10 Junho 2021
"A inteligência artificial e a automação estão transformando a forma como vivemos e trabalhamos. Responder ao impacto social, econômico e religioso que essas novas tecnologias estão causando será o desafio definidor da Igreja ao longo das próximas décadas".
A opinião é de Seán McDonagh, padre missionário columbano irlandês, autor de vários livros sobre ecologia e teologia. Seu livro mais recente é “Robots, Ethics and the Future of Jobs” [Robôs, ética e o futuro dos empregos] (Messenger Publications). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um robô desenvolvido no Japão chamado “Chapit”, que se parece a um rato, pode se sentar ao lado da cama de um residente de uma casa de repouso e se envolver em uma conversa rudimentar.
Outro robô, “Robear”, tem a aparência de um urso, podendo levantar um paciente da cama para uma cadeira de rodas e, posteriormente, colocá-lo de volta na cama.
“Palro”, um pequeno robô humanoide, pode fazer jogos de perguntas ou guiar um grupo de idosos em rotinas de exercícios.
Na casa de repouso Shintomi, em Tóquio, um robô chamado “Pepper” é usado para cuidar e entreter os residentes; também pode monitorar os corredores durante a noite, para que os empregadores não tenham que contratar equipes de segurança.
Os criadores dessas máquinas esperam que elas sejam usadas em casas de repouso em todo o mundo.
Em novembro de 2017, os pesquisadores do Trinity College Dublin lançaram um robô de 1,5 m de altura chamado “Stevie”, que é capaz de se envolver em uma conversa simples e fazer chamadas de vídeo com os seus familiares. Seus inventores acreditam que ele pode reduzir o tédio e estimular a atividade mental em pessoas mais velhas. Também pode lembrá-los de quando devem tomar seus medicamentos, o que é particularmente importante para pessoas com problemas de memória. Stevie também pode ser programado para reconhecer o que é um comportamento normal e anormal para uma pessoa idosa e, se algo está errado, pode avisar um cuidador ou os parentes.
Em 2019, Stevie II foi desenvolvido pelo mesmo laboratório de robótica e inovação do Trinity College e revelado como o primeiro robô socialmente assistivo da Irlanda. Ele foi projetado para uso em casas de saúde e também pode ajudar pessoas com deficiência que moram sozinhas.
Stevie II usa tecnologias de detecção avançadas que incluem telêmetros a laser, câmeras de profundidade e sensores táteis para ajudá-lo a realizar várias tarefas.
O professor Conor McGinn, um dos cientistas que projetou o robô, está ciente das questões éticas e psicológicas envolvidas, por exemplo, onde os residentes idosos em casas de repouso tendem a estabelecer um vínculo mais profundo com o seu robô do que com sua família ou amigos. McGinn vê outras questões éticas em torno dessa nova tecnologia robótica. Ele acredita que, se você construir robôs realistas e semelhantes aos humanos, você estará basicamente enganando as pessoas.
Alan Winfield, professor de ética robótica na Universidade do Oeste da Inglaterra, em Bristol, elaborou uma lista de princípios éticos para engenheiros e programadores que estão projetando robôs que possam ser usados em casas de repouso.
Winfield atua em uma iniciativa global que está tentando estabelecer princípios éticos a serem aplicados a todos os sistemas de inteligência artificial e autônomos, como carros sem motorista, drones, sistemas de diagnóstico médico e motores de busca.
Esses princípios sustentam que tais sistemas não devem infringir os direitos humanos de uma pessoa e que o seu funcionamento deve ser transparente. Winfield acredita que a robótica e a inteligência artificial trouxeram muitos benefícios aos humanos, mas os engenheiros e programadores devem criar robôs que beneficiem a humanidade e a Terra, ao invés de meramente satisfazer a sua curiosidade científica ou o seu desejo de ganhar dinheiro.
Winfield concordaria com McGinn que um robô nunca deve ser projetado para enganar: a sua natureza mecânica deve ser óbvia e transparente para os seus usuários, e deve ficar sempre claro que, embora os robôs sejam máquinas altamente sofisticadas, eles não possuem qualidades humanas, como o entendimento, a preocupação e a empatia.
O último Censo japonês de 2015 constatou que um terço das casas do país são ocupadas por apenas uma pessoa. As empresas responderam criando robôs “waifu”, baseados em personagens de anime populares, voltados diretamente para jovens assalariados solitários. A sua primeira tarefa é acordar seu dono gentilmente todas as manhãs. Em seguida, eles os relembram a levarem o laptop para o trabalho. O “waifu” ouve a previsão do tempo e, se estiver chovendo ou houver sinais de chuva, o proprietário é incentivado a levar um guarda-chuva.
Enquanto o proprietário está no trabalho, o robô envia mensagens afirmativas e se certifica de que o aquecimento da casa esteja ligado antes de ele chegar em casa à noite. Quando o proprietário chega em casa, o robô o cumprimenta e lhe diz o que vale a pena assistir na TV. Por fim, o robô lhe deseja boa noite.
A maioria desses robôs companheiros são apresentados como femininas, e a interação reflete o preconceito misógino em muitas culturas. Além disso, uma relação dependente com um robô pode dificultar que uma pessoa tenha relações de confiança com outras pessoas.
Os avanços no uso clínico da inteligência artificial também terão um efeito profundo na medicina e na força de trabalho médica global. Para dar um exemplo, o aprendizado de máquina provou ser muito eficaz na varredura de imagens de diagnóstico em busca de tumores cancerígenos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 400 milhões de pessoas não têm acesso aos serviços médicos mais básicos. A OMS espera que a inteligência artificial torne os serviços de saúde baratos e acessíveis a todas as pessoas, não apenas àquelas que vivem em países ricos.
Desde 2018, quando uma pessoa telefona para os serviços de emergência na Dinamarca, duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Uma voz humana atende ao telefone, mas um assistente de inteligência artificial também ouve a conversa. Esse dispositivo detecta sinais de um possível infarto assim que o paciente começa a falar. Ele emprega algoritmos chamados de redes neurais, que consistem em muitas camadas de computação diferentes que agem de forma um tanto semelhante aos neurônios que estão conectados no cérebro humano.
Enquanto o paciente que fez a ligação responde a perguntas sobre a sua idade, condição física e médica, o computador escuta às escondidas e usa um software de reconhecimento de fala para examinar as palavras e o tom de voz do paciente. Em seguida, o computador emite uma observação sobre a probabilidade de um infarto.
Em testes médicos, o software detectou paradas cardíacas com precisão em 93% dos casos. De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Copenhagen, um oficial de saúde humana presente no local diagnosticará uma insuficiência cardíaca em apenas 73% dos casos.
Além disso, o computador chega às suas conclusões em 48 segundos, ou seja, meio minuto mais rápido do que um diagnóstico humano. Esse dispositivo tem o potencial de reduzir as fatalidades por infartos e derrames, as principais causas de morte em muitos países desenvolvidos.
A inteligência artificial também têm um efeito profundo sobre o trabalho de médicos, enfermeiros e cirurgiões. Alguns robôs estão atualmente realizando operações oculares que são delicadas demais para um cirurgião humano realizar manualmente. Durante 2018, em Eindhoven, na Holanda, 12 participantes de um teste precisavam remover uma membrana da sua retina, e isso envolvia o corte de várias células que inibiam a sua visão. A delicada operação foi realizada em seis dos pacientes por cirurgiões oculares altamente treinados; os outros seis tiveram a operação realizada por um robô. Embora todas as operações tenham sido bem-sucedidas, constatou-se que os pacientes que passaram pela cirurgia robótica experimentaram menos danos aos vasos sanguíneos, especialmente na parte posterior do olho.
A razão disso é que mesmo os melhores cirurgiões não têm mãos perfeitamente firmes, o que pode levar a pequenas vibrações na ponta dos seus instrumentos. Embora seja algo minúsculo, há partes da retina, como a membrana limitante interna, que têm apenas 0,02 mm de espessura. Seria muito difícil para um cirurgião aplicar a ponta de uma agulha nessas partes sem causar danos mais graves. Por outro lado, um robô cirúrgico opera a 0,01 mm, o que os torna muito úteis para realizar esse tipo de operações.
Na Digital Health London Summit, em junho de 2018, Ali Parsa, fundador da empresa de saúde digital Babylon, argumentou que a tecnologia móvel, juntamente com a inteligência artificial, poderia tornar a saúde universal disponível para as pessoas em todo o mundo, em parte substituindo os médicos por sistemas de inteligência artificial, economizando custos. Ele afirmou que a superlotação hospitalar piorará se dependermos apenas de humanos para fornecer serviços médicos, e o uso de inteligência artificial e tecnologias modernas será essencial para que todos recebam um tratamento médico bom e competente. Mas Parsa acredita que os médicos e outros profissionais da saúde ainda terão um papel central, mesmo na era dessas novas tecnologias.
A única coisa de que podemos ter certeza é que essa tecnologia trará cada vez mais inteligência artificial para a medicina ao longo das próximas duas décadas. Alguns comentaristas especulam agora que essas novas tecnologias reduzirão o número de profissionais da saúde no futuro.
Inteligência artificial, robôs, drones e impressão 3D estão minando a realidade do emprego estável para todos. Há evidências crescentes de que as tendências atuais no emprego estão corroendo a satisfação no trabalho. Quando o trabalho se torna mais automatizado e inflexível, os empregados têm menos controle sobre a sua carga de trabalho.
O Papa Francisco deixou claro que substituir os humanos por máquinas não é bom. Na Laudato si’, ele escreve: “Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano: procedendo assim, a humanidade prejudicaria a si mesma” [n. 128].
Preparar-se e responder aos impactos sociais da inteligência artificial e da automação será o desafio definidor da próxima década ou das próximas duas décadas. Seria desastroso se a Igreja levasse 30 ou 40 anos para responder ao impacto que essas novas tecnologias estão causando. Ao entrarmos nesta quarta Revolução Industrial, temos uma pequena janela de oportunidade para garantir que essas novas tecnologias estejam alinhadas com o mundo aberto, inclusivo e dinâmico que desejamos para todas as pessoas e para toda a Criação.
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Ética robótica e amigos virtuais. Artigo de Seán McDonagh - Instituto Humanitas Unisinos - IHU