14 Abril 2021
"A supressão da vida alheia e da própria continua sendo um ato grave. Mas a necessidade de maior prudência no juízo de casos concretos não pode ser contornada, mesmo por razões doutrinárias. De fato, os argumentos apodícticos de natureza racional não parecem justificar um "não" absoluto a tais práticas por aqueles que optam por uma escolha leiga. O princípio da autodeterminação comporta também, para quem prescinde de qualquer referência religiosa, a possibilidade de determinar, obviamente estando em condições específicas, quando e como morrer", escreve Giannino Piana, teólogo italiano, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, e membro fundador e membro do Grupo de Reflexão e Proposta de “Viandanti”, em artigo publicado por Viandanti, 13-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Espanha há algumas semanas também possui uma lei sobre eutanásia e sobre o suicídio assistido. O Parlamento ibérico concordou, após longo debate, com esse dispositivo com uma maioria sólida, mas com uma minoria bastante consistente e aguerrida, o que mostra a presença de uma certa cisão dentro do país. É a sexta nação do mundo, a quarta na Europa depois da Holanda, Bélgica e Luxemburgo, com a adição do Canadá e da Nova Zelândia a introduzir tais práticas. Situação ainda limitada que revela a problemática e delicadeza da questão, cuja presença sem dúvida tem implicações preocupantes. Apesar dessas dificuldades, o pedido de legalização da eutanásia e do suicídio assistido está se estendendo amplamente - mesmo na Itália há anos tramita uma proposta apresentada pelo movimento radical que ainda não foi colocada em discussão - e, portanto, podemos ver a possibilidade de chegar, em tempos bastante curtos, a uma pluralidade de intervenções legislativas destinadas a introduzi-los em um número consistente de países ao redor do mundo.
A razão fundamental dessa demanda está, antes de tudo, ligada ao direito de cada pessoa de enfrentar uma morte tão digna quanto possível. A civilização dos direitos, que se desenvolveu enormemente desde o último pós-guerra – o que deu início a esse processo foi a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 - marcou uma importante virada nessa direção, envolvendo os vários momentos da experiência humana, desde o início até a fase terminal, em que cada pessoa deve ter garantida a possibilidade de viver no pleno respeito de sua dignidade. Infelizmente, essa instância irrenunciável é hoje muitas vezes desmentida nos fatos, não apenas por episódios marcantes que conhecemos bem – por exemplo, a enorme multidão de pessoas forçadas a abandonar suas terras por razões de pobreza e conflitos bélicos - mas também por situações particulares presentes inclusive no chamado mundo desenvolvido (aliás, sobretudo neste), devido a intervenções manipulativas cada vez mais sofisticadas e invasivas, que correm o risco de comprometer a dignidade de nascer, viver e morrer.
As tecnologias à disposição da humanidade no campo biomédico hoje se, por um lado (e é o mais importante), permitiram derrotar doenças antes letais, por outro deram surgirem novos problemas relacionados ao uso (e abuso) que se faz delas. Entre as repercussões negativas mais preocupantes neste caso está, sem dúvida, o excesso de intervenções implementadas na fase terminal da existência, que ao permitirem uma extensão da vida biológica acabam por comprometer a qualidade humana e, por conseguinte, a dignidade pessoal. Incorre-se assim na obstinação terapêutica, fenômeno cada vez mais difundido quanto mais crescem as possibilidades de intervir com máquinas que substituem algumas funções vitais. A morte, em todas as culturas, nunca foi um fenômeno puramente "natural"; sempre foi elaborada culturalmente. No entanto, o que caracteriza a experiência que hoje fazemos dela é um verdadeiro salto qualitativo que a priva de qualquer "naturalidade". E isso em um momento histórico em que a ausência de contato direto com a natureza infra-humana e cósmica devido à presença de instrumentos de mediação cada vez mais incisivos, impede que estejamos constantemente em contato com os ciclos da vida, do declínio e da morte.
Perante esta situação, sem dúvida problemática com a qual, de qualquer modo, é necessário acertar as contas, a Igreja também assumiu recentemente uma posição intransigente, em sintonia com sua própria doutrina tradicional. O documento publicado no ano passado pela Congregação para a Doutrina da Fé Samaritanus Bonus reitera com acentos particularmente fortes a condenação da eutanásia e do suicídio assistido. A eutanásia é definida como "um crime contra a vida humana", "um ato intrinsecamente mau", "uma grave violação da lei de Deus", "um atentado à humanidade" e, consequentemente, é rejeitada como "grave pecado" qualquer forma de cooperação formal ou material na execução de tal ato. As razões dessa posição drástica encontram-se nos atuais obstáculos culturais à proteção da vida humana, atribuíveis ao que o referido documento define como a "perspectiva antropológica utilitarista", que não reconhece a vida como um valor em si, mas distingue entre uma vida que merece ser acolhida e promovida e uma vida considerada insignificante e inútil, portanto passível de ser suprimida. Mas, para além dessas razões, que certamente possuem uma indiscutível gravidade, pode-se questionar o quanto posições tão rígidas sejam capazes de levar em consideração a variedade e complexidade das situações existenciais cujo enfrentamento exige uma explicitação mais articulada dos princípios e a implementação de oportunas mediações. Isso é ainda mais verdadeiro a propósito das normas que legalizam a eutanásia e o suicídio assistido.
A referência contida no documento do Vaticano ao fato de que o valor da vida humana constitui "uma verdade fundamental da lei moral e um fundamento essencial da ordem jurídica", e ainda que é "o primeiro bem, porque condição para a fruição de qualquer outro bem" é certamente importante. Mas a proclamação abstrata dos princípios parece desconsiderar a diferença entre a ordem moral e a ordem jurídica, e corre o risco de provocar, onde é absolutizada, pesados efeitos negativos. Entre os extremos opostos de leis radicalmente proibicionistas e leis igualmente radicalmente libertárias, há de fato um espaço para soluções intermediárias destinadas a dar respostas concretas aos vários casos que surgem na realidade.
A recusa, em geral, da eutanásia e do suicídio assistido certamente tem sérias justificativas.
A supressão da vida alheia e da própria continua sendo um ato grave. Mas a necessidade de maior prudência no juízo de casos concretos não pode ser contornada, mesmo por razões doutrinárias. De fato, os argumentos apodícticos de natureza racional não parecem justificar um "não" absoluto a tais práticas por aqueles que optam por uma escolha leiga. O princípio da autodeterminação comporta também, para quem prescinde de qualquer referência religiosa, a possibilidade de determinar, obviamente estando em condições específicas, quando e como morrer. O que valeria, de acordo com alguns teólogos (e não sem razão) - a este respeito, não se pode esquecer a contribuição de Hans Kung - também para aqueles que fizeram a escolha da fé, quando se considera que, no quadro de uma teologia da aliança, o dom da vida é entregue ao homem para que a possa administrar responsavelmente.
Por outro lado, não basta dizer "não" à eutanásia e ao suicídio assistido, se não forem criadas as condições para evitar o seu recurso. A demanda por eutanásia é, de fato, muitas vezes uma demanda de uma não obstinação terapêutica, mas também é um pedido para não ser abandonado quando se está em situações de incurabilidade, talvez em estado de terminalidade. No primeiro caso - o da obstinação terapêutica - é evidente a necessidade de intervir drasticamente - e a Igreja Católica não deixou de fazê-lo - condenando práticas fúteis, que têm como recaída - como já foi referido - a perda da qualidade. da vida. No segundo caso - o da chamada "eutanásia de abandono" (como é definida) - "cuidar" do paciente é de grande importância – pois existem pacientes que não podem ser curados, mas não pacientes que não podem ser cuidados - por meio acompanhamento em todas as fases do desenvolvimento da doença, enfrentando as situações subjetivas de solidão e desespero, que levam a gestos como o pedido de eutanásia e do suicídio assistido.
Esta forma de abordar um problema encontra plena expressão no desenvolvimento dos "cuidados paliativos", que condensam em si as várias atividades exigidas pelo verdadeiro acompanhamento, pois envolvem, ao lado da terapia da dor que constitui o seu núcleo fundamental, o apoio psicológico do paciente. E, no caso do atendimento domiciliar - onde for possível privilegiar - aos próprios familiares e, por fim, a assistência social e o apoio do voluntariado. O conjunto dessas “boas práticas” não pretende representar uma alternativa radical à questão da eutanásia e do suicídio assistido, mas é em todo caso o caminho para redimensionar sua demanda e, portanto, também para limitar seu recurso.
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Eutanásia: questão inquietante. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU