10 Março 2021
A campanha de imunização no Chile funciona, mas a tentação de um uso eleitoral e a falsa sensação de segurança com uma vacina que é apenas 50% eficaz convidam a não baixar a guarda.
A reportagem é de Geoffrey Pleyers e Karla Henríquez, publicada por Open Democracy, 01-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nas estatísticas mundiais, o Chile aparece como um dos países com maior número de vacinação no mundo contra a covid-19 nas últimas semanas. As estatísticas são claras, quase três milhões receberam pelo menos uma dose da vacina, isso é, uma taxa de 17.26 a cada 100 habitantes, quando na União Europeia a taxa é de 7.26 (dados de 27 de fevereiro).
Diante do que se apresenta como uma campanha exitosa e um consenso midiático, urge alertar sobre três elementos chaves que questionam a perspectiva hegemônica e alertar três atores chaves na luta contra a pandemia: os epidemiologistas, cientistas sociais e jornalistas; os políticos e os cidadãos.
As estatísticas oficiais pintam um panorama muito exitoso para o Chile. Porém, por trás da cifra de 2,87 milhões de vacinados em 20 de fevereiro, há uma realidade mais díspar. Apresentam-se as estatísticas como se todas as vacinas fossem igualmente efetivas e se fala da população imunizada quando apenas 55 mil pessoas receberam as duas doses das 2,88 milhões de vacinações realizadas. As cifras entregues pelo DEIS indicam que 18,6% das pessoas se vacinaram, mas o cálculo da população alvo considera um universo de pouco mais de 18 milhões, quando as estimativas do INE em 2020 apontavam que são quase 19,5 milhões de pessoas. Do total das vacinas 2.777.252 são CoronaVac e 112.696 Pfizer/BioNTech.
O consenso científico é de que essas vacinas têm desempenhos diferentes na resposta à inoculação, algumas são mais efetivas que outras. Os estudos mais recentes demonstram que a Pfizer/BioNTech é a vacina mais eficaz, com 95% de proteção efetiva. Na sequência, Moderna (94%), Sputnik V (92%), Novavax (89%), AstraZeneca (70%), Johnson & Johnson/Janssen (66%). Enquanto que a CoronaVac/Sinovac, produzida na China, tem resultados menos destacáveis, ficando em último lugar, com 50% de eficácia. Isso é, de 100 pessoas que se vacinaram as duas doses, a metade pode ainda se contagiar.
É uma responsabilidade dos epidemiologistas, cientistas sociais e jornalistas interpretar as estatísticas com precaução e distância, e informar à população que por trás das estatísticas de vacinação há distinções entre vacinas de acordo com sua eficácia.
A União Europeia não autorizou essa vacina porque não se comprovou uma eficácia suficiente. Em outros países do mundo, como as Filipinas, denuncia-se que as classes populares receberam a CoronaVac, enquanto às privilegiadas reserva-se as melhores vacinas. Mas no Chile todos os meios de comunicação celebram o êxito de uma campanha de vacinação com 96% de CoronaVac.
Com a celebração das estatísticas nacionais, surge outra questão. O objetivo desta campanha massiva de vacinação no Chile é proteger a população contra o vírus ou ter as melhores estatísticas em termos de número de vacinações?
Os números são animadores e é fácil ser seduzido. Eles escondem uma batalha contra a pandemia que é mais complexa e está longe de terminar. O esclarecimento desses pontos é ainda mais importante neste ano eleitoral na hora de eleger constituintes, governadores e vereadores regionais, prefeitos, vereadores, deputados, senadores e o presidente.
Pouco se tem falado sobre as implicações da vacinação em período eleitoral e é fácil cair no manejo político das estatísticas. As diferentes temporalidades das epidemias tornam este ponto ainda mais importante. Quando as estatísticas de vacinação são de uso imediato, a taxa real de proteção da população só será conhecida algumas semanas depois e não é antes de meses que o sucesso ou fracasso da estratégia do governo se refletirá no número de mortos pela pandemia.
Para além dos usos eleitorais, a divulgação e amplificação por dirigentes políticos e imprensa de uma mensagem que leva muitas pessoas a se considerarem protegidas do vírus quando não estão, ou apenas parcialmente, pode resultar numa nova onda de contágio e, portanto, inúmeras mortes a mais por covid-19.
A nível coletivo, pode fazer sentido o uso massivo de uma vacina com apenas 50% de eficácia na redução da circulação do vírus na população. Mas se as pessoas que receberam essa vacina acreditam que estão protegidas do vírus, elas diminuem a atenção para as proteções sanitárias e retomam suas vidas ativas como se o vírus não as afetasse mais. O risco é alto, se assim for, essa campanha de vacinação pode ter o efeito contrário, aumentando o número de infectados e de óbitos por covid-19.
Terceiro, é crucial que os cidadãos não baixem a guarda contra a covid-19. Todos nós podemos ser cativados pelas figuras atraentes e pela esperança de um breve retorno à vida social ativa.
O vírus não desapareceu e a pandemia está longe de terminar. Muitas das pessoas vacinadas podem ser infectadas pelo vírus e, portanto, disseminá-lo. Se essas pessoas reduzirem os cuidados sanitários e retomarem uma vida ativa “como antes”, longe de vencer a pandemia como as estatísticas de vacinação nos permitem acreditar, estaremos à beira de uma terceira onda de contaminação.
É fundamental e urgente apelar aos cidadãos para que mantenham cuidados, respeitem o distanciamento social, usem corretamente a máscara, lavem constantemente as mãos, usem álcool gel e continuem com as ações de solidariedade e ajuda mútua que salvaram muitos durante esta pandemia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vacinação no Chile: o que há por trás? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU