17 Junho 2021
As coisas podem dar terrivelmente errado na próxima assembleia do Sínodo dos Bispos se a fase de escuta não for realizada adequadamente.
A opinião é de George Wilson, SJ, jesuíta estadunidense e eclesiólogo aposentado que vive em Baltimore, nos EUA. É autor de “Clericalism: The Death of Priesthood” [Clericalismo: a morte do presbiterado] (Liturgical Press, 2008). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na vasta literatura sobre o tema da liderança, tornou-se quase trivial dizer que a primeira tarefa de um bom líder não é ensinar, mas ouvir.
Essa mesma sabedoria se aplica aos sínodos e a projetos semelhantes a um sínodo. Na linguagem da Igreja, isso se chama “consultar os fiéis”.
Portanto, é encorajador ler que aqueles que estão planejando essa etapa preliminar da próxima assembleia do Sínodo dos Bispos determinaram que “escutar o povo de Deus” é o primeiro objetivo do Sínodo.
Muito depende, entretanto, de: 1) o que essa escuta visa a descobrir; 2) quem deve ser ouvido; e 3) quais processos são empregados nessa descoberta.
E as respostas a essas perguntas dependem, primeiro, de que esteja claro o que é um sínodo.
O que é um sínodo? O Papa Francisco oferece o mantra: “Um corpo que caminha junto”.
Essa é uma metáfora atraente, com certeza. Mas, se as três perguntas acima não forem sopesadas cuidadosamente antes de projetar o primeiro estágio da escuta, “caminhar juntos” pode se reduzir a um sentimento caloroso e vago, aberto a muitas trapaças.
O modo como esse primeiro passo é projetado e executado pode determinar o sucesso ou o fracasso de todo o empreendimento.
O fato de ter sido consultor/facilitador para vários sínodos diocesanos e muitos projetos semelhantes a um sínodo por longos anos me levou a ver um sínodo como um esforço de busca de sabedoria empreendido pelo povo de Deus sob a orientação do Espírito de Jesus em uma época particular no seu engajamento com a sociedade ao seu redor.
Um sínodo é uma assembleia da Igreja – o Povo de Deus. Isso abrange pessoas que foram chamadas a diferentes estados de vida dentro da comunidade – ordenados, leigos e leigas ou religiosos e religiosas com votos. Mas todos estão ali em virtude do batismo, em solidariedade.
O batismo é o único bilhete de admissão. O Espírito é derramado sobre toda a comunidade batizada. Qualquer estruturação do sínodo que diminua o senso de agência igualitária de todos os seus participantes garantirá o fracasso do empreendimento.
Mas, seguindo a prática dos sínodos de épocas históricas bastante diferentes, os participantes ordenados de hoje continuarão a ser tentados a tratar este sínodo como mais uma forma de educar os leigos.
O objetivo de um sínodo é a sabedoria. É descobrir o modo como o Senhor está chamando a Igreja não apenas para pensar ou falar, mas também para escolher e agir.
Um sínodo não é uma aula de educação religiosa, muito menos um seminário de graduação em Teologia ou Direito Canônico.
É verdade que os especialistas de vários campos podem ser chamados como recursos para o corpo coletivo. Mas não se deve permitir que a voz deles diminua, nem muito menos substitua, as vozes dos membros não ordenados.
A sabedoria emerge da interação entre aquilo que a comunidade tem experimentado (o passado) e as energias em ação nela hoje, para encontrar melhores maneiras de seguir a Jesus nos próximos anos em sua missão de revelar a misericórdia amorosa d’Aquele que ele chamava de Pai.
A sabedoria resulta da reflexão corporativa sobre a experiência coletiva.
Bom; mau; doloroso; alegre; sucessos; fracassos; pecado, individual e coletivo. Nada do que acontece na vida da comunidade é sem potencial de significado.
Evitar ou excluir qualquer uma dessas coisas por ser muito confusa, dolorosa, vergonhosa ou perturbadora é ter a garantia de decisões equivocadas. Isso garante o malogro das expectativas geradas pelo anúncio de um esforço tão significativo.
A experiência inclui o conhecimento conceitual, é claro. Mas os conceitos são encontrados embutidos em uma mistura de emoções, intuições, palpites, esperanças, suposições não examinadas e interesse próprio – alguns deles reconhecidos e muitos ocultos até mesmo da consciência dos membros.
Em suma, as coisas da vida humana cotidiana.
Antes da reflexão consciente sob a orientação do Espírito, o todo não está tematizado; é pré-racional; talvez até irracional.
O risco consiste em conceituar antes que a experiência bruta seja nomeada e assumida nos seus próprios termos, diminuindo as energias que ela pode conter para enfrentar o futuro com esperança.
Quando nós, humanos, somos solicitados a dar um nome à nossa experiência, nós nos voltamos primeiro para a comparação e a metáfora. Dizemos: “Foi como…”, “eu não consigo explicar, mas eu senti…”.
A imagem vem primeiro; a definição e a conceituação, depois.
Mais importante, voltamo-nos à narrativa. À história. É por isso que Jesus, o Mestre, falava em parábolas.
A primeira coisa que um sínodo precisa perguntar aos seus participantes, então, não é: “O que você acha de A, B ou C?”, mas sim: “Como é para você ser membro da Igreja hoje? Conte-me a sua história”.
Perguntar sobre “ABC” é assumir desde o início que “ABC” é a questão que as pessoas precisam ou desejam discutir, quando, de fato, podem estar em jogo realidades mais profundas.
O fato de abrir o sínodo explorando as experiências lança o fundamento da igualdade para tudo aquilo que se seguirá.
Todos – ordenados ou leigos e leigas; homens ou mulheres; doutores ou analfabetos – têm uma história sobre o esforço para viver o próprio batismo em um contexto em constante mudança. E apenas o indivíduo pode nomear isso e colocá-lo a serviço de todo o corpo.
Usar as minhas conquistas intelectuais para difamar a tentativa frágil de outra pessoa de narrar aquilo que ela está experimentando é negar a sua própria personalidade.
O que eu disse até agora tem implicações importantes para o primeiro passo na escuta dos fiéis. Aquelas que podem parecer escolhas inócuas podem pôr em risco o sucesso de todo o esforço.
Consideremos o método tradicional e o que aconteceu quando ele foi adotado no Concílio Vaticano II (1962-1965).
Um corpo pequeno e bem-intencionado (mas acompanhado de perto) usou suas melhores mentes para produzir os lineamenta, uma lista de categorias que definia os parâmetros para a discussão e o discernimento nas sessões do Concílio.
E o que aconteceu? Quando os delegados, todos bispos, chegaram a Roma, eles ficaram sabendo sobre o que deveriam discutir.
Citar apenas um item da lista é suficiente para revelar a visão de mundo a partir da qual os organizadores estavam procedendo: eles determinaram que uma das questões que os delegados deveriam discutir era o peso dos poderes dos bispos auxiliares ou coadjutores…
Se os quatro administradores cardeais não organizassem silenciosamente uma oposição, o esquema proposto teria sido adotado pro forma, e 2.500 bispos de todos os cantos do mundo teriam sido compelidos a contar o número de anjos naquela cabeça de alfinete.
Foi necessária uma revolução para que o corpo do Concílio descobrisse a sua pauta: aquilo que o Espírito os estava desafiando a enfrentar.
Se o processo de reunir as experiências de um corpo tão vasto de participantes visa a produzir uma pauta que reflita as suas alegrias, ansiedades, esperanças e aspirações, ele deve ser pré-categórico por natureza.
Apresentar aos participantes uma lista de temas a partir dos quais eles devem “espremer” aquilo que o Espírito os está desafiando a nomear é reduzir aquilo que poderia ser um terremoto ao parto de um rato.
Para concretizar ainda mais essa intuição, o anúncio inicial da primeira etapa do sínodo se refere ao uso de instrumentos de pesquisa para a coleta de dados.
Tais instrumentos podem ser úteis para testar o nível de consenso após as propostas bem elaboradas terem sido discernidas e debatidas.
Usá-los no estágio inicial, entretanto, quando o corpo ainda está sondando a sua experiência para descobrir as áreas que oferecem a melhor esperança para uma nova vida, garante que o processo será distorcido.
Qualquer pesquisa quantitativa, por mais sofisticada que seja a sua composição, reflete as questões de quem a projeta. O próprio enquadramento dos itens da pesquisa a serem testados determina aqueles que serão ignorados.
Um famoso estudo esclarece essa questão.
Nos anos 1970, um grupo de futuristas chamado Clube de Roma usou simulações de computador para projetar cenários prováveis do que aconteceria nos anos seguintes.
Alguns anos depois, para avaliar seu sucesso, eles estudaram o que realmente havia acontecido nesse período.
Na realidade, eles foram bastante prescientes. Grande parte do que eles previram realmente havia se tornado realidade.
Havia apenas uma pequena discrepância: eles não atentaram para a importância de um dos movimentos mais poderosos de transformação do nosso mundo: o despertar feminista. Os participantes eram todos homens...
Outra característica da busca pela sabedoria é o fato de que o dom da sabedoria geralmente não é espalhado uniformemente entre os indivíduos de um grande corpo.
Um componente essencial da busca pela sabedoria é estar aberto à profecia: não a habilidade de prever o futuro, mas de nomear a realidade.
Um único indivíduo ou pequeno grupo pode sentir poderosas correntes em ação muito abaixo da “corrente principal”.
Realidades tão dolorosas a ponto de serem enterradas na psique coletiva, talvez por séculos; imperadores vestidos com roupas imaginárias; esperanças da ressurreição que transcendem as perspectivas monótonas da multidão.
A Igreja levou séculos para reconhecer que a sua louvável obra de evangelização, enquanto construía impressionantes igrejas locais, provocou a desvalorização das culturas nativas que haviam sustentado as pessoas por séculos.
Prestar atenção à história de uma comunidade mundial composta por uma grande variedade de culturas, enfrentando diferentes perigos e aspirando a resultados inimaginavelmente diversos, é empreender uma tarefa gigantesca. Só o Espírito Santo pode fazer isso acontecer.
Mas esse mesmo Espírito age por meio de escolhas humanas. Escolhas dos objetivos certos a serem almejados, com certeza, mas – igualmente significativa – a escolha dos primeiros passos aparentemente inócuos.
A minha esperança é de que a minha experiência e as minhas reflexões possam evitar um desastre.
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Primeira fase do Sínodo: escutar os fiéis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU