16 Abril 2021
"75% das doenças que sugiram ou ressurgiram nos últimos anos são advindas de micro-organismos que originalmente se encontram em animais, tanto domésticos quanto selvagem", escreve Lázaro Araújo Santos, mestrando do programa Educação científica e Formação de Professores - UESB, em artigo publicado por EcoDebate, 15-04-2021.
A destruição crescente da natureza e a ascendente perda da biodiversidade vêm sendo documentadas e relatadas há muito tempo. Desde o século passado reuniões entre autoridades internacionais vêm acontecendo a fim de estabelecer meios que possam mitigar essa destruição desenfreada da diversidade biológica (AGUIRRE, 2017).
Contudo, a humanidade insiste em um crescimento desorganizado e uma invasão cada vez mais acentuada aos ambientes selvagens, corroborando para inúmeras consequências, tais como: mudanças climáticas, depleção de recursos naturais e o (re) surgimento de doenças humanas potencialmente fatais (MENDOÇA, 2000).
Em relação a essa última consequência, é notório o aumento no aparecimento e/ou reaparecimento de doenças de cunho zoonótico desde meados do século XX. De acordo (SCHMELLER, 2020) 75% das doenças que sugiram ou ressurgiram nos últimos anos são advindas de micro-organismos que originalmente se encontram em animais, tanto domésticos quanto selvagem.
Dentre as principais patologias relacionadas com a perda da biodiversidade destacam-se doenças virais como as causadas pelo vírus Machupo; Ebola; Hantavírus; Coronavírus e as Arboviroses. Além das patologias não virais tais como Malária, e doenças resultantes da floração de dinoflagelados.
De forma geral os fatores mais importantes para que essas doenças (re) apareçam são: urbanização desorganizada/desenfreada; os hábitos culturais com animais exóticos; biopirataria; poluição e, consequentemente a degradação e fragmentação dos ecossistemas; inserção de espécies exóticas.
Antes de iniciarmos a discussão entre as patologias e a correlação com a perda da biodiversidade, cabe aqui salientar como a diversidade biológica atua na proteção contra possíveis (re) surgimentos de doenças na espécie humana.
Segundo Schmeller (2020) a biodiversidade pode funcionar de diversas formas na proteção contra o surgimento de doenças, dentre as principais formas destacam-se três, são eles: o efeito diluição, barreiras gênicas e o controle populacional.
O efeito diluição e as barreiras gênicas são mecanismos muito similares, em suma, refere-se ao fato de que graças a uma biodiversidade rica os patógenos possuíram maior dificuldade em encontrar possíveis hospedeiros que favoreceram sua disseminação e possíveis saltos entre espécie, e muito dessa dificuldade se dá mediante a variabilidade gênica existente em um ecossistema biodiverso. Sendo que dessa forma, proteger a biodiversidade é, também, evitar o possível surgimento de patologias.
Já quando nos referimos à proteção oriunda do controle populacional, estamos fazendo menção da manutenção de um número adequado de organismo para um dado ecossistema, sendo que a extinção, por exemplo, de um predador de topo, pode interferir na população de espécies que servem como reservatórios naturais de diversos agentes patológicos, por exemplo, Hantaviroses. Portanto, a manutenção da integridade ecossistêmica, e a sua biodiversidade contribuem para o controle de surtos que custariam centenas de vidas.
Tendo em vista ao já citado, é possível observar nas últimas décadas que a humanidade tem aumentado o contato com animais selvagens, tal aproximação tem facilitado o transbordamento (spill-over) de vírus e micro-organismo potencialmente patológico para o ser humano. Ou seja, essa interação, muito devido à invasão que os seres humanos têm protagonizado aos ambientes selvagens, tem possibilitado que micro-organismos que antes estavam apenas em reservatórios naturais possam “saltar” entre diferentes espécies causando patologias, muitas vezes fatais, aos seres humanos.
Exemplo disso foi a ocorrência de surtos de hantaviroses devido à construção de celeiros em ambientes antes silvestres que acabou por interferir na dinâmica dos roedores selvagens e por consequência levou a interação entre esses animais e os humanos, possibilitando, dessa maneira o “pulo” do Hantavírus presente nos roedores para o homem, levando à morte dezenas de pessoas.
Outras patologias que são diretamente influenciadas pela aproximação do homem com a vida selvagem, são aquelas causadas por Arbovírus (vírus cujos vetores são artrópodes) uma vez que a instalação de moradias e o processo de urbanização desenfreada acabam aumentando a quantidade de micro-habitats favoráveis à reprodução de insetos vetores. Assim como as doenças causadas pelo vírus Machupo na Bolívia, e o vírus Nipah na Malásia, que se originaram como consequência da devastação da mata nativa para construção de locais de criação de animais. Como corolário dessa ação, morcegos que habitavam esses locais começaram a habitar o mesmo local com animais domésticos e seres humanos, o que acabou acarretando no transbordamento dos vírus e no surgimento dessas doenças.
No mais, doenças como a causada pelo vírus Ebola e as provenientes de agentes etiológicos representantes da família Coronaviridae: Sars-Cov-1; MERS; Sars-Cov-2 também foram desencadeadas por impactos humanos na biodiversidade. Sendo que nessas quatro enfermidades o fator desencadeador, possivelmente, se deu a partir da interação entre morcegos (animais selvagens), um animal intermediário e por fim o ser humano.
Além disso, há uma correlação entre a destruição ambiental/poluição dos ecossistemas com o aumento de casos de malária, e intoxicação via ingestão de toxinas provenientes da floração de dinoflagelados. Estima-se que a cada 1 km² devastado há um aumento de 27 novos casos de malária (CAMINADE et., 2014). Muito disso está associado com o fato de que quando exaurimos os ecossistemas e os animais que ali residiam interferimos no ciclo natural dessa moléstia, como consequência o mosquito acaba incluindo em sua ecologia o ser humano e, dessa forma, infectando-o.
Ademais outras doenças que re/emergem da alteração na biodiversidade é a intoxicação por substâncias oriundas do boom de dinoflagelado em resposta à maciça carga de matéria orgânica despejada nos oceanos. Patologias como ciguatera e rabdomiólise são frequentes em regiões que se caracterizam por esse despejo de matéria orgânica nos ambientes aquáticos.
Frente a isso inferimos que muito ainda precisa ser feito, e de maneira rápida e eficazmente, caso queiramos manter as barreiras de proteção que a biodiversidade nos proporciona. Dessa forma, além de mais estudos é, também, necessário que ações a curto, médio e longo prazo sejam realizadas a fim de conservar a natureza e, consequentemente, contribuir para a permanência da espécie humana.
AGUIRRE, A. A. Changing patterns of emerging zoonotic diseases in wildlife, domestic animals, and humans linked to biodiversity loss and globalization. ILAR journal, v. 58, n. 3, p. 315-318, 2017.
CAMINADE, C.; KOVATS, S.; ROCKLOV, J.; TOMPKINS, A. M., MORSE, A. P., COLÓN-GONZÁLEZ, F. J.; LLOYD, S. J. Impact of climate change on global malaria distribution. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 9, p. 3286-3291, 2014.
MENDONÇA, F. Aspectos da interação clima-ambiente-saúde humana: da relação sociedade-natureza à (in) sustentabilidade ambiental. Raega-O Espaço Geográfico em Análise, v. 4, 2000.
SCHMELLER, D. S.; COURCHAMP, F.; KILLEEN, G. Biodiversity loss, emerging pathogens and human health risks. Biodiversity and conservation, v. 29, n., p. 3095-3102, 2020.
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Perda da Biodiversidade e o (Re)Surgimento de Patologias Humanas: Uma Breve Apresentação. Artigo de Lázaro Araújo Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU