A sua consagração episcopal deveria ter sido último domingo, festa de Pentecostes. O Pe. Christian Carlassare não desanima e, do hospital, em Nairóbi, prepara o seu retorno a Rumbek. Imerso desde sempre no sonho missionário, foi no Sudão do Sul que ele aprendeu a fazer causa comum com o povo. Profundamente dentro da realidade, ele se empenha em construir a Igreja acolhendo os desafios e valorizando as potencialidades.
A reportagem é de Filippo Ivardi Ganapini, publicada por Nigrizia, 23-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Pe. Christian Carlassare, 43 anos, missionário comboniano natural de Piovene Rocchette, na Itália, está no Sudão do Sul desde 2005. Trabalhou 11 anos na Paróquia da Santíssima Trindade (condado de Old Fangak), no Estado de Jonglei, na parte oriental do país, onde aprendeu a língua e a cultura Nuer.
Desde 2017, atua em Juba, capital do Sudão do Sul, com a formação dos jovens combonianos sudaneses durante os primeiros passos missionários. De 2020 até hoje, foi vigário geral da Diocese de Malakal, no nordeste do país.
No dia 8 de março passado, o Papa Francisco o nomeou bispo na jovem Diocese de Rumbek, no centro do país, nascida apenas em 1975, onde estão presentes principalmente cristãos Dinka, a outra grande etnia do país.
Pe. Christian Carlassare no Sudão do Sul (Foto: Nigrizia)
Antes da sua consagração episcopal, prevista para o dia 23 de maio deste ano, ele foi vítima de uma emboscada em Rumbek, onde os dois agressores atiraram nas suas pernas na noite entre o domingo, 25, e a segunda-feira, 26 de abril passado. Dezenas de pessoas foram presas, incluindo renomados responsáveis da Diocese de Rumbek, e as investigações estão em andamento.
Nigrizia o contatou por telefone, no seu leito de hospital em Nairóbi, não para retornar às tramas e aos desdobramentos da violência sofrida, mas para repassar juntos o seu caminho de fé e interceptar as intuições missionárias que se abrem para a Igreja a partir daquela periferia geográfica muito particular, tão cara ao Papa Francisco.
Como sentiu o desejo da missão nascer em você? Houve figuras de referência em particular que o inspiraram?
Tudo nasceu desde quando eu era criança, em família. Sempre senti uma grande atração por aquilo que é justo, belo, heroico ou santo. Para olhar sempre além daquilo que supera as expectativas da normalidade. Fiquei marcado pela figura de um tio missionário no Equador, da Congregação dos Josefinos de Murialdo. Ele era o meu ideal de uma pessoa realizada e feliz, que vive pelos outros. Devo muitíssimo à minha família, onde respirei uma fé sempre aberta à alteridade e à comunidade cristã, verdadeiro centro de agregação para todo o país, onde encontrei belíssimas figuras de padres, animadores e catequistas.
Para mim, a fé era fundamentalmente um compromisso, e isso me trazia uma grande alegria. Lembro-me do caminho dentro da Ação Católica, que marcou as minhas escolhas futuras. Em um campo em Assis, respirei pela primeira vez o espírito da vida religiosa, de São Francisco, e disse a mim mesmo: “Serei religioso”. Depois, um retiro em Pádua, onde nasceu o desejo de ser padre e o encontro com os missionários combonianos por ocasião do martírio do Pe. Egidio Ferracin, em Uganda, no dia 4 de agosto de 1987. A partir daquele momento, comecei a receber e a ler a Piccolo Missionario, a revista dos combonianos para as crianças, e a paixão crescia dentro de mim.
Em 1991, quando celebramos o funeral do meu tio missionário, chorei porque ainda não tinha conseguido conversar com ninguém sobre esse desejo que que trazia no coração. Lembro que, durante o funeral, olhei para o sacrário e senti um grande encorajamento ao perceber que o Senhor abriria o caminho para mim. No ano seguinte, comecei a frequentar a casa dos combonianos de Thiene e me tornei amigo de alguns dos missionários com quem me identifiquei muito. Eles me acompanharam e me ajudaram a expressar os meus sentimentos, com sinceridade, como eu era. Em 1994, entrei para fazer uma experiência naquela comunidade de Thiene, enquanto estava concluindo o Ensino Médio e, a partir daí, cresceu a vocação missionária. Entre todos os combonianos, fiquei marcado pelo encontro com o Pe. Giovanni Fenzi, missionário no Sudão. Ele me acolheu e fez com que eu me apaixonasse pela África.
Mapa do Sudão do Sul (Foto: Nigrizia)
Como foi o primeiro impacto com o Sudão do Sul? Com as pessoas, a cultura. O que o ajudou a se inserir?
Acima de tudo, quero recordar os 11 anos de preparação, de 1994 a 2005, que fiz nas casas de formação na Itália. Uma preparação à distância, mas forte e paciente, que me fez chegar à África com um grande desejo e uma grande energia. Eu era jovem, tinha 28 anos, e isso me permitiu me projetar 100% nessa missão entre os Nuer, como se não houvesse mais nada para mim. Toda a minha mente, força e energias foram investidas em entrar, conhecer, amar, compartilhar o Evangelho com essas pessoas. Imediatamente senti o mais completo isolamento do resto do mundo. Não tínhamos telefone, internet, eletricidade. Estávamos em um pequeno vilarejo, isolados do mundo. Não sabíamos o que acontecia lá fora, exceto quando saíamos uma vez por ano, mas isso nos permitiu nos inserir de uma forma única na comunidade local como a única realidade que realmente importava naquele momento. Absolutamente contracorrente em relação à realidade moderna, em que corremos o risco de sair em missão e depois ficarmos mais conectados na internet com pessoas do outro lado do mundo do que com as próprias pessoas com quem vivemos.
Eu entendi que, para ser missionário aqui, eu tinha que acolher a realidade assim como ela é, e não como eu gostaria que ela fosse ou como ela deveria ser. Eu sentia que a minha missão era fazer a minha parte dentro dessa realidade. A simpatia das pessoas me ajudou, embora nem tudo, na língua e na cultura do lugar, que era tão fáceis de aceitar. Observar, escutar, entender sem julgar e assimilar me ajudou a conhecer e, pouco a pouco, a montar todo o quebra-cabeça. Foi uma imersão profunda na realidade que as pessoas vivem, tentando não usar comparações demais, comparações demais, julgamentos demais sobre coisas que depois correm o risco de nos levar a não entender nada sobre as pessoas.
Fiquei imediatamente impressionado com a grande pobreza que encontrei, nem tanto de recursos, porque não faltava nada a ninguém. Eles tinham gado, leite e comida. Mas não tinham meios. Eu me perguntava: “Mas como faremos para levar em frente a missão de difundir o Evangelho, a escola, o desenvolvimento sem meios?”. Faltavam completamente os meios. Mas descobri que o meio principal não eram os recursos, o computador, a eletricidade, o dinheiro ou qualquer coisa. O maior recurso é a pessoa. Até mesmo para as próprias pessoas, o seu principal recurso é a disponibilidade de cada pessoa a fazer parte daquela sociedade, e assim nós, missionários, vivemos a mesma experiência. A missão parte não daquilo que temos ou podemos obter, mas das próprias pessoas que somos e da capacidade de dar esperança a partir daquilo que somos como pessoas. As referências mais importantes que eu tive nos primeiros anos foram justamente os confrades que trabalharam nesses contextos. Missionários de grande experiência, humanidade e abertura não só mental, mas também cultural e religiosa. Entre eles, Alberto Modonesi, Luciano Perina, Francesco Chemello e certamente, pelo método pastoral de inserção e testemunho de pobreza radical, Antonio Labraca.
(Foto: Nogrizia)
Quais aspectos da cultura Nuer lhe pareceram mais próximos do Evangelho?
O Evangelho se contagia através das categorias culturais que já encontramos presentes entre as pessoas, e isso é muito importante. Portanto, não é trazer de fora conceitos impregnados de outras culturas e conteúdos abstratos, mas reconhecer e fazer germinar a partir de dentro alguns valores que já estão presentes. O que eu encontrei mais próximo da sensibilidade do Evangelho é a força deste povo e a dignidade da vida. Ou seja, a vida antes de qualquer outra coisa. É um valor muito forte na realidade Nuer. A vida sempre deve ser preservada desde o seu nascimento até a sua morte. Não importa se é forte ou fraca, saudável ou doente, jovem ou velha, a pessoa tem uma dignidade imensa e deve ser respeitada. De fato, os casos de violência ou de conflito mais marcantes ocorrem quando não se reconhece a dignidade de uma pessoa, aquilo que ela sente, deseja ou quando não é ouvida.
Outro aspecto estupendo da realidade Nuer é a igualdade de todas as pessoas. Não há classes sociais, aqueles que estão acima, aqueles que estão abaixo, aqueles que mandam, aqueles que servem. Não. Cada pessoa tem a sua própria dignidade, mesmo que, na realidade, o homem é considerado mais do que a mulher. Cada homem é um chefe de família. Não há alguém que seja mais chefe do que outro, mesmo que haja a pessoa que é encarregada de assumir a responsabilidade de coordenar as famílias; portanto um líder do grupo ou quem assume uma posição em nível de governo. Mas a igualdade de cada pessoa permanece intacta, mesmo assim. Mesmo que alguém tenha uma posição de prestígio em nível social – é um médico ou o próprio presidente, por exemplo –, essa pessoa é reconhecida pelo seu papel, mas não é mais importante do que os outros. Por isso, não é raro ver pessoas em postos de responsabilidade que têm atitudes de grande humildade e proximidade aos últimos. Existem pessoas muito simples nas comunidades que, mesmo assim, têm o orgulho e a confiança para se relacionar com os outros no mesmo nível, porque são sempre e acima de tudo pessoas. Eu aprendi isso com os Nuer e sempre guardarei isso comigo.
Há também outros pontos a sublinhar: a importância da participação, de ser ativo. Todos na sociedade se esforçam para melhorar as condições de vida. Obviamente, se uma pessoa tem mais, compartilha mais. Se uma pessoa tem menos, compartilha menos, mas tendencialmente é uma sociedade na qual todos são convidados a participar, a ser ativos, responsáveis e, portanto, também a compartilhar. Ninguém é mais rico do que o outro, porque todas as propriedades praticamente são comuns. Tudo o que há na comunidade é usado e é para o bem de todos.
A acolhida merece uma menção. A acolhida reservada aos estrangeiros, aos viajantes, tão importante em uma cultura seminômade, em que o movimento contínuo faz com que haja uma densa rede de solidariedade entre quem é sedentário, mais frequentemente as mulheres com as crianças, e quem viaja. A mulher, quando cozinha todos os dias, sabe que deve cozinhar para a família, mas também para o hóspede que chegará antes do anoitecer. Eu hospedo porque sei que também serei hospedado. Um ponto que eu gosto muito dos Nuer, e também de outras etnias nilóticas, é essa segurança de si que os ajuda a serem abertos, a se expressarem por aquilo que são, sem complexos de inferioridade e com grande desejo de liberdade para serem aquilo que sentem que devem ser, a nunca serem forçados a alguma coisa.
Isso também os caracteriza no tipo de liderança que estabelecem e que nunca é submissão. A submissão não funciona entre os Nuer. Quando há encontros tanto em nível de sociedade quanto de Igreja, e há decisões a se tomar, sempre é preciso tomá-las de modo consensual, através de longos e pacientes percursos de diálogo e de debate. Jamais impondo algo de cima para baixo, porque seria rejeitado, mesmo que se trata de decisões boas, mas não tomadas em conjunto. É bonita essa dinâmica, que torna sólida a comunidade.
(Foto: Nigrizia)
Como mudou a sua relação com Deus nesses anos de missão? Que comunidades cristãs você encontrou? Em que elas se assemelham às primeiras comunidades dos Atos dos Apóstolos? O que aprendeu com elas?
Encontrei um Deus presente de muitas formas e de muitas maneiras, e que muitas vezes eu não esperava, nas pessoas mais diferentes, nos mais pobres, nas pessoas mais simples e distantes. Lá o Senhor fala alto. Transforma os corações. Em todos esses anos de missão, senti Deus profundamente presente na minha vida e na vida das pessoas como Aquele que orienta, fala, acompanha. Nunca me senti sozinho. Sempre o senti ao meu lado, e tudo o que acontecia todos os dias tinha um sentido: quer se tratasse de algo alegre ou de uma fadiga. Descobri um Deus presente, no meio das pessoas. Um Deus que deve ser adorado e contemplado na vida concreta, não só no livro sagrado, mas também na vida sagrada das pessoas, na sua simplicidade.
Se a minha relação com Deus mudou? Certamente cresceu. Cheguei à África recém-ordenado padre. Como sempre repeti ao meu povo, as mãos do bispo Flavio Carraro me ordenaram padre em Verona, mas foi o povo do Sudão do Sul que realmente fez com que eu me tornasse um guia, pastor, irmão, para fazer causa comum com eles. E para me fazer descobrir o rosto de Deus, única força que dá vida, que faz viver e superar dificuldades imensas devido ao estilo de vida muito difícil do ambiente Nuer, mas, acima de tudo, nas realidades do conflito, das injustiças e dos assassinatos. O Deus da vida que dá força às pessoas e valoriza essa vida como algo realmente importante, o essencial, sem cuja presença não se pode viver, porque tudo não teria sentido e, em todo o caso, não se conseguiria superar e enfrentar a vida se ele não estivesse presente.
Praticamente, o que os missionários encontraram quando chegaram aqui? Encontraram comunidades já sedimentadas, mas que precisavam fazer um percurso de comunhão para aprender a estar juntos, a se organizar, a receber os sacramentos e a viver um caminho de Igreja, vencendo juntos as dificuldades que encontravam. Quais dificuldades eu encontrei? Acima de tudo, o fato de que formar essas comunidades era também uma necessidade para o surgimento dos catequistas. Não podiam ser chefes locais, eles não eram tão escolarizados, mas, sendo catequistas, se tornavam líderes. E isso era muito atraente para alguns que se deixavam levar pelo orgulho.
Depois, havia várias problemáticas de competição entre líderes, entre comunidades e muitas vezes também grandes conflitos, tanto que tinham dificuldade em se encontrar ou trilhar um caminho comum. Eram comunidades um pouco por contra própria, com as próprias originalidades e grandes diversidades. Além disso, não havia tanta formação. Havia simplesmente o ensino das orações e uma forma rudimentar de catecismo. Alguns catequistas batizavam a toda velocidade, sem exigir escolhas importantes de vida cristã. A compreensão do ser Igreja também era muito limitada, e muitas vezes a grande quantidade de jovens que se reuniam nessas comunidades era mais por um senso de pertença e para se encontrarem juntos para cantar e dançar do que por uma verdadeira mudança de vida.
Por isso, a chegada dos missionários foi realmente importante e deu uma contribuição profunda. As comunidades cristãs entre os Nuer são muito interessantes, porque se baseiam nos leigos e na fé. Os Nuer praticamente sempre rejeitaram a evangelização, porque sentiam que era um processo importado de fora, dos missionários. Estes nunca realmente paravam entre eles, especialmente os católicos, mas também os protestantes nunca tiveram muito sucesso. Mas quando os Nuer saíram das suas terras por causa do conflito, nos anos 1970, principalmente em Cartum, e nos anos 1980 na Etiópia, eles se misturaram a outras culturas e registraram as primeiras conversões. Essas pessoas não se sentiam apenas convertidas para se tornarem cristãs, mas também enviadas para compartilhar aquilo que aprenderam com uma força extraordinária. Então, quando voltavam de Cartum ou, depois dos anos 1990, da Etiópia, elas se sentiram chamadas a reunir as pessoas e as famílias em torno de pequenas comunidades cristãs.
Obviamente, ainda era difícil falar de Igreja, propriamente, porque estavam todos um pouco divididos, já que cada “figura carismática” (cada catequista se autodenominava assim) reunia, acima de tudo, a própria família, o próprio clã e figuras simpatizantes, mas não eram muito unidos entre si. Só posteriormente, graças à figura de alguns catequistas, eles começaram a se coordenar e a se conectar de algum modo uns aos outros, embora a individualidade de cada comunidade cristã permanecesse muito forte. No entanto, eram semelhantes às comunidades cristãs dos inícios, porque eram formadas por leigos de fé simples e resistentes em um contexto de conflito, solidários, portanto, para enfrentar todas as dificuldades que encontrariam. E isso certamente é muito bonito. Só mais tarde, em 1996, chegaram os primeiros padres para se estabelecer ali: Antonio Labraca, Fernando Gallarsa e todos os que se seguiram.
(Foto: Nigrizia)
Que caminhos proféticos você entrevê para a evangelização no Sudão do Sul hoje? Como os documentos e a mensagem do Papa Francisco podem ser praticados concretamente na missão no Sudão do Sul?
Os caminhos devem ser trilhados. Obviamente, alguns podem ser mais proféticos do que outros. Penso que, no fundo, a evangelização é sempre um caminho trilhado em várias estradas: eu tenho sempre a aprender com que passou antes de mim. Vou caminhar, portanto, nessas mesmas estradas, talvez enriquecidas também pelas inovações que nascem ao longo do caminho. Na África, descobrimos que devemos fundamentar a evangelização na fé grande das pessoas, para fazer com que ela também se torne uma opção de vida pessoal e comunitária. Devemos construir comunidades.
Muitas vezes se diz que a primeira evangelização é falar de Jesus a quem nunca ouviu o seu nome. Eu não concordo muito. Acho que a primeira evangelização é construir Igreja onde ela ainda não existe. Agora, todos já ouviram falar de Jesus, mas ainda não existe o seu corpo que é a Igreja. Não tanto a hierarquia, mas a comunidade. Devemos trabalhar muito para mobilizar a comunidade, favorecer a participação, promover as pequenas comunidades cristãs, que encontram soluções para a realidade inspiradas no Evangelho, mas que ainda estão começando na África oriental.
Caminhos proféticos para o anúncio do Evangelho neste contexto? A Pastoral Familiar que não existe e seria fundamental para criar comunidade, pois as famílias são a sua base. Evangelizar a política fortalecendo o senso cívico das pessoas, formando as consciências, a participação na vida social, o trabalho no setor da justiça e paz que deveria estar presente em todas as dioceses e paróquias. Também é preciso evangelizar a economia, tornando-a solidária e não predatória e desumana, fagocitando tudo, como ocorre em nível nacional. Além disso, obviamente, a atenção aos mais pobres e abandonados. Devemos ter uma visão nova da Igreja, criativa, viva, próxima das pessoas. Fundamentalmente, é necessário um Concílio Vaticano III sobre tantos aspectos ligados aos sacramentos, às estruturas, para chegar ao coração da mensagem cristã, como indica o Papa Francisco.
(Foto: Nigrizia)
Hoje, a missão pede cada vez mais que se faça as contas com um sistema profundamente injusto que se enriquece sobre as costas dos pobres. Como vocês vivenciam e denunciam isso no Sudão do Sul? Que esperança vocês anunciam?
Essa pergunta me reconecta com a ideia do local e do global, no sentido de que devemos evangelizar localmente, mas o sistema injusto é global e estende os seus tentáculos a todas as comunidades. Nós, missionários, às vezes corremos o risco de nos concentrarmos em uma realidade particular, vendo apenas os problemas locais. Isso ocorre conosco no Sudão do Sul, porque os problemas são realmente muitos: dos conflitos às armas, da exploração dos recursos, como terra e petróleo, às divisões étnicas. Às vezes, eu digo às pessoas: “Estamos aqui para nos matar por um riacho para levar as vacas para beber? Será que nos damos conta de que existem guerras muito mais perigosas do que as do Sudão do Sul? Estamos destruindo a terra, e talvez o mundo não terá muitos anos de vida...”.
Penso, então, que é importante lutar nas situações locais transmitindo também uma visão mais global às pessoas, conscientizando-as de que os problemas que vivemos no país talvez estejam muitas vezes interligadas com realidades muito mais amplas e complexas. Muitas vezes, denunciamos a exploração dos recursos que fomentou os conflitos no Sudão do Sul, mas as pessoas realmente custam a iniciar um diálogo sobre isso e tendem a ver as pequenas problemáticas que têm entre elas, sem perceberem o pano de fundo muito mais amplo das dinâmicas mundiais.