03 Março 2021
O reitor da Universidade José Simeón Cañas – UCA de San Salvador, comenta seus temores sobre o resultado das eleições municipais e legislativas de El Salvador.
No domingo, 28-02-2021, ocorreram as eleições de prefeitos e deputados em El Salvador. Segundo o padre Andreu Oliva, s.j., reitor da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas – UCA de San Salvador, aconteceram em total harmonia, com uma participação cidadã em torno de 50 a 55%, seguindo as medidas de prevenção para evitar os contágios de covid-19. Chegou-se a estas eleições depois de uma campanha eleitoral revestida de mensagens quase sempre negativas, de confronto – na sua acepção negativa –, ofensivas e algumas vezes falsas.
Em entrevista, Oliva explica a particular relevância destas eleições na conjuntura atual que vive o país. Pelos cargos-chave que elege a Assembleia Legislativa, e o modo de atuar do partido eleito por maioria (Nuevas Ideas) do presidente Nayib Bukele, “se teme que não se vá para uma democracia maior, mas sim para um estado autoritário”, explica o reitor.
A entrevista é de Manuel Cubías, publicada por Vatican News, 02-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O presidente neste um ano e nove meses de governo demonstrou marcado desprezo pelas instituições e pelos acordos de paz, que permitiram colocar fim à guerra civil que durou 12 anos e tirou a vida de 80 mil pessoas. O tema da pobreza, agudizada pela covid-19, é também um ponto importante abordado por Oliva, o governo concedeu benefícios e cestas básicas durante a pandemia, que ganhou o beneplácito de parte da população, mas se trata de “paliativos”, diz, pois, o que se necessita são mudanças estruturais.
Oliva destaca o caráter transcendental da assembleia legislativa e a conquista, nessas eleições, de maioria pelo partido de Bukele, Nuevas Ideas e da coalizão Gana (Gran Alianza por la Unidad Nacional). São partidos que “mostraram, com o presidente, uma tendência bastante autoritária, e que ao longo de todos esses meses se dedicaram a desacreditar as demais forças políticas”, explica.
Cabe destacar que durante a pandemia o presidente anulou a função legislativa da Assembleia, até agora dirigida pela oposição, com poder de veto. “Houve um grande confronto entre o presidente da república, o partido que ele apoia - Nuevas Ideas e também Gana - contra os demais partidos que estiveram nas primeiras posições nestes anos após os acordos de paz”, diz o padre.
“É preocupante que, com maioria absoluta na assembleia legislativa, o presidente possa tomar medidas que afetem o estado de direito, que busquem minar as instituições democráticas e que uma mudança na constituição possa até ser promovida em detrimento do sistema democrático que, embora imperfeito, tem alcançado resultados importantes nestes anos”.
O reitor da universidade acrescenta que Bukele “aproveitou muito bem” a percepção de corrupção da população das forças políticas que governaram o país nos últimos anos, especialmente ARENA (Alianza Republicana Nacionalista) e FMLN (Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional), que, de fato, “muitas vezes defenderam mais os seus interesses partidários do que os interesses da população”.
Por outro lado, cabe à Assembleia Legislativa eleger “cargos-chave”, observa o jesuíta: escolher o Procurador-Geral da República, o Tribunal de Contas da República, os magistrados do Supremo Tribunal de Justiça, o Procurador de Direitos Humanos, o procurador-geral da República.
“Dada a forma como vemos que o partido Nuevas Ideas e o presidente Nayib Bukele agem”, teme-se que “pessoas que pensam como ele e que o apoiam em um projeto partidário para o país sejam colocadas nestas cadeiras”, que, “sem dúvidas, pelo que vimos neste um ano e nove meses de governo, não é augúrio pensar que vamos para uma maior democracia, mas que vamos mais para um estado mais autoritário”.
A pobreza também aumentou devido à pandemia do coronavírus e foi uma das coisas que jogou a favor do voto no Nuevas Ideas, explica o jesuíta. O governo distribuiu, no início da pandemia, um auxílio de 300 dólares, e estava entregando sacolas e caixas de alimentos para as pessoas. “Isso faz com que as pessoas sintam que o governo se preocupa com elas, mas não são mudanças estruturais, são apenas paliativas”, afirma.
O reitor da UCA conclui: “não vemos que este governo seja capaz de uma reativação econômica que tenha profundidade suficiente para poder dar emprego e melhorar as condições de vida da população, porque o país tem uma imensa dívida externa, aumentada pelo próprio governo, para o qual muitos recursos precisam ser alocados do orçamento nacional, e assim, os recursos para poder ter programas de reativação econômica para proteção social serão escassos”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“El Salvador se encaminha para ser um Estado mais autoritário”, afirma Andreu Oliva, s.j., reitor da UCA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU