23 Abril 2021
“Iniciar essa dinâmica [de imaginar e implementar uma nova estratégia climática global] é o objetivo da cúpula organizada pela administração Biden na quinta e sexta-feira, com a presença de 40 chefes de Estado e de governo. Em consonância com o American Jobs Plan, a agenda desta reunião enfatiza os ganhos econômicos esperados com uma ação climática resoluta. Mas ignora sua coordenação necessária: como os esforços nacionais de redução de emissões devem ser distribuídos entre os países do mundo inteiro? Com base em quais critérios? Em outras palavras, como traçar o caminho que leva à direção indicada pelo Acordo de Paris?”. São perguntas feitas pelos economistas Eloi Laurent e Paul Malliet, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 21-04-2021. A tradução é de André Langer.
As notícias sobre a temática da emergência climática no início de 2021 são moderadas, o que não é tão ruim assim: a disposição do novo governo dos Estados Unidos em assumir a liderança da agenda climática, e isto em um quadro multilateral, contrasta com o obstrucionismo do governo anterior. Além disso, 110 países anunciaram que desejam se comprometer a alcançar a neutralidade de carbono até 2050, com a China compartilhando essa meta, mas até 2060 (1).
Ainda assim, essas dinâmicas geopolíticas encorajadoras devem ser aceleradas para preencher a lacuna entre a velocidade adquirida pelos sistemas naturais e a inércia inerente aos sistemas econômicos e políticos.
A este respeito, um indicador chave é a distância entre o status quo das políticas atuais (business as usual) e a realização integral dos compromissos assumidos logo depois do Acordo de Paris: se todos os compromissos atualmente formulados e descritos nas respectivas contribuições nacionais dos Estados forem dados como certos, iríamos chegar a 2,6 °C de aquecimento até o final do século; se tudo continuar como hoje, estamos caminhando para um aquecimento de 2,9 °C (2).
Devemos, portanto, imaginar e implementar uma nova estratégia climática global, que deve render frutos a partir da COP26, em novembro próximo, em Glasgow.
Iniciar essa dinâmica é o objetivo da cúpula organizada pela administração Biden na quinta e sexta-feira, com a presença de 40 chefes de Estado e de governo. Em consonância com o American Jobs Plan (Plano de Empregos Americano), a agenda desta reunião enfatiza os ganhos econômicos esperados com uma ação climática resoluta. Mas ignora sua coordenação necessária: como os esforços nacionais de redução de emissões devem ser distribuídos entre os países do mundo inteiro? Com base em quais critérios? Em outras palavras, como traçar o caminho que leva à direção indicada pelo Acordo de Paris?
Estamos propondo aqui o embrião de uma reflexão (que detalharemos mais na véspera da COP26) sobre a questão que, aos nossos olhos, é agora a razão de ser das negociações internacionais sobre o clima: como distribuir o esforço de redução das emissões entre os países no âmbito das Nações Unidas?
À luz do relatório do IPCC “SR 1,5 °C” publicado em 2018, determinamos um orçamento de carbono global que em 2019 equivalia a 945 GtCO2e e corresponde a uma meta intermediária entre o orçamento de 1,5 °C e 2 °C associado ao 67º percentil do TCRE (Transcient Climate Response to Emissions) (3), em sintonia com a ambição estabelecida no Artigo 2 do Acordo de Paris.
A questão da distribuição justa deste orçamento de carbono global tem sido objeto de numerosos estudos (para uma síntese e as propostas, ver, por exemplo, Michel Bourban, 2021), mas hoje não há nenhum trabalho que dê uma visão completa dos três critérios de justiça identificados na literatura acadêmica – a equidade, a responsabilidade e a capacidade – para inferir uma distribuição operacional dos esforços nacionais para evitar a catástrofe climática.
Com isso em mente, concentramos aqui nossa análise nos 20 principais países emissores (4) que representam 77% das emissões em 2019. Partimos do pressuposto de que o objetivo da redução das emissões será compartilhado por todos os países até 2050 e de que, portanto, o orçamento de carbono diz respeito aos próximos 30 anos, o que se traduz em um orçamento anual médio de cerca de 30 GtCO2e (para comparação, foram emitidos 36 GtCO2e em 2019).
Tomamos como ponto de partida uma distribuição igualitária entre todos os membros da humanidade em 2019 de uma dotação inicial de 122,5 tCO2e até 2050, ou cerca de 4 tCO2e por ano (sendo o orçamento de um país a soma das dotações individuais de sua população total).
Interpretamos o critério de equidade como o acesso igual dos cidadãos e das cidadãs do mundo à capacidade de armazenamento de gases de efeito estufa (GEE) pela atmosfera (corresponde a uma dotação universal de carbono corrigida para cada grande emissor de sua população e da sua dinâmica até 2050).
Nosso critério de responsabilidade é a quantidade de GEE já emitida desde 1990 no consumo, o que permite combinar um critério de justiça espacial com um critério temporal, refletindo a responsabilidade global e também histórica dos diferentes países.
Por fim, o critério de capacidade é aqui expresso pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, por construção entre 0 e 1, que reportamos para cada país ao nível médio global (que em 2019 era de 0,737). Assim, os países cujo IDH é inferior a esta média mundial têm o seu orçamento aumentado proporcionalmente ao seu subdesenvolvimento humano, e inversamente para os países desenvolvidos que veem o seu orçamento diminuir na direção oposta (Figura 1).
O critério de equidade envolve de maneira geral uma realocação dos países com demografias em queda para aqueles que terão que enfrentar um maior crescimento populacional, quase todos localizados na África Subsaariana. Em relação a isso, a China viu um corte de 44 GtCO2e (uma redução de quase 25%), enquanto o resto do mundo se beneficia com este critério de um aumento de 86 GtCO2e em seu orçamento.
O critério de responsabilidade parece ser o principal determinante na realocação do orçamento mundial entre os países, com uma transferência de cerca de 263 GtCO2e dos países do grupo OCDE para os chamados países em desenvolvimento. O critério de capacidade também leva a uma realocação para países em desenvolvimento, mas muito menor (quase 34 GtCO2e no total) (5).
Assim, cada critério joga em uma direção diferente (seja pela natureza do reequilíbrio, ou por seu grau), sugerindo que este conjunto relativamente simples de três critérios permite realmente traduzir diferentes significados ou concepções de justiça climática para chegar a uma distribuição da carga do esforço de mitigação.
No entanto, esta representação não nos diz nada sobre as trajetórias das emissões futuras dos diferentes países, sobre os instrumentos que serão implementados e sobre os critérios de justiça específicos de cada país que irão reger a implantação desses instrumentos.
Em uma segunda etapa de nossa análise, iremos propor possíveis distribuições do orçamento globalmente determinado para a França, a fim de compreender os desafios da justiça climática do global ao nacional e, finalmente, ao individual. De qualquer forma, esta primeira etapa nos diz o que poderia ser uma distribuição justa em condições de transcrever mais explicitamente o princípio norteador da comunidade internacional desde a Cúpula do Rio, em 1992: a “responsabilidade compartilhada, mas diferenciada”.
À luz desta primeira análise, um ponto parece perfeitamente claro: se a nova administração americana pretende, de fato, assumir mais uma vez a liderança climática global, em associação com a União Europeia, não poderá prescindir do reconhecimento de uma dívida climática com o resto do mundo.
Dado o seu nível, não é realista acreditar que ela possa ser compensada por hipotéticas emissões negativas, devendo, portanto, ser compensada (6) de uma forma ou de outra, por exemplo, por meio de montantes muito mais significativos do que os atualmente pagos no âmbito do Fundo Verde para o Clima, que ainda permanece amplamente subfinanciado em comparação com a ambição inicial declarada de atingir um orçamento de 100 bilhões de dólares em 2020.
Um segundo ponto aparente é que a China não pode mais se prevalecer no contexto das negociações climáticas do papel de um grande país emergente cuja trajetória de emissões explosivas faz parte de um direito ao desenvolvimento e ao crescimento econômico. Em 2020, e mantendo todos os critérios adotados, seu orçamento de carbono, com 21 Gt, seria próximo ao da Indonésia, que tem uma população cinco vezes menor.
Parece que a administração Biden quer comemorar o “Dia da Terra”, nesta quinta-feira, 22 de abril, com anúncios de dois tipos: novas ambições climáticas para os Estados Unidos até 2030 e novas reduções nas emissões dos chefes de Estado e dos governos convidados. Esses anúncios só terão credibilidade total se os Estados Unidos conseguirem conciliar sua ambição nacional com sua responsabilidade global e, portanto, convencer a China a fazer o mesmo.
1. O que representa cerca de 50% da população, bem como as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).
2. Climate Action Tracker, projeção de dezembro de 2020.
3. O TCRE traduz a variação média na temperatura média com o estoque de carbono presente na atmosfera com uma probabilidade associada. O que em nossa análise se traduz da seguinte forma: há uma chance de 67% de que o orçamento de carbono considerado levará a um aumento da temperatura limitado a 1,75 °C.
4. Os 20 principais países emissores em 2019 foram os seguintes: Estados Unidos, Canadá, Arábia Saudita, Austrália, Alemanha, Japão, Rússia, Reino Unido, Itália, Coreia do Sul, Polônia, França, África do Sul, Irã, China, México, Turquia, Brasil, Indonésia e Índia. Também incluímos a União Europeia dos 27 países para fornecer elementos de comparação.
5. Observe que, entre os países que distinguimos, apenas a Índia viu seu orçamento aumentar, mas apenas 3%.
6. A questão da valorização monetária das emissões passadas é um tema de pesquisa em si que não abordaremos neste texto. A título de ilustração, uma valorização de uma tonelada de CO2 a 1 dólar levaria a um montante total de 263 bilhões de dólares e a uma valorização de 20 dólares, o que equivaleria a 5,26 trilhões de dólares.
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Como distribuir os esforços entre os países para evitar a catástrofe climática? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU