A queda da centralidade universalista do ser humano é evidente. O humanismo, antes, oferecia valores-bússola, mas hoje não é mais capaz de fazê-lo. A filosofia pós-humanista tenta dar novos pontos de referência, em um cenário em que a técnica não é mais um instrumento, mas sim um agente de mudança do humano.
A reflexão é de Roberto Marchesini, etologista italiano e fundador da zooantropologia, em artigo publicado por Agenda Digitale, 12-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com o advento de novas tecnologias, mas, mais em geral, devido ao deslocamento de significado da relação do ser humano com a téchne, levantam-se hoje novos desafios interpretativos da tecnopoiese e da leitura do humano, os quais também investem, embora em um segundo momento, sobre a reflexão ética.
A ética da simpatia de memória humeana (do filósofo David Hume) ou a de Emmanuel Lévinas sobre o conceito de alteridade, ambas baseadas no reconhecimento de uma condição-presença somática comum, que remete a uma responsabilidade em relação ao outro, encontram-se desarmadas pela disjunção irreversível entre agente e paciente moral, em relação não tanto aos âmbitos espaciais – como ainda em vigor no domínio das mídias analógicas –, mas sim à projeção narcisista do sujeito dentro de uma dimensão própria de vivência, em virtude da imersão digitálica [digitalica, no original].
A mediação digitálica, de fato, que também absorveu todas as outras intermediações instrumentais, não mantém os sujeitos interagentes no mesmo plano de encontro somático; consequentemente, não pode mais se limitar ao problema das forças em campo ou, em outras palavras, não pode mais ser abordada em termos de extensão-amputação, como se evidencia na leitura de Marshall McLuhan, porque não é a distância que é posta em questão, não é uma potencialização que é inaugurada pela digitalização, isto é, não são as relações de força os verdadeiros pontos críticos, mas sim a ruptura do plano intersomático nas relações.
Se até a primeira metade do século XX ainda se podia falar de téchne como de um conjunto de entidades de suporte, parceladas em uma multidão de instrumentos disjuntos, com o advento da revolução digitálica, ela, ultrapassando a condição analógica dos elementos instrumentais separados entre si, assume uma consistência dimensional, ou seja, faz-se ecossistema. A téchne torna-se, portanto, um segundo ambiente que, mesmo quando põe em contato, coloca o sujeito em uma condição de relacionalidade dessomatizada, razão pela qual falamos de tecnosfera.
Na tecnosfera, o ser humano é chamado a uma ação de projeção, ou seja, em termos de plena vivência ou de adesão a uma segunda realidade, a fim de poder usufruir das diversas utilidades funcionais – tanto a leitura de um texto, a assinatura de um documento, a escuta de um trecho musical ou a assistência de um filme – movendo-se de modo dimensional entre elas, exatamente como se fosse em um ambiente. Isso muda consideravelmente a noção de presença e responsabilidade nas práticas, uma vez que toda produção do sujeito – seja ela uma simples postagem em uma mídia social ou uma decisão que envolva centenas de pessoas agida com um simples clique – é sempre mediada de modo desestrutural em relação ao plano somático e não se limita ao âmbito telecinético.
Constatamos isso cotidianamente nas páginas do Facebook, onde o que se dissolve é o próprio conceito de identidade relacional e consequencial das práticas agidas. O ente dessomatizado não está simplesmente distante, mas dissolve qualquer conotação de presença, ou seja, não é mais chamado a presenciar de modo direto e identitário as suas ações, razão pela qual a téchne, de suporte, torna-se dimensão de imersão e adaptação a um novo regime mais semelhante à projeção da Alice, de Lewis Carroll, e com fortes seduções narcisistas e solipsistas que afetam inevitavelmente o estado de agente moral do indivíduo.
Ao mesmo tempo, a revolução digitálica impõe uma redefinição crítica da nossa relação com a téchne, pois também destaca retrospectivamente a insubsistência da leitura humanística que põe o ser humano como:
1. criador de técnica por ser necessitado em virtude de uma carência;
2. autárquico no processo ideativo tecnopoiético;
3. capaz de um pleno controle sobre a evolução da téchne;
4. autodeterminante em seu próprio projeto.
Essa transformação, que pôs em discussão não só o conceito de instrumento, mas também algumas das dicotomias tradicionais vigentes e fundacionais da relação entre o ser humano e a tecnologia – como as de: invenção/descoberta, artificial/natural, corpo/prótese – contribuiu para a emergência de um novo paradigma cultural, que leva o nome de “pós-humanismo”, chamado a redefinir a nossa relação com a téchne, a partir do questionamento dos três pressupostos fundadores do humanismo:
Podemos, então, afirmar que, se é verdade que a revolução digitálica inaugurou novas criticidades a serem respondidas, é igualmente verdade que ela simplesmente conclamou e evidenciou aspectos que já estavam vigentes nas primeiras expressões culturais do ser humano. A reflexão, portanto, investe como um todo sobre esses três pressupostos fundadores que hoje parecem evidentemente contraditos.
O pós-humanismo, de fato, não deve ser considerado uma forma de anti-humanismo, nem uma simples desconstrução dos termos identificadores do humano, mas sim uma revisitação deles, com base em uma visão relacional – eco-ontológica – dos eventos predicativos e dos resultados quando falamos de humano; por isso, poderíamos considerá-lo como uma espécie de neo-humanismo não antropocentrado, mesmo que, justamente em razão da descontinuidade em relação à imagem vitruviana e aos pressupostos-consequências a ela ligados, eu prefira o termo pós-humanismo. O princípio não é a negação de um predicativo específico que pode ser definido sob o termo de humano, mas como se chega a este último: de acordo com a visão pós-humanística, o humano é o resultado relacional do Homo e não o seu produto emanativo-compensatório, razão pela qual o humano é impensável por reconhecimento interno.
Nesta leitura eco-ontológica do predicado – em que a expressão humana é o fruto da relação que contraímos com uma entidade não humana – ou, em outras palavras, “híbrida” do resultado antropopoiético, a téchne desempenha um papel nada secundário, já que representa uma das fontes mais importantes de hibridação e, consequentemente, de antropopoiese. Segundo a leitura pós-humanística, a condição humana nunca esteve sob o pleno controle do ser humano; hoje essa constatação é apenas mais explícita, e não pode ser obtida em pureza e autodeterminação, mas por meio de uma multiplicidade de eventos cofatoriais. A partir das primeiras expressões culturais, fomentos de téchnai, o ser humano trilhou a estrada da hibridação, deixando-se contaminar pelo mundo externo e descentrando-se em relação ao legado biológico recebido pela filogênese. Nessa perspectiva, o humano se transforma em uma espécie de entidade sincicial que deve renunciar ao pleno protagonismo na rota da sua própria navegação.
Tais metamorfoses interpretativas também têm profundas implicações éticas, em particular nos aspectos:
i. da relação entre o âmbito descritivo e prescritivo, não mais tão claramente distinguível como se apresentava na perspectiva tradicional;
ii. da identificação do estatuto de paciente moral, em consequência da queda da simetria agente-paciente e da superação do antropocentrismo;
iii. da dificuldade – eu diria precisamente da impraticabilidade – na elaboração de uma normatividade tanto de ordem deontológica quanto consequencialista a partir da incerteza da certificação racional sobre as práticas.
Para abordar o tema da tecnoética, entendendo com este termo o advento de deslocamentos fundamentais no sistema de valores e prescritivo que a tecnologia inaugurou e está cada vez mais colocando em campo e, consequentemente, a necessidade de refletir sobre novas questões morais, decidi levar em consideração dois assuntos:
Para analisar as mudanças que vêm se configurando principalmente com a revolução digitálica do século XX, deslocamentos que, ao invés de inaugurar, evidenciaram algumas dificuldades interpretativas da relação entre homem e téchne, assim como pensadas pelo paradigma humanístico – daí a proposta filosófica pós-humanística – é necessário partir de uma perspectiva, por assim dizer, antropológica dessa relação e compreender quais aspectos requerem uma revisão.
Temos, então, três assuntos-chave para discutir:
1. uma análise ontológica do humano que, partindo de uma leitura crítica do mito prometeico, fundamento do paradigma humanístico de Pico della Mirandola a Gelhen, hoje não pode prescindir dos pressupostos da revolução darwiniana e das evidências científicas;
2. uma revisitação do processo tecnopoiético, redefinindo o caráter de criatividade do engenho humano e os resultados antropopoiéticos;
3. uma avaliação do significado da téchne à luz da emergência digitálica e tecnosférica e também da superação dos cânones tradicionais de interpretação da relação entre o ser humano e o suporte tecnológico.
A visão humanista da predicação humana, no centro de toda ontologia antropocentrada, pode ser remetida ao mito dos dois titãs Epimeteu e Prometeu; o primeiro, dispensador de predicados performáticos somatizados; o segundo, chamado a ressarcir a falta de declinação funcional corpórea no ser humano por meio do fogo e da téchne.
Podemos entrever nessa fundação todos os germes do antropocentrismo ontológico:
i. em primeiro lugar, ao criar uma dupla genealogia predicativa que desconecta o ser humano das outras espécies, tornando-o não uma entidade específica, mas sim especial;
ii. desvinculando assim o homem da normatividade e da predeterminação do conjunto natural, ou seja, tornando-o livre na medida em que não é declinado, poderíamos dizer emancipando-o da natureza;
iii. depois, tornando-o uma entidade neutra, que, portanto, pode aspirar-pretender se colocar como métrica do mundo, mas também como recipiente e subsunção de mundo, por ser capaz de utilizar os mais variados instrumentos para obter qualquer declinação performativa;
iv. some-se a isso a autodeterminação, a autopoiese e, em última instância, a autarquia ontológica, isto é, a pureza em relação a toda contaminação telúrica, por estar separado da função ou por não estar atordoado na função, para citar Heidegger;
v. enfim, capaz de se colocar no leme do seu próprio percurso de realização e tensional em termos de verticalização ontológica.
A falta de um grau natural introduz a ideia de Pico de um ser humano como medida do mundo e proteiforme no resultado ontológico: desde os seus primórdios – aliás, uma retomada de legados já presentes nas duas tradições ocidentais – o humanismo se perfila como uma liberação do ser humano de qualquer vínculo, colocando a animalidade como um contratermo, um porto do qual é possível zarpar e uma polaridade da qual é preciso se distanciar, através de múltiplas oscilações de fundo. Ao mesmo tempo, o humanismo é funcional ao propor uma concepção livre e autorreferida do ser humano, uma espécie de nova aurora capaz de permitir entrever o destino do homem para além das brumas do teocentrismo.
Surge daí uma imagem conclamada no prospecto vitruviano de Leonardo, em que o ser humano:
i. tem uma forma não conjugada sob o perfil performativo e, portanto, neutro-larval de tal modo a poder ser medida do mundo;
ii. propõe-se como universal, capaz não só de informar o mundo (antropoplástica), mas também de subsumi-lo e contê-lo;
iii. mantém uma pureza intrínseca justamente em virtude da necessidade de um instrumento que distancia o corpo do substrato sobre o qual age;
iv. é autopoiético, autodeterminante, portador de fins intrínsecos, autárquico e, portanto, emanativo em todas as suas expressões culturais;
v. requer a intervenção de uma muleta ou de uma contenção por parte de um ente externo, não só performativo, mas também normativo.
Obviamente, o modo de conceber a vacuidade ou a insuficiência da natureza humana se torna funcional a uma visão consequente do ato ideativo, produtivo e introjetivo da téchne, aquilo que eu defini como tecnopoiese. O ser humano nu, imperfeito, incompleto, portador de faltas e de insuficiências – e aqui os diversos autores que se sucederam na leitura antropológica e filosófica do predicar humano nos entregaram uma miríade de versões diferentes, embora todas sob o mesmo princípio – se dirige à téchne para compensar, mas também para reforçar a intenção de verticalização existencial ou de exoneração. Podemos dizer que toda a parábola humanística, que entra em crise no início do século XX, se fundamenta nessa mitopoiese da incompletude da natureza humana. A falta se traduz em liberdade, plasticidade, desvinculação, autodeterminação, disjunção, distinção, sustentando aquele antropocentrismo ontológico que será a base sobre o qual se construirá a idade moderna e todos os seus pressupostos.
Essa leitura, portanto, considera o ato-evento tecnopoiético como:
i. compensação, em relação a uma deficiência biológica, capacidade de sustentar e reequilibrar, de modo muito semelhante a uma muleta;
ii. ressarcimento, em relação a uma insuficiência, contrapasso de uma injustiça, que torna viável uma sobrevivência de outra forma impossível;
iii. completude, em relação ao resultado performativo, poderíamos dizer aperfeiçoamento ou contenção, capaz de canalizar além de dar forma a uma energia de outra forma fora de controle;
iv. proteção, em relação à larvalidade biológica, ou seja, capaz de atuar como segunda pele ou como âmnio protetor, habitação do ser humano desprovido de um nicho ecológico próprio;
v. autarquia, isto é, autossuficiência em relação à declinação e igualmente descontaminação com respeito ao não humano, expressão emanativa da pureza humana e igualmente recursividade em manter ou enfatizar tal pureza;
vi. emancipação dos vínculos da natureza, com a consequente liberdade na definição dos próprios fins e igualmente autopoiese na construção de si mesmo.
Além disso, considera-se que a tecnopoiese produz consequentemente uma disjunção e uma exoneração, interpretável de acordo com diversas perspectivas, por exemplo, na diferença entre Gelhen e Plessner, que introduzem substancialmente duas consequências: 1) a exuberância, daí a necessidade de uma contenção em relação ao exterior; 2) o distanciamento, daí a imagem do humano contemplativo ou não pobre de mundo.
As características da téchne na leitura humanista
A téchne na leitura humanista assume, portanto, algumas características:
i. veste funcionalmente o humano, concedendo-lhe os dotes que lhe faltam;
ii. potencializa e canaliza ainda mais uma força predicativa inerente;
iii. é ergonômica, pois é fruto de uma antropoplástica, razão pela qual se adapta ao corpo que a informa;
iv. é acessória e desempenha o papel de instrumento a serviço dos nossos fins;
v. aumenta a independência e a distância entre o humano e o mundo, ou seja, não imerge na performatividade, mas emancipa da função;
vi. é o fruto autárquico e emanativo do engenho humano, é a expressão mais autêntica do ser humano e do seu impulso ascensional;
vii. permanece externa e mantém a pureza interna do humano, razão pela qual todo evento cultural é considerado um rito de purificação;
viii. distingue o ser humano das outras espécies, tornando-o especial e não específico;
ix. tem uma direcionalidade própria, compensatória ou ressarcitória, de contenção ou normativa, habitativa e disjuntiva em relação à natureza;
x. está sob o pleno controle do ser humano.
Pós-humanismo
São esses os pontos que desejo pôr em discussão, a partir da leitura do ser humano, tanto sob o perfil antropológico quanto ontológico. Podemos, então, nos perguntar se ainda faz sentido, por exemplo, em uma visão darwiniana da processualidade filogenética, falar de uma falta ab-origene da dotação humana e, acima de tudo, se o próprio conceito de completude-incompletude faz sentido.
Na minha opinião, não:
1) sob o perfil puramente teórico, por duas razões básicas:
i. porque a filogênese não completa/aperfeiçoa nada, ou seja, não prevê essa métrica avaliativa, de fato, um legado essencialista,
ii. porque, em uma lógica replicativa, ou seja, de fitness diferencial dos sujeitos presentes em uma população, não é possível um zeramento das pressões seletivas, mas apenas um deslizamento;
2) sob o perfil da investigação morfofuncional, porque, de fato, o ser humano se apresenta no máximo como especializado-redundante ao invés de carente:
i. tomemos como exemplo a conformação especializada em comparação às outras antropomorfas da diferenciação anatomofuncional do trem anterior em relação ao posterior,
ii. sem esquecer a redundância do sistema neurobiológico, que apresenta não apenas o exorbitante número de neurônios, mas também uma arquitetura detalhada do próprio sistema. E são apenas dois pequenos exemplos.
Mas, então, nos perguntamos: por que é tão forte, eu diria quase intuitiva, a ideia de uma carencialidade do ser humano, razão pela qual lemos a tecnopoiese como um evento compensatório?
Do meu ponto de vista, a “sensação de carência”, porque é disso que se trata, nada mais é do que uma distorção cognitiva atribuível ao chamado viés de interpretação a posteriori. É normal, de fato, que, uma vez assumida uma parceria tecnomediada, haja:
1. uma percepção de carência sob o perfil performativo, por estarmos habituados a outros padrões de eficácia;
2. uma percepção de déficit de credenciamento, pois a téchne inaugura novos costumes sociais e de pertencimento;
3. uma dependência ontogenética em relação ao suporte tecnológico, pois cada instrumento exerce algumas faculdades, deprimindo outras;
4. uma correlação evolutiva na práxis ontogenética, pois o hábito com uma técnica-tecnologia produz informações organizacionais capazes de dar um cabeamento específico aos sistemas biológicos, especialmente de interface;
5. deslizamentos filogenéticos de longo prazo, porque uma técnica ou um suporte modifica as pressões seletivas vigentes dentro de uma população, redefinindo o bauplan morfogenético da espécie.
A tecnopoiese conjuga o humano sobre as suas próprias coordenadas
Nessa chave, temos, portanto, uma tecnopoiese que não compensa, mas conjuga o ser humano – ao longo das cinco escansões apresentadas acima – sobre as suas próprias coordenadas. Poderíamos dizer que o ser humano, por meio do suporte técnico-tecnológico, se correlaciona com uma dimensão performativa, exatamente como na construção do nicho em ecologia evolucionista, razão pela qual toda emergência tecnopoiética produz uma condição de carência. O humanismo considera a falta como um “apriori” que põe em movimento a tecnopoiese. Em relação ao que foi dito acima, é necessário, ao contrário, considerar a falta como uma percepção “a posteriori” da própria tecnopoiese. A tecnopoiese é como o enamoramento, só que, depois dela, sente-se a falta do parceiro.
A falta, portanto, é a consequência e não a causa da projeção tecnopoiética. Isso significa que o modo de ler a natureza humana, como carencial em comparação com as outras espécies, nada mais é do que uma distorção cognitiva, que, no entanto, pode nos dizer muito sobre o volante da tecnopoiese. O mito, de fato, não faz referência apenas à engenhosidade trapaceira do titã Prometeu, mas também sublinha a pluralidade dos predicados que Epimeteu dispensa, predicados que se abrigam nas virtudes somáticas dos outros animais.
Essa é a melhor prova de fogo para compreender a fonte inspiradora da própria tecnopoiese: o ser humano construiu a sua própria coleção de téchnai tendo os animais como protocolo de revelação de possibilidades a serem alcançadas.
Eis, então, que devemos considerar o evento tecnopoiético como um ato dialógico e não solipsista, heteronormatizado e não autárquico, referido e não autorreferencial, fruto:
Em uma concepção pós-humanística, o ser humano, como espécie biológica, resultado de um percurso filogenético que não pode contradizer as dinâmicas do fitness, não pode ser definido como incompleto ou carente, mas, ao mesmo tempo, precisamente em virtude da própria exuberância identificativa e imaginativa, que o levou a ver epifanias existenciais nos animais, seu dimensionamento não é atribuível de modo exclusivo à sua natureza filogenética. A condição humana é um fruto híbrido.
Isso pode nos levar a crer que a crítica que é feita se refere exclusivamente à análise biológica da natureza humana. Não é assim, porque o paradigma da incompletude e a genealogia exclusivamente prometeica representam os fundamentos de toda uma série de considerações, cujo conjunto sustenta o edifício humanístico.
Se esses dois pressupostos desmoronam, o que desaparece e decai é a imagem vitruviana:
i. o ser humano não pode mais ser considerado como uma entidade totalmente desvinculada de caracterizações internas; ele perde aquela plasticidade total que é condição sine qua non da pretensa verticalização ontológica;
ii. também não pode aspirar a se situar como unidade de medida do mundo se renunciar à condição de neutralidade declinativa;
iii. não pode mais se fundar iuxta propria principia, ou seja, não pode se definir como uma entidade autárquica, explicável por reconhecimento interno;
iv. deve renunciar a qualquer hipótese de pureza, disjunção e distinção em relação a tudo o que o rodeia, reconhecendo-se na imersão e na hibridação, e não no distanciamento;
v. deve abandonar também a pretensão de estar no leme do seu próprio projeto antropopoiético, reconhecendo outras cofatorialidades e heteronomias na construção da sua própria condição.
De acordo com a leitura pós-humanística, o ato tecnopoiético, por isso, deve ser interpretado de forma diferente:
i. não compensa/reequilibra um déficit ou uma condição desadaptativa, mas cria condições de instabilidade interna e percepção de carência;
ii. não ressarce, mas cria mais dependências e novas necessidades;
iii. em vez de compensação, é correto falar de correlação e de novas conjugações performativas;
iv. não mantém uma pureza, mas, ao invés disso, hibrida e antropodecentra;
v. não se compõe em autarquia, mas é fruto de uma epifania de encontro com alteridades;
vi. não emancipa da natureza, mas aumenta as dependências em relação às evoluções ecológicas;
vii. não realiza as finalidades do ser humano, mas acrescenta fins ou desloca o eixo projetual do humano;
viii. não veste nem tutela a integridade do corpo, mas o força por meio de uma somatização do suporte.
A tecnopoiese leva a um distanciamento do mundo? Só aparentemente, porque, quanto mais numerosos forem os intermediários entre sujeito-mundo, maior é a dependência, por exemplo, a especialização performativa.
A visão humanística é irênica e tranquilizadora ao se situar como uma “história exatamente assim”. Aqui a técnica ajuda, porque compensa uma carência e porque exonera de uma tarefa. A téchne, na tradição clássica, é construída sobre o princípio ergonômico, ou seja, deve se adaptar ao corpo. Hoje, descobrimos, talvez com surpresa – daí a tendência à remoção –, que é o corpo que deve se adaptar à téchne, que toda tecnopoiese produz não equilíbrio e não estabilidade, que inaugura campos de imprevisibilidade, justamente como um tsunami ontológico.
A téchne não mostra um “como”, nunca dá vida a um fenômeno a se seguir/imitar, mas mostra um “porquê”, uma dimensão existencial.
Impacto da téchne sobre o humano
A téchne, portanto:
i. desveste o humano, tornando-o mais exposto ao mundo;
ii. como um vírus, produz novos predicados;
iii. não é ergonômica; adapta e disseca o corpo;
iv. acrescenta ou inaugura novos fins, aos quais nos submetemos;
v. aumenta a dependência; pensemos apenas na nossa atual exposição ecológica;
vi. traz de volta de forma arquetípica o imprimatur epifânico, tornando o humano não explicável iuxta propria principia;
vii. introjeta-se profundamente, conjuga o corpo e é sempre interna;
viii. tem diversos níveis na natureza, não existe uma dicotomia natural versus artificial;
ix. é sempre criativa, ocasional, fruto histórico e de serendipidade e encontros;
x. nunca está sob o pleno controle do homem.
A transformação social introduzida pela revolução informática do século XX está diante dos olhos de todos e, mesmo assim, na minha opinião, até agora só permitiu entrever poucos e escassos resultados das consequências que está determinando e das potencialidades que irá desdobrando ao longo das próximas décadas.
A explosão de entidades computacionais, que marcam o trabalho na escrivaninha, nos acompanham na forma de smartphones, ditam o ritmo das nossas ocupações durante as viagens através dos tablets ou se infiltram de modo nem sempre evidente em grande parte do nosso mundo, não modificou, senão minimamente, aquela percepção de eletrodoméstico que ainda informava o lendário Programma 101 da Olivetti, como entidade destinada ao projeto de funcionalidade da casa.
A perspectiva que se inaugurou nos anos 1960 de uma dimensão para o consumo familiar, a mesma que transforma os animais domésticos em pets, não é capaz de compreender a liquefação das relações sociais que está iniciando como contrapartida a uma aparente liberação hedonista.
As gerações que se sucederam nas últimas décadas do século XX, a partir do baby boom, estão cada vez mais ganhando confiança com a digitalização das diversas práticas operacionais e fruitivas, mas continuam pensando de forma analógica. O instrumento, sob essa ótica, é algo que repousa em um local bem preciso e que serve para cumprir uma determinada função, razão pela qual se interpreta a sua utilização através da ergonomia de acesso.
Se a televisão, o celular, a câmara de vídeo ou o leitor de mp3 utilizam tecnologia informática, temos igualmente acesso a eles de modo disjunto, ou seja, através de instrumentos bem distintos, como era a prática no mundo analógico. Tal atitude muda radicalmente na virada do século, e as novas gerações, definidas para esse fim como “nativas digitais”, mostram um acesso às tecnologias completamente diferente, não mais de utilização, mas sim de imersão. A chamada realidade virtual absorve cada vez mais a existência cotidiana das pessoas, tornando-se uma dimensão de vida. Mas são os jovens, que cresceram dentro desse milieu, aqueles que não conseguem imaginar um mundo sem computadores, que mostram as primeiras transformações de forma evidente, acentuando o afastamento da relação direta com o próximo e enfatizando a relação mediada pela janela digitálica, que cada vez menos lembra, não apenas conceitualmente, mas também fruitivamente, a imagem do instrumento doméstico, que pode ser colocado em um espaço bem específico da casa.
A virada das mídias sociais para o digitálico
As mídias sociais representam a expressão mais explícita dessa mudança, dando origem a uma filiação de situações e de terminologias dificilmente compreensíveis para quem viveu a própria juventude na segunda metade do século XX: a maioria se limita a utilizar essas novas formas de participação social, mas certamente não é capaz de fazer emergir de forma inovadora as imensas potencialidades que elas escondem.
E é precisamente em termos de adaptação participativa que se joga a grande partida da metamorfose induzida na passagem de uma cultura do analógico à do digitálico.
Se faz sentido aquilo que foi afirmado no parágrafo anterior, isto é, se é verdade que a relação com a téchne não tem valor compensatório e não se baseia em uma mera utilização – que: i) deixa o instrumento do lado de fora, ii) situa-o de modo ergonômico e até iii) preserva o corpo da contaminação –, em outras palavras, se o contrário for verdadeiro, temos mais de uma razão para nos preocuparmos em relação às mudanças de participação social induzidas pela imersão.
Não é uma posição neoludista
A esse respeito, gostaria de limpar imediatamente o campo do equívoco de sustentar uma atitude tecnofóbica ou neoludista: não acredito que as novas tecnologias representem, por si sós, um problema ou mesmo um mal, pelo contrário, considero-as grandes oportunidades também para refletir sobre o significado ecológico dos predicados. A minha reflexão se refere, antes, ao risco de abordar a aceleração digitálica com uma chave de leitura humanística que, se é incorreta também para as chamadas técnicas tradicionais – por se basear em pressupostos de centralidade, pureza e autarquia da condição humana –, torna-se conclamadamente paradoxal diante de uma téchne que se baseia no princípio de hibridação e de imersão.
E não se trata de saber ler um fenômeno com o distanciamento epistemológico de quem continua acreditando que não há relação produtiva entre descritivo e prescritivo, mas sim de compreender que, na frequentação da imersão tecnosférica, é o horizonte dos valores que muda, nos âmbitos estético e ético, ambos muito mais conectados do que se possa imaginar. Indubitavelmente, a conexão digitálica que caracteriza o panorama experiencial de uma criança desde os primeiríssimos anos de vida, eu diria até mesmo antes do 12º mês – a tal ponto que muitas vezes se aprende primeiro a navegar na web do que a caminhar –, produz resultados bem precisos do ponto de vista ontogenético.
Já é possível notar algumas transformações, muitas vezes erroneamente atribuídas a falhas educacionais por parte dos pais ou a problemas relacionados à escola, mas, na realidade, muito mais facilmente atribuíveis ao horizonte experiencial que a criança vive desde a infância, tais como:
i. uma forte flutuação dos parâmetros de arousal, acompanhada de insegurança, baixa resiliência e emotividade;
ii. uma escassa consciência das consequências concretas das próprias ações;
iii. uma incapacidade de gerir as frustrações e, em geral, as emoções;
iv. uma propensão à hipercinesia, relacionada com um déficit de atenção e concentração;
v. uma acentuada redução da capacidade empática e da identificação;
vi. uma tendência ao narcisismo e um excesso competitivo nas relações sociais;
vii. uma vertiginosa queda das vocações cooperativas e colaborativas;
viii. uma diminuição das capacidades mnésicas e da organização de uma identidade biográfica coerente.
Neste ponto, gostaria de chamar a atenção não apenas para as características de diferencial evolutivo que a experiência imersiva produz, mas também para as características comuns de socialização que, ao se enraizarem na familiaridade consolidada na infância, se traduzem depois em valores ou em prescrições.
De fato, se é verdade que tanto a empatia quanto a propensão colaborativa são qualidades intrínsecas do ser humano que, no entanto, exatamente como qualquer músculo, requerem exercícios evolutivos para poderem crescer e alcançar os padrões de adequação, é igualmente verdade que são os primeiros referentes da interação infantil que, depois, vão definir os parâmetros de eleição valorial do adulto.
Preocupa a erradicação do contexto natural e social que a prevalência imersiva produz, habituando a criança a se defrontar com outra realidade que será para ele, inevitavelmente, um ponto de referência, tanto na orientação quanto nos valores que a levam a eleger os entes a serem preservados e para os quais manifestará uma atitude negligente, porque não faz parte do seu panorama de socialização. Gostaria de dizer que nós podemos muito bem tentar ensinar o respeito pela natureza, pelos equilíbrios ambientais, pela sensciência animal, mas, se esses entes não encontrarem uma contrapartida de familiarização no jovem, isto é, se não corresponderem à sua estética e à sua introjeção biográfica, fruto das experiências de infância, esses preceitos permanecerão inevitavelmente como letra morta e não se traduzirão em atitudes sentidas e vividas.
No imaginário coletivo, a natureza tornou-se um pano de fundo, exatamente como nos cenários utilizados no cinema, uma espécie de cartão-postal de contornos bem definidos, a ser preservado na sua estaticidade e na disjunção dos entes, quase imaterial e, em todo o caso, hiper-real; não é mais um entrelaçamento de vida, ainda que caótica e pegajosa nos seus parâmetros orgânicos – estes despertariam o nojo de qualquer adolescente –, e é assim que, no senso comum de uma administração pública, o verde se torna “mobiliário urbano”. A despeito de todo o movimento ambientalista da segunda metade do século passado, a sociedade rural era mais ecológica na sua própria imersão inconsciente na lama e no esterco, nos ritmos sazonais e na autoctonia de produção-consumo, na reutilização capaz de superar qualquer política de reciclagem.
Um discurso semelhante pode ser feito em relação ao respeito aos animais, tão alardeado na mídia, a ponto de fazê-lo se tornar uma captatio benevolentiae, quando, na realidade, por meio das formas mais nauseantes de constrição antropomórfica, nega-se aos diversos animais que expressem a sua própria identidade de espécie específica. O porquê é óbvio. As pessoas têm uma maior frequentação com os personagens dos desenhos animados interpretados pelos animais do que com os próprios animais. Os animais se tornaram máscaras chamadas a desempenhar o papel que o ser humano lhes impõe, sem qualquer capacidade crítica.
É impensável preservar os equilíbrios ecológicos, salvaguardar os diversos ambientes naturais, respeitar os animais se estes não entram no horizonte experiencial da criança desde a primeira infância, se são vividos como estranhos, não foram introjetados como elementos eletivos, próprios por serem habitados e em relação aos quais ocorreu um processo de sodalício. Os valores também têm uma perspectiva afetiva, indicam um projeto na sua definição de plataformas prescritivas, mas é evidente que estão enraizados dentro de orientações que não podem se basear na estranheza.
Os valores definem prioridades e escolhas – por exemplo: quais entes eu quero preservar, o que eu acredito que está de acordo com o meu juízo de uma vida boa, quais as finalidades pelas quais vale a pena lutar ou se sacrificar –, mas estes só podem se fundar no enraizamento. A imersão constante em uma segunda realidade só pode produzir uma erradicação e um estranhamento em relação à natureza, aos ecossistemas e ao mundo animal. Trata-se de um divórcio que não pode deixar de determinar influências estéticas e éticas. Quando observo uma família sentada à mesa, onde cada um está totalmente compenetrado diante do seu celular, não posso pensar que isso não tenha consequências, depois, no plano valorial, porque, principalmente nas mentes jovens, esse estranhamento da relação social se traduz em um modelo bem preciso de participação existencial e, portanto, de orientação prescritiva.
Confiar-se à máquina
A passagem da utilização da máquina analógica para a imersão na tecnosfera digitálica também produz um lento hábito de se confiar à máquina – não mais apenas no perfil operacional, mas também no estratégico-decisório – chegando ao paradoxo de elevá-la a âncora de salvação, isto é, fazendo sobre a téchne aquele investimento soteriológico que o homem pré-humanista identificava na divindade, e o moderno, em si mesmo. A tecnosfera não é feita de instrumentos de pronta utilização, mas é dimensional – poderíamos dizer acolhedora e tranquilizadora, como uma espécie de âmnio – e, nesse sentido, assume a imagem de uma base segura. A tecnosfera se abraça, nela nos abandonamos, afrouxando as rédeas do comando. Por isso, ganha espaço o pensamento de que vão ser as máquinas que vão nos salvar ou, pelo menos, tomar aquele leme que parece bloqueado no homem contemporâneo: a imersão na tecnosfera nos mostra, portanto, uma progressiva perda de titularidade que se assoma no horizonte. Por outro lado, se refletirmos de modo pós-humanístico sobre a ilusão amniótica da téchne, perceberemos o quanto precisamos de novos paradigmas interpretativos em relação às acelerações em curso.
Uma coisa deve ser dita. O ser humano parece desarmado e incapaz de enfrentar os desafios mais importantes – pensemos no aquecimento global, no crescimento demográfico, no reequilíbrio da riqueza, nos problemas de geopolítica após a queda dos Estados-nação, nas migrações dos povos – e, assim, parece esperar contornar esse chamado à responsabilidade confiando-se a um ente terceiro capaz de decidir por ele. Não só a ficção científica, mas também algumas escolas de filosofia, pensemos por exemplo no movimento trans-humanista, imaginam um futuro no qual serão as máquinas que programarão a agenda do ser humano; por outro lado, é a própria produção industrial que nos oferece a perspectiva de máquinas com elevada autonomia performativa e funcional: pense-se, por exemplo, nos carros autônomos ou nas novas gerações de robôs ou, ainda, nos avanços na pesquisa sobre a inteligência artificial. É inútil dizer que estamos diante de uma metamorfose antropológica, antes ainda que tecnopoiética, em relação à qual desenvolvemos uma escassa capacidade crítica acerca das consequências ontológicas possíveis, na falsa ilusão de que, de todos os modos, nós estamos no leme desses processos.
As pesquisas de ponta estão nos orientando para uma revolução do próprio conceito de máquina, não só em termos de autonomia operacional, mas também de capacidade avaliativa e decisória, por meio de novos caminhos projetuais.
Menciono dois:
Gostaria de sublinhar que, em ambos os casos, falar de máquinas, no sentido usual do termo, valendo-se das estruturas conceituais às quais estamos acostumados, mais do que nos fornecer uma imagem aproximada, é totalmente enganoso. Um robô que sente e deseja não é mais uma máquina.
Atribuir disposições a uma máquina, poderíamos dizer “animalizá-la”, significa torná-la portadora de interesses inerentes – um pouco como no famoso exemplo do Hal 9000 de Kubrick – fazendo emergir inevitavelmente uma self-ownership. Mas, então, ainda faria sentido chamá-la de máquina? Uma inteligência artificial, dotada de um sistema disposicional, caracterizado por emoções e por motivações, seria, para todos os efeitos, uma alteridade portadora de um certo nível de autopertencimento: certamente, não pode mais ser considerada um instrumento a ser utilizado. Com que consequências éticas? O debate está aberto. Por outro lado, para se ter um robô autônomo e inteligente, não se pode deixar de torná-lo capaz de intus-legere. Na verdade, estamos diante de uma circularidade nada fácil de desembaraçar.
As questões éticas
Também existem, nesse caso, questões éticas de primeiro impacto. Gostaria apenas de citar algumas, sem qualquer pretensão de exaustividade:
i. estamos realmente dispostos a dar autonomia ideativa e decisória às máquinas?
ii. é viável um caminho baseado em uma programação rígida das escolhas éticas que elas deverão executar? Mas, acima de tudo, responderia realmente às exigências de ordem éticas?;
iii. quais características disposicionais devem ser atribuídas a uma inteligência artificial para evitar uma situação de conflitualidade de interesses?
iv. deveremos ler como uma nova forma de escravismo o fato de dotar uma máquina de interesses e, depois, mantê-la em uma condição de cativeiro?;
v. como regular as relações entre o ser humano e os robôs, conhecendo as atitudes certamente não pacíficas do ser humano?;
vi. diante da evidente incapacidade do ser humano de tomar decisões interessadas, mas imparciais – é utópico o véu de ignorância de Rawls – devemos confiar aos robôs as decisões que dizem respeito ao futuro da humanidade?;
vii. como devemos nos comportar em relação a uma entidade inteligente? Que limitações deveremos nos impor?;
viii. como evitar alianças entre grupos de humanos contra outros humanos, ambos equipados de robôs capazes de decisão?
Acredito que a grande maré de debates e reflexões que se desenvolvem dentro da filosofia pós-humanista diz respeito essencialmente a alguns problemas :
1. em primeiro lugar, há a queda daquela centralidade universalista do ser humano, caracterizadora do humanismo, que, se antes oferecia valores-bússola, hoje não é mais capaz de fazer isso;
2. a grande crise ecológica em curso, para além de todas as considerações fantasiosas e futuristas, coloca-nos diante de desafios nada fáceis de resolver, razão pela qual o ser humano parece em busca de um salvador e de uma salvação tecnomediada;
3. estamos submersos pelo desenvolvimento de uma pluralidade existencial que torna toda leitura onicompreensiva e baseada em dicotomias resolutivas que não respondem mais às exigências com as quais temos que lidar;
4. a transformação da própria téchne que se torna cada vez mais dimensional e é cada vez menos interpretável dentro da métrica conceitual do instrumento.
A tecnoética está precisamente dentro desses problemas.