24 Março 2021
O padre James Martin é um jesuíta estadunidense, escritor e editor-geral da revista America. Em 2017, o Papa Francisco o nomeou como consultor da Secretaria de Comunicações do Vaticano. É autor de best-sellers do New York Times e comentarista frequente da vida e dos ensinamentos de Jesus, e da espiritualidade inaciana inspirada na vida e nos ensinamentos de Santo Inácio de Loyola. Autor de inúmeras publicações, seu último livro intitula-se “Learning to pray, a guide to everyone” (Ed. HarperOne, 2021. Em tradução livre: “Aprendendo a rezar, um guia para todos”).
Nesta entrevista James Martin fala sobre quatro tema: a pobreza, a paciência, a encíclica Fratelli Tutti e a oração.
A entrevista é de Juan Salvador Pérez, publicada por Revista SIC, 21-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Pobreza.
A filósofa espanhola Adela Cortina vem levantando enfaticamente que existe uma espécie de rejeição cultural à pobreza, e define como aporofobia (fobia, temor ao pobre), fazendo-nos um convite para superar esta conduta excludente e antidemocrática. Como devemos atuar diante da pobreza? O que devemos fazer diante desta realidade?
Essa ideia faz sentido para mim. Durante as últimas décadas fomos condicionados, ao menos no Ocidente, a ver os pobres como ameaças, mais que como nossos irmãos e irmãs necessitados. Nos Estados Unidos, por exemplo, os ricos convenceram a classe média de que os pobres são seus inimigos, dispostos a tirar-lhes coisas que supostamente os pobres não merecem. É o mesmo em todo o mundo, com pessoas que veem os refugiados e migrantes, novamente, não como pessoas necessitadas, mas como ameaças, como pessoas a se temer, como o “outro”.
Tudo isto se opõe à mensagem do Cristo, que não só era pobre, mas também se ocupou dos pobres e especificamente nos pede, nos exige, cuidar dos pobres. Assombra-me escutar os políticos ocidentais ignorando ou negando este fato: parte de ser cristão é cuidar dos pobres.
Talvez a melhor maneira de abrandar os corações e conseguir uma conversão entre as pessoas é apresentando-lhes os pobres, seja pessoalmente ou por histórias. Isto é parte da “cultura do encontro” da qual fala o Papa Francisco. É muito mais difícil etiquetar alguém como indigno ou como uma ameaça se conheces sua história. É inclusive melhor se puderes escutá-lo contar sua história pessoalmente. Há uma razão para Jesus ensinar em parábolas, isto é, em história: tinham a capacidade de nos converter.
Paciência.
Hoje a humanidade atravessa tempos difíceis. Os tempos difíceis demandam atitudes virtuosas e entre essas virtudes destaca-se a paciência. “Patientia” vem do latim, “patis”, sofrer. Hoje a entendemos como a capacidade de suportar adversidades. O que nos exige ser pacientes em nossas circunstâncias atuais? Quanto de sofrimento há em ser paciente?
Passamos a maior parte de nossas vidas esperando. Poderíamos dizer que a maior parte de nossas vidas não é vivida no espantoso terror da Sexta-Feira Santa ou na alegria suprema do Domingo de Páscoa, mas em algum lugar entre os dois. A maior parte de nossa vida, então, passamos no Sábado Santo: esperando, ansiando, imaginando. Esperamos que as coisas melhorem. Esperamos que a vida mude. Esperamos por uma vacina. Parte dessa espera é a paciência.
A espera cristã é mais do que uma espera cega, como se não soubéssemos o que vai acontecer ou se tudo depende do destino. A espera cristã supõe esperança. Confie que a mudança é sempre possível, que há sempre uma nova vida no horizonte e que nada é impossível para Deus. Como os discípulos descobriram no domingo de Páscoa.
Fratelli Tutti.
Todos irmãos, algumas palavras que definem a proposta do pontificado de Francisco. Esta encíclica é um apelo urgente à fraternidade e à amizade social como meios de reconstrução, de cura, de um mundo ferido. Como realmente nos tornamos irmãos? Como nos tornamos irmãos concretamente? Quando somos verdadeiramente irmãos?
Estas são questões importantes. Para mim, poderia se resumir a grande encíclica do Papa Francisco Laudato Si' em uma frase poderosa que ele usa: “Tudo está interligado”. E talvez uma maneira de resumir Fratelli Tutti seja com a frase “Todos estão interligados”.
Parte de ser irmãos e irmãs não é apenas cuidarmos um do outro, por mais importante que seja, mas nos fazermos amigos. E o que isso significa? Significa dedicar um tempo para ouvir um ao outro, criar um vínculo com os outros em momentos difíceis e até chorar com eles. E rir também!
Uma das minhas expressões favoritas neste ponto vem de um professor jesuíta de teologia moral do Boston College, James F. Keenan. Sua definição de misericórdia é brilhante, mas também pode ser usada como uma definição de amizade e de ser irmão ou irmã de alguém. Ele diz que é a “vontade de entrar no caos da vida de outra pessoa”. Isso é o que se necessita.
Oração.
Você publicou recentemente um livro (você o define como um manual) para Aprender a Rezar. O momento é preciso, porque a situação limítrofe como a que vivemos com a pandemia, levou a todos (de uma forma ou de outra, crentes ou não) a nos encontrarmos intimamente com nossos medos e nossos questionamentos. Há alguns anos, o cardeal Carlo Maria Martini e Umberto Eco, refletiram por epístolas sobre o assunto, e eu gostaria de voltar a este tema nestas circunstâncias: em que consiste a oração de quem não crê? E qual é a oração daquele que crê?
Essas são perguntas difíceis! Acho que se pode discordar de algumas pessoas que dizem que quem não crê pode rezar. Em vez disso, se pode usar a palavra “meditar”. Certamente alguém que não crê pode meditar, e muitos o fazem. Mas se a pessoa resiste completamente à ideia de Deus, então seria difícil “rezar”. Porque a oração tem um objeto, e esse objeto é Deus.
Mas mesmo que haja um pouco de curiosidade sobre a possibilidade da existência de Deus, então acredito que Deus pode trabalhar com isso! Portanto, o agnóstico, o que dúvida ou o que procura, certamente pode rezar.
Nesse caso, uma das coisas mais importantes é que aquele que busca reconheça que o próprio desejo de oração vem de Deus. Ou seja, muitos desses sentem que estão orando simplesmente por curiosidade. Mas sempre digo a eles: “É assim que Deus está lhes atraindo”. De que outra forma Deus faria isso? Uma pequena placa em uma casa de retiro resumiu isso para mim: “O que você busca está buscando você”.
Como o que crê reza? Bem, de muitas maneiras! (Esse é um dos motivos pelos quais escrevi meu novo livro). Mas, no fundo, ele reza honestamente, com confiança e, em seguida, com aceitação. E do jeito que quiser. E não existem maneiras erradas de rezar. Qualquer caminho que te aproxime de Deus é o caminho certo para você.
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“Sermos irmãos e irmãs não é apenas cuidarmos uns dos outros, mas nos fazermos amigos”. Entrevista com James Martin, s.j. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU