posse de armas atômicas, restaurar a comunhão entre os católicos chineses, obrigar a igreja em uma sinodalidade desconhecida.
Aquele tempo acaba e dá lugar ao tempo das prioridades. Um tempo que Romano Guardini, autor muito caro a Francisco, havia descrito nos anos 1950 em um livro sobre as idades da vida que ainda hoje fala a e talvez de Bergoglio. Segundo Guardini, a velhice que repudiou o materialismo senil do teimoso se torna aquela sabedoria que nasce “quando o absoluto e o eterno penetram na consciência contingente e finita, e a partir disso iluminam a vida”. E na "atividade autêntica da velhice", a sabedoria "alcança suas vitórias interiores, a sua pessoa deixa, por assim dizer, transparecer o sentido das coisas".
Quem a vive "não se torna ativo, mas irradia" e dá "uma eficácia particular" às coisas que não domina. O novo tempo do papado será este.
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O poder no Vaticano em tempos de doença. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU