O mercado de trabalho e os trabalhadores em vulnerabilidade social

Coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”

08 Mai 2021

 

“O novo padrão de desenvolvimento instalado nos países da América Latina no final da década de 1990, produziu um impacto cuja matriz característica é a vulnerabilidade social, em especial no trabalho. Estamos mais vulneráveis em todas as partes do mundo. O novo mercado de trabalho deixa os indivíduos inseguros com relação ao futuro, relacionado com o emprego e o seu sustento. A diminuição do Estado benfeitor elimina as redes de seguridade e a crise financeira agora se torna uma crise social”, escreve Angela Ester Mallmann Centenaro, em artigo para a coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”.

Angela Ester Mallmann Centenaro tem graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (1996), mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, e doutorado em Ciências Sociais, pela mesma Universidade (2013). É professora efetiva da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, no Curso de Ciências Econômicas.

 

Eis o artigo.

 

Introdução

 

No início do novo século, a vulnerabilidade se constituiu no aspecto social dominante nos países subdesenvolvidos (emergentes). O predomínio do mercado na vida econômica, a globalização e a mudança das funções do Estado (Estado Mínimo) provocaram alterações nas relações econômico-sociais, deixando amplas camadas da população de média e baixa renda nos países latino-americanos expostas à insegurança em relação aos vínculos de contratação, à renda e à proteção trabalhista, previdenciária e social.

As mudanças estruturais que tinham servido de base para a consolidação deste novo padrão de organização capitalista manifestaram-se também a partir de um conjunto de políticas que buscaram readequar a legislação social e trabalhista a esta nova realidade, onde os interesses financeiros hegemônicos atribuem à livre atuação dos mercados a via “natural” para a retomada do desenvolvimento e o alcance de uma maior equidade social. Estas readequações pressupõem severas limitações ao papel regulador do Estado sobre a economia e restrição de suas ações a um universo, cada vez mais reduzido, de políticas sociais de caráter não universalizantes.

Partindo desta premissa, pretende-se avançar pela pura conceitualização de vulnerabilidade social apresentando suas principais dimensões: o mercado de trabalho, o capital humano, o capital físico do setor informal e as relações sociais.

A vulnerabilidade se constitui no problema social dominante na América Latina. Os impactos provocados pelos novos tipos de produção, pelas instituições e pelos valores (materiais) que caracterizam o novo padrão de organização da produção aplicado aos países latino-americanos, têm deixado para os grupos menos abastados, elevados níveis de insegurança. Desde a constituição dos Estados Independentes, a pobreza e a má distribuição de renda estiveram presentes no capitalismo subdesenvolvido. A estes fenômenos, agora, se agrega a vulnerabilidade social na forma que o capitalismo adotou nos últimos anos: a globalização da economia e o “Estado Mínimo”.

A vulnerabilidade social é o resultado dos impactos negativos (desemprego é o maior) provocados pela nova economia e expressa a incapacidade dos grupos mais fracos da sociedade para enfrentá-los, neutralizá-los e obter benefícios deles. Frequentemente identificamos a condição de pobreza (falta de dinheiro) com vulnerabilidade. Mas, isto não é bem assim. Um empregado urbano está numa situação mais vulnerável comparando-o com um campesino que vive da agricultura familiar, com uma renda semelhante. Se compararmos as condições de vida, vemos que os campesinos sofrem menos com programas de ajuste econômico e aos golpes de natureza macroeconômica. Portanto, as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza (recebem menos de um salário mínimo per capita), não estão qualificadas, necessariamente como vulneráveis, porém se enquadram como tais por sua localização geográfica. Pode-se afirmar então, que os trabalhadores urbanos, ao depender basicamente da renda proveniente do emprego e mais expostos às regras impostas pelo padrão vigente, se encontram mais vulneráveis socialmente.

O risco do desemprego não é próprio da América Latina. Porém se manifesta mais acentuadamente em locais geograficamente conhecidos como subdesenvolvidos. A curva de desemprego estrutural (existente por causas estruturais como crises) coloca a palavra ‘exclusão’ como conceito central na explicação das particularidades que foram adotadas pelo mercado de trabalho.

Segundo Paugam (1999), a desqualificação (exclusão) representa uma ruptura de pertencimento, de vínculos societais. O desqualificado é aquele cuja trajetória é feita de uma série de rupturas com relação a estados de equilíbrio anteriores, mais ou menos estáveis, ou instáveis. De acordo com o autor (p. 46), nas sociedades modernas a pobreza não é somente o estado de despossuir, ela corresponde a um status social específico “inferior” e desvalorizado, que marca profundamente a identidade de todos os que vivem em sociedade.

Para entender a nova realidade da América Latina, usa-se aqui do conceito de exclusão, alertando que o conceito é discutível, tendo em vista que não se pode falar em exclusão se não houve inclusão, e onde a precariedade do trabalho está presente em todos os setores.

Por outro lado, existem outras dimensões da vida social e não só do trabalho, nas quais o risco e a inseguridade são dominantes e que serão mencionados ainda neste texto.

Observamos estas diferenças, no texto de Hogan (2006) quando explica,

"[...] porque há alterações na própria tessitura social e geográfica que imprime modificações na relação risco/proteção ou segurança/insegurança no atual estágio na modernidade. Estas alterações deslocaram o risco de um espaço circunscrito para o próprio mecanismo da reprodução social (HOGAN, p. 34, 2006)".

Portanto, as relações podem ser diferenciadas por região, espaço, grupos de indivíduos e até por indivíduos. Nesta linha de raciocínio, pode-se dizer que o conceito de vulnerabilidade parece ser mais apropriado para compreender o impacto provocado pelo novo padrão de desenvolvimento no plano social e para captar essa maior exposição a riscos em que se encontra a maioria da população da América Latina atualmente.

Não é necessário criar um novo corpo científico disciplinar para estudar a vulnerabilidade para que haja acordo sobre o sentido que este estudo aponta: o reconhecimento de que a vulnerabilidade envolve uma gama de fenômenos de natureza multidimensional e multifacetada, que torna imperativo o diálogo e um olhar mais abrangente diante do tema (HOGAN, 2006).

Neste paper pretende-se entender algumas dimensões da vulnerabilidade, na linha de pensamento de Paugam (1999) quando explica que falar em desqualificação social significa abordar situações relativas à situação de pobreza vinculadas aos processos de exclusão do mercado de trabalho. E confirmado por Castel (1998) quando afirma que não podemos esquecer da importância que o desemprego tem para a sociedade salarial, na medida que ajuda a equilibrar o mercado. E continua dizendo que a precarização torna-se um dos principais riscos para a contemporaneidade, uma vez que alimenta, sem limites, a vulnerabilidade social, contribuindo, ao mesmo tempo, com a ampliação do processo de desfiliação (exclusão) (CASTEL, 1998).

 

Conceito de vulnerabilidade e a diferenciação da pobreza

 

Partindo da explicação de Robert Castel (1998), o conceito de vulnerabilidade se refere àquela diversidade de situações intermediárias e ao processo pela qual se está em risco de engrossar o espaço de exclusão. Vulnerabilidade não é exatamente o mesmo que pobreza, se bem que a inclui. A pobreza faz referência a uma situação de carência efetiva e atual, enquanto que a vulnerabilidade transcende esta condição projetando para o futuro a possibilidade de padecer, a partir de certas debilidades que se constatam no presente. Deste ponto de vista é um conceito mais dinâmico e ampliado. Em seu sentido amplo a categoria de vulnerabilidade reflete duas condições: a dos grupos vulneráveis que se assimila à condição de pobreza, quer dizer que já padecem de uma carência efetiva implicando a impossibilidade atual de sustentabilidade e desenvolvimento, além de uma debilidade futura a partir desta incapacidade; e a dos grupos vulneráveis para quem já tiveram suas condições de vida deterioradas, porém ainda possuem alguma condição de materialidade, mas apresentam uma situação de grande probabilidade de perdê-la num futuro próximo.

Os termos vulnerabilidade e grupos vulneráveis são utilizados com frequência nos debates acadêmicos e governamentais da América Latina. Os fortes impactos sociais provocados pelos programas de ajuste têm responsabilidade na incorporação desta nova terminologia. Porém, ainda não foi construído um conceito de vulnerabilidade social próprio. A qualidade do termo deve-se à sua capacidade de captar situações intermediárias de risco localizadas entre situações extremas de inclusão e exclusão, dando um sentido dinâmico para o estudo das desigualdades. As zonas de vulnerabilidade estão em constante conflito buscando manterem-se inseridos na economia, ampliando, inseridos na sociedade. Tudo isso depende da estrutura de oportunidades existentes em cada país em um dado momento histórico.

O estudo de vulnerabilidade tem se estendido mais com enfoques sobre a pobreza, pois, ao expressar uma condição de necessidade resultante da baixa renda, os cientistas sociais se encontram limitados para compreender o mundo dos desamparados. Então, o enfoque de vulnerabilidade ao dar conta da incapacidade de defesa, insegurança, exposição aos riscos, conseguem ter uma visão mais integral sobre as condições de vida dos vulneráveis e conhecem as estratégias das próprias comunidades e famílias para enfrentar os problemas que as afetam.

Na realidade, o enfoque sobre a pobreza somente descreve determinados atributos de comunidades famílias e pessoas, sem se preocupar com os processos causais que lhe dão origem. A vulnerabilidade se refere ao caráter das estruturas e instituições socioeconômicas e ao impacto que estas provocam em certos grupos em distintas dimensões da vida social. Esta diferença conceitual tem, desde logo, importância explicativa, tendo incidência nas políticas públicas, com tratamentos que permitam atacar a pobreza e a vulnerabilidade de forma integral.

Ao diminuir as redes de proteção social do Estado nas questões de saúde, educação e seguridade social, principalmente as comunidades impactadas pela cobrança de maior desempenho e maior precariedade no trabalho, os grupos afetados tiveram e devem implementar estratégias baseadas no manejo de seus próprios recursos para defender suas condições de vida.

As iniciativas, capacidades e gestão dos recursos escassos devem ser valoradas, porém o Estado não deve prescindir de sua atividade reguladora, compensatória e de proteção social (LAVINAS, 2000). Pelo contrário, a este cabe uma responsabilidade de garantir uma seguridade mínima a todas as pessoas e de facilitar o acesso a oportunidades semelhantes a todos os membros da sociedade. Desta maneira, se abre um campo nas políticas e programas públicos para enfrentar os desafios da vulnerabilidade sobre a base de uma convergência entre os recursos e estratégias existentes nas comunidades e famílias e as iniciativas e recursos do Estado.

O conceito de vulnerabilidade é importante para entender o impacto psicossocial que este novo modelo econômico produziu nos habitantes da América Latina. A pobreza, a insegurança e a fragilidade dos grupos sociais são produtos da globalização econômica.

 

A vulnerabilidade como enfoque da nova realidade social

 

O conceito mais discutido, no fim dos anos 1990 sobre a realidade social é a vulnerabilidade apresentada à população mais carente, pelas mudanças de paradigmas econômicos, sociais e políticos ocorridos a partir da década de 1980. Porque aquém das condições de pobreza e de concentração de renda, próprias do subdesenvolvimento, as políticas de mercado aberto fazem com que a população de renda mais baixa, principalmente urbana, se sintam inseguras e indefesas frente à sociedade e ao mercado.

Existem fatores de caráter objetivo e subjetivo que permitem algumas explicações. No caráter objetivo existe, em primeiro lugar, a acentuação da heterogeneidade produtiva, com efeitos na ocupação de espaços, na divisão social do trabalho e maior precarização deste. Pode-se agregar a flexibilização do trabalho, não direito ao seguro desemprego, com impacto na proteção dos assalariados. Em segundo lugar, os sistemas de educação, saúde e previdência diferenciados para as camadas de população de alta e baixa renda. Em terceiro lugar, a diminuição da quantidade de sindicatos e sua menor significação como instrumentos de compensação de poder frente aos patrões. E, finalmente, o crescimento do setor informal da economia, com impactos no emprego.

No plano de caráter subjetivo, parece ter aumentado um sentimento de insegurança nas camadas de renda mais baixas gerado pelo Estado Protetor, podendo incluir aqui, valores fomentados pela nova economia de que o esforço pessoal deve ser maior que o esforço coletivo na luta pela sobrevivência.

Certamente, o predomínio do mercado na vida econômica e os desdobramentos das funções que o Estado teve no passado, ampliaram os espaços de atuação de certas camadas da população, com novas e maiores oportunidades profissionais e de negócios. Porém, por outra parte, também provocaram uma mudança na curva da economia e nas instituições que acentuaram as condições de vulnerabilidade das pessoas e famílias com menores rendas, principalmente das áreas urbanas, onde se encontram expostas a maiores riscos.

O padrão de desenvolvimento de economia aberta permitiu maiores oportunidades de emprego, para a camada da população preparada, devido a sua base produtiva estar centrada no setor industrial. Desta população preparada fazem parte os jovens que se dedicaram aos estudos de informática, redes, comunicação, enfim, todos os “novos” postos de trabalho antes não existentes. Houve mudanças no setor público antes muito inchado como produtor e regulador e vigoroso gerador de postos de trabalho, atualmente, mais enxugado. As políticas de proteção da economia interna oferecem maiores garantias de sustentabilidade aos produtores e finalmente, a universalização da saúde, educação e previdência social, que subsidiava implicitamente grupos de renda alta, hoje está um pouco mais democratizada (pelo menos aparentemente).

Tanto nos anos 1960, quando surgiu o conceito de marginalidade, como nos anos 1990, com o conceito de vulnerabilidade, a pobreza e a concentração de renda têm estado presentes nos países da América Latina. Portanto, a marginalidade outorgou distinção ao padrão de desenvolvimento do pós-guerra com o vigoroso crescimento experimentado pelo êxodo rural, atraídos por maiores oportunidades que oferecia o emprego na indústria e o setor público, assim como pelas políticas sociais que favoreciam especialmente os grupos urbanos. Estes grupos provindos das áreas rurais, sem especialização e sem “educação formal”, acabaram sendo marginalizados nas periferias das cidades.

Atualmente os marginalizados também se tornaram mais vulneráveis, resultado dos maiores riscos provocados pelo estilo de produção e as instituições econômicas e sociais características de uma economia que se vê obrigada a melhorar sua presença competitiva no mercado mundial.

Pode-se assim dizer que a persistência da pobreza e a má distribuição de renda são fenômenos que constatam as carências e desigualdades próprias do capitalismo subdesenvolvido; assim como a vulnerabilidade é um aspecto social dominante próprio do novo padrão de produção.

Resumindo, podemos dizer que a pobreza é uma medição estatística dos recursos monetários enquanto a vulnerabilidade é o impacto do sistema econômico e das instituições econômicas sobre os recursos das pessoas. Mesmo assim, existem pontos de encontro entre pobreza e vulnerabilidade, já que o conjunto dos recursos ao alcance dos indivíduos são os que definitivamente podem gerar maiores ou menores rendas e estes se encontram nos âmbitos do trabalho, do capital humano, do capital social e do capital físico.

 

As dimensões da vulnerabilidade social

 

Em maior ou menor medida, os recursos de que as famílias e pessoas dispõem, nas áreas urbanas da América Latina sofreram o impacto do novo padrão de desenvolvimento deste início de século. Assim, a vulnerabilidade se manifestou em distintas dimensões da vida social, apresenta-se a seguir quatro dimensões que se julga importantes para essa reflexão: mercado de trabalho, capital humano, capital físico da economia informal e relações sociais.

 

Mercado de Trabalho

O novo padrão de desenvolvimento, assim como abriu muitas oportunidades em vários setores da economia, também fechou muitos postos de trabalho deixando os grupos de baixa renda fragilizados. Porém, a partir do enfoque da vulnerabilidade estes grupos poderiam impulsionar a política pública e posicionar-se da melhor maneira frente a este padrão vigente. Em toda a América Latina os grupos urbanos sofreram este impacto e a vulnerabilidade se alastra dos anos 1990 até os dias atuais em várias dimensões da vida social.

O mais importante dos recursos gerados pelos grupos de média e baixa renda nas áreas urbanas, é sem dúvida o trabalho na maior parte das vezes braçal. A forma de produção atual dispensa gradualmente esta força de trabalho substituindo-a pelo trabalho intelectual e tecnológico. Esta condição de precariedade do trabalho resultante das políticas de flexibilização e a expulsão da força de trabalho braçal tem provocado uma alta condição de vulnerabilidade do trabalho.

Atualmente, o emprego moderno nas grandes empresas se restringe a pessoas com formação altamente qualificada. O restante das oportunidades se reduzem aos ramos de baixa produtividade nas micro e pequenas empresas, que normalmente oferecem salários baixos e se caracterizam pela precariedade. É possível constatar um estreito vínculo entre a vulnerabilidade social e emprego, se tornando um novo paradigma.

Este vínculo explica algumas estratégias de mobilização de recursos para reduzir a vulnerabilidade das comunidades e famílias de baixa renda podem ser em alguns casos, convertidos desde o ponto de vista do conjunto da sociedade. Quando, por exemplo, um pai de família perde o emprego e não consegue se restabelecer no mercado de trabalho, faz com que os filhos larguem os estudos e tratem de ter uma renda para ajudar a família. Estas atitudes afetam a sociedade, no que tange a limitação do capital humano (desqualificado) e consequentemente, o potencial econômico de um país.

Nisso, é ineficiente a existência de recursos e iniciativas na sociedade civil para reduzir a vulnerabilidade, pois, as comunidades, famílias e pessoas possuem recursos e oportunidades distintos, que são manifestamente desiguais conforme os estratos sociais a qual pertencem. Para essa reflexão, afirma-se que o mercado, o Estado e a sociedade são determinantes para que os grupos possam maximizar seus recursos para enfrentar a vulnerabilidade.

Os governos tentam dar ênfase a políticas e programas de educação e capacitação para favorecer uma melhor adequação dos trabalhadores ao novo sistema de produção, porém, geralmente, estes são escassos e com pouco êxito.

 

Capital Humano

A formação de capital humano é uma outra dimensão de vulnerabilidade. No final da década de 1990 a educação e o sistema de saúde públicos não asseguravam as mesmas garantias de fortalecimento do capital humano. A proliferação da educação privada provoca um aumento de vulnerabilidade nos educandos das camadas mais baixas da sociedade. As escolas privadas oferecem uma melhor infraestrutura e qualidade formativa, enquanto que as escolas públicas carecem de estrutura física e humana, deteriorando assim a vida acadêmica. Como foi comentado que o acesso ao emprego já é restrito pelo novo padrão de produção, este acesso se restringe mais ainda aos educandos do sistema público.

Ligado também ao capital humano está o sistema de saúde que trata dos problemas orgânicos da população economicamente ativa e seus dependentes. A vulnerabilidade do setor de saúde se apresenta quando visamos os serviços públicos. Estes serviços oferecem menor grau de proteção, tecnologias obsoletas, sistemas de administração ineficientes e insuficientes recursos com que conta a saúde pública nos países da América Latina. Os grupos dependentes deste sistema de saúde estão em constante risco quando não podem ser atendidas oportunamente ou não podem ter acesso à medicina de ponta por seus altos custos. Não tendo acesso a um sistema de saúde eficaz, o capital humano se torna fragilizado (doente), portanto, fazendo parte desta dimensão da vulnerabilidade.

 

Capital Físico do Setor Informal

Uma terceira dimensão se encontra no enfraquecimento do capital físico do setor informal. A globalização da economia provocou um considerável crescimento do setor informal da economia. Assim, os trabalhadores informais (artesãos, microempresários, prestadores de serviços unidades econômicas solidárias, ...) veem enfraquecendo seus ativos produtivos que se limitam às políticas estatais de proteção e subsídios.

Assim como a terra é o ativo mais produtivo importante para o campesino, assim a utilização de um espaço, pequenos maquinários, ferramentas e veículos de transporte são importantes para enfrentar os impactos provocados pela nova dimensão do trabalho. Os proprietários de espaços físicos em tempos de crise podem alugar seus espaços ou mesmo desenvolver negócios próprios o mesmo acontecendo com veículos que podem ser utilizados para aluguel ou para transporte. Assim, apresentamos a relevância de linhas de crédito ou programas de crédito públicos, capacitação empresarial, ou programas de sensibilização para o mercado, tentando reduzir a vulnerabilidade frente ao mercado.

 

Relações Sociais

A próxima dimensão de que tratamos se refere às relações sociais. As redes constituídas por grupos vulneráveis restituem aos participantes a autoestima, reduzindo os riscos além de oferecer novas oportunidades de trabalho, informação e posições de poder. Estas redes sociais são estruturas de sociabilidade através das quais circulam bens materiais e simbólicos entre pessoas mais ou menos distantes. Estas redes operam como um dos recursos básicos de sobrevivência de famílias em condições de precariedade. É um dos mecanismos importantes de mobilidade social (PAUGAM, 1999).

O novo padrão de produção e desenvolvimento instaurado no final dos anos 1990 tem afetado as formas tradicionais de organização e participação social e de representação política por meio de sindicatos, partidos políticos ou movimentos sociais tradicionais. A globalização, a privatização da economia e a diminuição do Estado como protetor social, aliado ao enfraquecimento das organizações sindicais tem isolado os indivíduos das camadas de renda mais baixa da sociedade.

A corrida rumo à competência tem reduzido vários hábitos solidários e a responsabilidade social dos indivíduos, respingando na família como principal elemento de proteção e sociabilidade. Os grupos mais vulneráveis criam novas formas de organização para enfrentar esta vulnerabilidade ante a debilidade dos sindicatos, dos partidos políticos, do Estado e, principalmente das formas tradicionais de organização social. A partir dessas organizações surgiram grupos de defesa ao consumidor, de defesa ao meio ambiente, de proteção aos direitos humanos, de proteção contra a violência, entre outras.

 

Considerações finais

 

Concluindo, o novo padrão de desenvolvimento instalado nos países da América Latina no final da década de 1990, produziu um impacto cuja matriz característica é a vulnerabilidade social, em especial no trabalho.

Estamos mais vulneráveis em todas as partes do mundo. O novo mercado de trabalho deixa os indivíduos inseguros com relação ao futuro, relacionado com o emprego e o seu sustento. A diminuição do Estado benfeitor elimina as redes de seguridade e a crise financeira agora se torna uma crise social. Todas as atuais crises econômico-financeiras mundiais têm impactos negativos sobre a estrutura social dos países subdesenvolvidos. Sobretudo pela redução dos recursos públicos que evitavam a vulnerabilidade de muitos grupos e as protegiam.

 

Referências

CASTEL, Robert. As Metamorfoses da Questão Social. Uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998.

CATTANI, David e DÍAZ, Laura Mota (Org.). Desigualdades na América Latina: Novas perspectivas analíticas. Traduzido por Ernani Ssó. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2005.

HOGAN, Daniel Joseph; MARANDOLA Jr, Eduardo. As Dimensões da Vulnerabilidade. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação SEADE, v.20, n 1, 2006. p. 33-43.

LAVINAS, Lena. Combinando Compensatório e Redistributivo: o desafio das políticas sociais no Brasil. In: HENRIQUES, Ricardo (org). Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000.

PAUGAM, Serge. O conceito de desqualifcação social. In: VERAS M.P.B. (Ed.). Por uma sociologia da exclusão social. São Paulo: EDUC, 1999.

______________. Desqualificação Social: ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo: EDUC/Cortez, 2003.

WAQUIL, Paulo D.; FINCO, Marcus V. A.; MATTOS, Ely J. Pobreza Rural e Degradação Ambiental: uma refutação da hipótese do círculo vicioso. In.: Revista de Economia e Sociologia Rural, vol. 42, n.2. Brasília, 2004. Disponível neste link.

 

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