02 Março 2021
Para reanimar uma economia é preciso dar dinheiro a quem tem menos, porque gastará mais, mais perto, mais rápido e melhor do que quem já tem muito. Por isso, para o economista Joseph Stiglitz é mais eficaz injetar euros nas contas dos cidadãos ou não cobrar impostos da classe baixa e média do que inflar a bolsa para os grandes investidores.
Quando a classes médias já tiverem relançado o consumo e a economia, será o momento de subir as taxas de juros e os impostos, que servirão para recuperar esses estímulos e seguir redistribuindo emprego e prosperidade. É o que Joe Biden fará e é o que Stiglitz aconselha à União Europeia.
Tomara que deem a cada europeu a mesma quantidade de dinheiro que cada estadunidense receberá. Saberemos como gastá-lo.
A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 28-02-2021. A tradução é do Cepat.
Quem administra melhor a saída da recessão, os Estados Unidos ou a União Europeia?
A União Europeia deu grandes passos nesta pandemia para ser mais eficiente, mas agora deve gastar mais e mais rápido...
Os Estados Unidos já aplicam três trilhões de dólares em estímulos, a União Europeia não chega nem a um.
Tomar decisões é comparar o risco de fazer algo e o de não fazer e, entre os dois, escolher o menor. E agora o risco maior é fazer muito pouco. Acredito que os Estados Unidos, com Biden, estão fazendo o necessário e que, ao contrário, a União Europeia faz muito pouco.
Não teme que gerar tanta liquidez, de repente, acabe disparando a inflação?
É muito mais difícil lutar contra uma recessão do que contra a inflação. Por isso, o mais urgente agora é garantir que a economia de todos se recupere. Depois, vamos nos ocupar da inflação, porque temos instrumentos eficazes para freá-la.
Quais?
Contra a inflação, podemos subir as taxas de juros e podemos aumentar os impostos para os mais ricos, e nos Estados Unidos, acredite, há muita margem para aumentá-los.
Você ensinou Janet Yellen e ainda é o seu mentor...
E aprendemos a gerar crescimento para depois reparti-lo. Quando crescermos, será o momento de políticas de igualdade para que os impostos, hoje muito baixos para os ricos, financiem as melhoras em nossa educação, tecnologia, ciência, infraestruturas...
O que a União Europeia já deveria estar fazendo?
A União Europeia deu grandes passos nesta pandemia para ser mais eficiente, mas, além de gastar mais e mais rápido, deveria reformar suas estruturas e avançar em sua harmonização para frear o aumento da desigualdade.
Quais? Como?
O grande problema europeu é que a tributação ainda está nas mãos de cada um dos estados-membros, que aprovam seus impostos e os cobram. E as multinacionais e os mais ricos se aproveitam e vão mudando de um país para o outro para pagar menos, e assim não se arrecada bastante.
Google, Facebook e outras empresas tecnológicas não são claros exemplos de evasão fiscal?
O que a Apple e o Google fizeram na União Europeia é inaceitável. Domiciliaram-se na Irlanda para pagar menos e assim, eles e a Irlanda, estavam roubando do restante da União Europeia. E, além disso, essas gigantescas empresas criavam muito pouco emprego e de pouca qualidade nos países onde ganhavam muito e não pagavam impostos.
Com Biden, as coisas mudarão?
Sei que o presidente Biden já trabalha para conseguir grandes acordos globais para que o Google, o Facebook e outros tributem o que é justo onde obtêm seus lucros e não apenas onde podem pagar menos, como fazem agora.
Piketty e outros pedem o perdão da dívida europeia pela pandemia.
Se você aperta muito o credor, muitas vezes, acaba recuperando menos da dívida. Ao contrário, se pactua algumas condições racionais de devolução, ele e você ganham. E hoje há mecanismos financeiros eficientes, como determinados swaps (contratos de futuro), para gerir essa dívida. Assim todos ganhariam.
Em 2008, você me disse que a austeridade era suicida. Hoje, todos lhe dão razão.
Mas durante décadas sofremos esse fundamentalismo de mercado. Por fim, após fracassar na saída da recessão de 2008 com suas medidas de austeridade, a União Europeia percebeu que em uma crise apertar o cinto dos países que já estão sofrendo, em vez de ajudá-los, conduz todos à catástrofe.
E hoje o mundo todo pede estímulos.
Porque a partir de 2008 ficou demonstrado que os mercados abandonados à sua própria dinâmica não funcionam e que a austeridade e a falta de investimento no público geram a ruína privada da maioria.
Quando será o momento de combater a desigualdade que aumentou em 2020?
Quando a prosperidade que os estímulos geram nos permitir aumentar taxas e impostos para os mais ricos. É então que, como acontecia antes da pandemia nos Estados Unidos, até mesmo trabalhadores marginais terão emprego.
Hoje, sim, considera que o euro sobreviverá?
Em 2010, disse que temia que não superasse a austeridade daquele momento e sobreviveu, mas a boa notícia é que, nesta recessão pandêmica, sim, a União Europeia acertou ao conferir auxílios em vez de crédito aos países em apuros.
Quais devem ser os outros passos da União Europeia?
A agenda comum contra a mudança climática é estupenda, e espero um mecanismo para pagar a dívida de forma comum, mediante impostos para toda a União Europeia: digitais, empresariais, ambientais... Esta pandemia é uma oportunidade.
Como verificará o nosso pulso econômico, quando voltar à Espanha?
Sempre olho as estatísticas de um país, mas acredito mais no que vejo, e a chave da Espanha é sua altíssima taxa de desemprego e, em especial, o desemprego juvenil. Vou me fixar se é o que se nota na rua.
A ultradireita continuará crescendo se Biden e a União Europeia reduzirem a desigualdade?
Nem tudo na vida é economia: se a desigualdade aumenta, a tensão social também, mas de forma diferente em cada país. Nos Estados Unidos, é a tensão racial. Na Espanha, a territorial.
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“Reativarão a economia dando dinheiro aos pobres, não aos ricos”. Entrevista com Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU