Manifesto da Academia Latino-Americana de Líderes Católicos pela vacinação universal solidária

Coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”

01 Abril 2021

 

No Manifesto pela Vacinação Universal Solidária, que compartilhamos intencionalmente neste final de semana de Páscoa, a Academia Latino-Americana de Líderes Católicos afirma que "A vacinação universal não é uma caridade, mas a consequência de um direito humano fundamental, como é o direito à saúde, por meio de ações preventivas por excelência; e é também um dever de justiça justificado por todos os critérios (sanitário, econômico, financeiro, social e político). As vacinas são um bem público internacional, que deve ser acessível a todos, especialmente aos mais pobres. Portanto, mais que um serviço público, a vacinação universal é uma exigência evangélica, humanitária e solidária, bem como uma questão de Segurança Nacional, uma vez que as maiores ameaças ao futuro da vida serão, sem dúvida, as sanitárias."

Vacinação universal é o desejo efetivo da Coluna "Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco" enquanto desejo sincero de Feliz Páscoa a todas e todos.

 

Eis o manifesto.

 

Manifesto pela Vacinação Universal Solidária

Conquistemos a "imunização de grupo" contra o isolamento, a pobreza e a morte.

 

Não posso passar à frente dos outros, colocando as leis do mercado e das patentes de invenção acima das leis do amor e da saúde da humanidade. Peço a todos, nomeadamente aos líderes dos Estados, às empresas, aos organismos internacionais, que promovam a cooperação, e não a concorrência, na busca duma solução para todos: vacinas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e necessitados em todas as regiões da Terra. Em primeiro lugar, os mais vulneráveis e necessitados!

Mensagem Urbi et Orbi do Papa Francisco
Natal 2020

 

1. É necessário sonhar juntos

Cultivamos um sonho, que não é nem utopia nem fantasia, mas é baseado na razoabilidade exigida pela condição humana desta época e que pode ser realizada em conjunto com todos os cidadãos a nível nacional e global. Essa pandemia pode se tornar uma oportunidade para nos conscientizar de que ninguém pode enfrentar a vida isolado: todos devem fazer sua parte em todas as áreas do conhecimento e da ação humana: economia, cultura, educação, inovação e saúde. Mas é importante e necessário sonhar juntos. A vida humana é o principal bem do qual outros bens, incluindo o lucro, são derivados, e é por isso que a vacina, como qualquer outro estabelecimento de saúde que representa uma solução eficaz para essa pandemia, torna-se um bem comum global.

 

2. A maior crise da nossa história

O impacto sanitário, econômico e social da pandemia de covid-19 é considerado o maior da nossa história contemporânea. São muitas as políticas públicas necessárias para o mundo, em geral, e para os mais pobres, em particular, se recuperarem desse impacto. No entanto, o consenso global é que a vacinação é a única medida que pode alcançar resultados contundentes e sustentáveis para reverter a situação atual, e avançar na geração de emprego e na mitigação de riscos de uma convulsão social. A vacinação universal (ou imunidade de grupo) não só salva a vida das pessoas e leva à redução da pressão de demanda por serviços hospitalares, mas também é a ação mais eficaz para a recuperação econômica. A dimensão do desafio é enorme, especialistas em saúde pública estimam que, considerando a idade e as condições de saúde predominantes, será necessário vacinar de 3,2 a 4,1 bilhões de pessoas para alcançar a imunidade de grupo globalmente.

 

3. A distância entre ricos e pobres

É notório que o aumento da distância entre os mais pobres e os mais ricos que ocorreu com as políticas de recuperação econômica também é evidente no processo de vacinação e nas respostas sanitárias frente à pandemia. Os países ricos com 15% da população mundial contrataram 60% da produção mundial de vacinas, de acordo com o Duke University Global Health Institute. Existem 13 países produtores de vacinas e seus componentes, que estabeleceram limites explícitos e ocultos nas transações internacionais de vacinas. 50% dos ingredientes das vacinas são exportados pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Internacionalmente, os ritmos da vacinação universal são muito discrepantes entre países pobres e ricos (países não produtores e produtores de vacinas). É em países ricos e produtores de vacinas que estão localizados centros de pesquisa tecnológica e científica, bem como grandes empresas farmacêuticas. No âmbito local, com algumas exceções, é evidente a mesma discrepância, pois são excluídos do acesso à assistência médica os mais pobres.

 

4. Os pobres têm rosto

Os pobres têm rosto em nossos países, são os vulneráveis, os excluídos das aldeias, populações ou assentamentos humanos de miséria, migrantes, refugiados, aqueles que dependem do trabalho informal, os idosos sozinhos, os indígenas, os portadores de deficiência e muitas mulheres, que morrerão na porta dos hospitais, na rua ou em casa, se não houver prioridades e campanhas destinadas a vaciná-los.

 

5. A vacinação universal é um imperativo moral

A vacina para derrotar o SARS-CoV-2 é o resultado de uma ampla colaboração e cooperação público-privada em diferentes países, por isso não podemos implementar estratégias nacionalistas míopes. As consequências globais são óbvias e evitáveis. Inclusive, um único país não imunizado pode levar a um bloqueio global do tráfego, do comércio e do movimento de pessoas, como vimos com a China no início da pandemia, gerando enormes danos em todos os setores. A imunização retardada da população mundial também permitirá o desenvolvimento de variantes do vírus que não podem ser tratadas com os tratamentos atuais, pois o vírus continuará circulando e sofrendo mutações e afetará a saúde de cidadãos já "vacinados".

A vacinação universal não é uma caridade, mas a consequência de um direito humano fundamental, como é o direito à saúde, por meio de ações preventivas por excelência; e é também um dever de justiça justificado por todos os critérios (sanitário, econômico, financeiro, social e político). As vacinas são um bem público internacional, que deve ser acessível a todos, especialmente aos mais pobres. Portanto, mais que um serviço público, a vacinação universal é uma exigência evangélica, humanitária e solidária, bem como uma questão de Segurança Nacional, uma vez que as maiores ameaças ao futuro da vida serão, sem dúvida, as sanitárias. É evidente que essa pandemia é apenas o início do que está por vir: devemos estar preparados para uma ação coordenada, colaborativa, solidária e conjunta em todos os níveis de gestão.

A vacinação universal também não é apenas um imperativo moral, mas é adequada para o desenvolvimento econômico global, incluindo os países mais ricos. A Secretaria do Tesouro dos EUA, em uma carta de 25 de fevereiro aos seus colegas do G20, observou: "Conter a pandemia em todo o mundo é essencial para uma recuperação econômica robusta. A vacinação rápida e verdadeiramente global é o estímulo mais forte que pode ser dado à economia global." Um estudo do National Bureau of Economic Research (NBER) dos EUA observou que, se a atual trajetória de vacinação for mantida, a produção global em 2021 poderá cair 3,5%, ou seja, 4,5 trilhões de dólares (milhões de milhões de dólares).

 

6. A pandemia nos mostra como todos os homens são irmãos

Não há segurança para ninguém enquanto não houver segurança para todos. Enquanto o vírus continuar nas áreas mais pobres do planeta periodicamente encontrará maneiras de retornar às áreas mais ricas também. É por isso que ousamos pedir medidas eficazes para a vacinação de todos.

 

7. Pedimos o aumento dos recursos para o programa COVAX

O programa COVAX (formalmente conhecido como Mecanismo de Acesso Global às Vacinas COVID-19), liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrou-se insuficiente, pois com os recursos atuais, se os fabricantes cumprissem com suas entregas, apenas se conseguiria vacinar 500 milhões dos 1,7 bilhões de habitantes dos países pobres e 20% dos habitantes em países de baixa e média renda; no entanto, já nos primeiros meses de 2021, a produção de vacinas sofreu atrasos. Portanto, uma produção adequada e sustentável da vacina em todo o mundo é urgentemente necessária, a um preço justo e acessível para todos os países, incluindo os de menor renda; uma distribuição simultânea e coordenada da vacina para reduzir, no menor tempo possível, a circulação do vírus, evitando focos de resistência e variantes mais letais e resistentes ao tratamento. Se a vacina não for aplicada aos profissionais de saúde nos países em desenvolvimento, será impossível controlar a pandemia. Por isso, pedimos aos países mais ricos que aumentem urgentemente os recursos para o programa COVAX, uma vez que as 2 bilhões de doses da vacina são insuficientes, pois atingiria apenas 20% da população dos 92 países de média ou baixa renda. Devemos garantir maior equidade na distribuição e aquisição da vacina.

 

8. Pedimos a suspensão da patente

Os custos de pesquisa para a descoberta de vacinas já foram financiados pela venda dos medicamentos para países ricos. Os acordos da Organização Mundial do Comércio para a gestão e proteção dos direitos de propriedade intelectual (TRIPS) permitem, em um período de excepcionalidade e, portanto, de uma pandemia, a suspensão da patente, com a possibilidade de os Estados produzirem diretamente medicamentos, além do acesso a tecnologias complexas, também amparadas por patentes, essenciais para a produção da vacina (mRna e cápsula lipídica). Não se trata de violar as garantias da propriedade intelectual, mas de reconhecer que a lógica do lucro deve ser subordinada à proteção do bem público global. É por isso que pedimos a suspensão transitória dos direitos relacionados às patentes e à liberdade de produção de vacinas. A OMC não chegou a acordos sobre a supressão durante a pandemia dos direitos de propriedade intelectual em vacinas, medicamentos e equipamentos médicos.

 

9. Pedimos acordos entre empresas farmacêuticas e fabricantes em países de baixa e média renda

Os governos precisam promover e facilitar acordos entre empresas farmacêuticas e potenciais fabricantes em países de baixa e média renda. Deve-se ter em conta que antes da pandemia a Índia fabricava 62% das vacinas mundiais, bem como o exemplo da colaboração do Chile com os fabricantes da China e do Ocidente. O trabalho dos governos que facilitam a comunicação e a negociação entre empresas farmacêuticas e fabricantes é muito importante. Para isso, é essencial pôr fim às limitações de exportação estabelecidas pelos países que fabricam vacinas ou componentes para elas, bem como equipamentos e medicamentos para seu tratamento. É muito importante facilitar o conhecimento (explícito e não articulável) entre empresas farmacêuticas proprietárias de vacinas e potenciais fabricantes em países pobres e em desenvolvimento.

 

10. Pedimos a promoção da pesquisa científica e da inovação tecnológica

Como cristãos, somos chamados a promover, apoiar e executar a vacinação em massa de forma integral. O apoio financeiro de organismos multilaterais e outras fontes de cooperação internacional deve ser procurado para garantir a disponibilidade oportuna de vacinas para todos. Também é necessário promover um verdadeiro espírito de colaboração e estabelecer os mecanismos, para que a complexa logística de aplicação das vacinas seja efetivada, para compartilhar conhecimento sobre a bondade e utilidade das vacinas e para uma campanha consistente de conscientização na mídia. Os países latino-americanos, em particular, são chamados a promover a pesquisa científica e a inovação tecnológica no campo da saúde, para responder à pandemia de covid-19 e para preparar respostas comuns às próximas pandemias.

 

11. O paralítico de Bethesda na pandemia de hoje

No Evangelho segundo São João, a cura do paralítico de Bethesda (Jo 5, 1-18) que esperou trinta e oito anos de indiferença daqueles que o ignoraram em sua busca para chegar ao tanque considerado milagroso para curar doenças é narrada. A competição, o isolamento e a indiferença cegaram aqueles que poderiam tê-lo ajudado a recuperar sua saúde e autoestima com um simples gesto para ajudá-lo a se mover alguns metros, mas provavelmente não o fizeram justificados pelos erros de seus governos ou instituições. Outros preferiram politizar e polarizar, escapando do tema central, assim como fizeram os doutores do templo que criticaram Jesus pela cura em um sábado. Mas a questão central é que os mais pobres e vulneráveis já não podem mais esperar: se não morrerem da doença, morrem de fome, morrem por fechar seus negócios, morre sua dignidade. Os efeitos da exclusão não são apenas sanitários ou econômicos - que são os mais visíveis, eles também são de perda de autoestima e esperança. Estes últimos são os traumas mais difíceis de curar.

 

12. Que cada um tome a vacina da solidariedade

Estamos diante de uma oportunidade única para tornar viva a cultura do Encontro e da Solidariedade. Uma cultura do encontro que deve ser desenvolvida entre países, instituições, comunidades e, sobretudo, entre pessoas. Como fez Cristo nosso redentor com o paralítico de Bethesda, é preciso olhar para o outro cara a cara e transformá-lo, recuperando sua esperança de tempos melhores, com saúde, com trabalho e com dignidade.

A transformação tem que começar com cada um de nós, como líderes, e como filhos de Deus. É necessário, em primeiro lugar, que cada um de nós tome a vacina da solidariedade, para que possamos alcançar, em nível global, a "imunização de grupo" contra o isolamento, a pobreza e a morte. Devemos ser vacinados contra o vírus da indiferença, do egoísmo, da idolatria de poder e dinheiro, de mentalidades do "todos contra todos" ou do "salve-se quem puder”. Cada líder em seu nível de responsabilidade (em instituições multilaterais, igrejas, governos, empresas, organizações da sociedade civil, indivíduos) deve transformar o processo de vacinação universal em um processo de recuperação da esperança.

No futuro, que história queremos contar aos nossos filhos: que fomos um daqueles que ignoraram o paralítico, sem levá-lo para a piscina de Bethesda, ou, melhor, que fomos o Cristo que trouxe a cura física, mental e espiritual aos mais vulneráveis? Em última análise, a vacina é essencial, mas insuficiente para resolver todos os nossos males. Nossa esperança encontra-se no Cristo ressuscitado, que carregou na Cruz todos os sofrimentos e misérias humanas, mas foi vitorioso sobre o pecado e a morte.

Convidamos a todos, portanto, para este esforço de vacinação universal solidária!

Assinam,

Miguel Ángel Rodríguez Echeverria (Costa Rica).
Ex-presidente da República da Costa Rica, ex-Secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, ex-diretor do Banco Central de seu país.

Luis Enrique García Rodríguez (Bolívia).
Ex-presidente da CAF - Banco de Desenvolvimento da América Latina e Ex-Tesoureiro do BID. Foi governador no grupo do Banco Mundial. Ex-chefe do gabinete econômico e social da Bolívia.

José Ángel Córdova Villalobos (México).
Ex-ministro da Saúde do México, ex-presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, ex-presidente do Conselho de Administração da Organização Panamericana da Saúde, enfrentou eficazmente a pandemia de Influenza H1N1 em 2009.

Paola Binetti (Itália).
Senadora, fundadora do Centro Biomédico de Roma e presidenta do grupo interparlamentar para doenças raras.
Ex-presidenta do Comitê de Ciência e Vida. Membro da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados.

Enrique Valentín Iglesias García (Uruguay).
Foi Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID, Secretário Executivo da CEPAL, Secretário-Geral da Ibero-América Secretário-Geral, Ministro das Relações Exteriores e Presidente do Banco Central do Uruguai.

Carlos Massad Abud (Chile).
Foi Diretor Executivo do Fundo Monetário Internacional, Secretário Executivo Adjunto da CEPAL, Ministro da Saúde e Presidente do Banco Central do Chile.

Eduardo Almeida (Brasil).
Foi representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento na América Central, Paraguai e Haiti. Ex-vice- presidente para a América Latina da TechnoServe.

Enrique Segura (EUA).
Presidente do Conselho, Grupo ENSE.

Isabel Capeloa Gil (Portugal).
Presidente da Federação Internacional de Universidades Católicas, Reitor da Universidade Católica Portuguesa.

Consuelo Madrigal Martínez-Pereda (Espanha).
Ex-Procuradora-Geral do Estado da Espanha, sendo a primeira mulher a assumir esta responsabilidade.

Rocco Buttiglione (Itália).
Ex-vice-presidente da Câmara dos Deputados da Itália, ex-ministro da União Europeia e membro da Pontifícia Academia de Ciências e da Academia Europeia de Ciências e Artes.

José Antonio Rosas Amor.
Foi vice-reitor da Universidade Miguel de Cervantes no Chile, fundador e diretor da Academia Latinoamericana de Líderes Católicos.

 

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