05 Janeiro 2021
No dia 3 de janeiro de 1521, o Papa Leão X promulgou a bula Decet Romanum Pontificem, que pôs para fora da lei os escritos e as ideias do monge e teólogo agostiniano alemão. Assim começou a reforma protestante.
A reportagem é de Riforma, 04-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 15 de junho do ano anterior, o mesmo pontífice, cujo nome de batismo era Giovanni de’ Medici, filho de Lorenzo, o Magnífico, havia emitido outra bula, a Exsurge Domine, que pedia a Lutero que se retratasse das suas teses.
No dia 10 de dezembro de 1520, seis meses depois, o frade queimou uma cópia da bula papal em praça pública em Wittenberg. Duas semanas depois, chegou a excomunhão e o início de fato do cisma protestante.
Em abril de 1521, a Dieta de Worms, liderada pelo imperador Carlos V, pediu a Lutero que abjurasse, mas ele se recusou. Daí a condenação imperial como inimigo da cristandade.
A Federação Luterana Mundial (FLM) e o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, durante a sua reunião anual conjunta realizada em Genebra em janeiro do ano passado, decidiram recordar juntos o 500º aniversário da excomunhão de Lutero. O secretário-geral da FLM, Martin Junge, e o presidente do Pontifício Conselho, Kurt Koch, copresidiram o encontro no Escritório da Comunhão da FLM.
“No espírito do compromisso de continuar trabalhando para passar do conflito à comunhão, o evento conjunto se concentrará nos importantes desenvolvimentos ecumênicos dos últimos tempos. Será delineado como o caminho ecumênico das últimas décadas permitiu se relacionar em um momento doloroso da história com uma abertura ao dom da unidade, pelo qual luteranos e católicos continuam rezando e trabalhando”, escrevem os promotores.
Para expressar essa abertura ecumênica, um serviço litúrgico será realizado no dia 25 de junho de 2021 em Roma , em antecipação ao 500º aniversário da Confissão de Augsburgo, apresentada naquela data em 1530. Foi a primeira exposição oficial dos princípios do protestantismo, redigida por Filipe Melâncton.
Decet Romanum Ponteficem, de Leão X
Pelo poder que lhe foi conferido por Deus, compete por nomeação e disposição divina ao Romano Pontífice gerir as penas espirituais e temporais, segundo corresponda respectivamente a cada caso. O propósito disso é a repressão dos malvados desígnios de homens desviados, que ficaram tão fascinados pelo seu degradado impulso a fins malvados a ponto de esqueceram o temor do Senhor, de porem de lado com desprezo os decretos canônicos e os mandamentos apostólicos, e de ousarem formular novos e falsos dogmas e de introduzir o mal do cisma na Santa Igreja de Deus – ou de apoiar, ajudar e aderir a tais cismáticos, que fazem um comércio do fato de rasgarem a túnica do nosso Redentor e a unidade da correta fé.
Portanto, compete ao Pontífice, por temor de que a barca de Pedro pareça navegar sem piloto ou remador, tomar severas medidas contra tais homens e os seus seguidores e, mediante a multiplicação de medidas punitivas e de outros oportunos remédios, fazer com que esses mesmos homens prepotentes, dedicados como são a fins malvados, junto com os seus aderentes, não enganem a multidão dos simples com as suas mentiras e os seus mecanismos enganosos, nem os arrastem juntos para compartilhar o seu erro e a sua própria ruína, contaminando-os com o que equivale a uma contagiosa doença.
Compete também ao Pontífice, depois de ter condenado os cismáticos, para evitar uma perdição e confusão ainda maior deles, publicamente, mostrar e declarar abertamente a todos os fiéis cristãos como são temíveis as censuras e as punições às quais tal culpa pode levar, para que, por meio de tal declaração pública, eles possam se dirigir, com contrição e remorso, à sua verdadeira essência, fazendo uma abjuração irrestrita das conversações proibidas, restabelecendo a comunhão e a obediência ao que foi dito na missiva anterior, de modo que possam evitar os castigos divinos e qualquer grau de participação nas respectivas condenações deles.
II. Fomos informados de que, depois que esta Nossa missiva anterior havia sido exposta em público e a partir do momento em que o intervalo ou os intervalos temporais de resposta prescritivos haviam transcorrido – e, com a presente, notificamos solenemente a todos os fiéis cristãos que esses intervalos transcorreram e estão transcorridos –, muitos daqueles que haviam seguido os erros de Martinho Lutero tomaram conhecimento da nossa missiva e das suas advertências e injunções; o Espírito de um salutar conselho levou-os de novo a si, confessaram os seus erros e abjuraram a heresia conforme a Nossa reivindicação e, voltando à verdadeira fé católica, obtiveram a bênção de absolvição que aqueles mesmos mensageiros estavam autorizados a conceder; e, em diversos estados e localidades da chamada Alemanha, os livros e os escritos do mencionado Martinho foram publicamente queimados, como tínhamos ordenado.
No entanto, o próprio Martinho, e dizer isto nos dá grave dor e perplexidade, ele, o escravo de uma mente depravada, desprezou revogar e renegar os seus erros no intervalo prescrito e nos enviar mesmo que uma única palavra de revogação, como por Nós paternalmente solicitado, ou vir ele mesmo até Nós; ao invés disso, como uma pedra de tropeço, ele não temeu escrever e pregar coisas piores do que antes, contra Nós e esta Santa Sé e a fé católica, e de guiar outros a fazerem o mesmo.
Agora é solenemente declarado herege; e assim também os outros, qualquer que seja a sua autoridade e grau, que não tiveram cuidado algum com a sua própria salvação, mas publicamente e diante dos olhos de todos os homens se tornam seguidores da perniciosa e herética seita de Martinho; e aqueles que deram a ele aberta e publicamente a sua ajuda, conselho e favor, encorajando-o no meio deles na sua desobediência e obstinação, ou obstaculizando a publicação da nossa citada missiva: esses homens incorreram nas penas estabelecidas em tal missiva e devem ser tratados legitimamente como hereges e evitados por todos os fiéis cristãos, como diz o Apóstolo.
III. O nosso propósito é que tais homens devem ser legitimamente considerados do mesmo modo de Martinho e dos outros infaustos hereges e excomungados, e que, precisamente quando tenham se inclinado com a mesma obstinação ao pecado do citado Martinho, compartilhem igualmente das suas punições e o seu mesmo nome, levando consigo para toda a parte o título de “luteranos” e as punições que isso envolve.
As nossas instruções anteriores eram tão claras e foram tão eficazmente notificadas que, se forem observados tão estritamente os nossos presentes decretos e declarações, que não faltará aviso, prova ou citação. Os Nossos decretos que se seguem são dirigidos contra Martinho e os outros que o seguem na obstinação do seu propósito depravado e execrável, assim como contra aqueles que o defendem e protegem com uma guarda do corpo militar, e aqueles que não temem apoiá-lo com seus próprios recursos ou de qualquer outro modo, e aqueles que têm a presunção de oferecer e fornecer ajuda, conselho e favor a ele. Todos os seus nomes, sobrenomes e graus – por mais elevada e fulgurante que seja a sua dignidade – queremos que sejam considerados incluídos nestes decretos com o mesmo efeito como se estivessem elencados individualmente e pudessem ser, assim, elencados na publicação dos decretos, que deve ser favorecida com uma energia à altura da força dos seus artigos.
Sobre todos estes, Nós decretamos, declaramos, definimos as sentenças de excomunhão, de anátema, da nossa perpétua condenação e interdito, de privação da dignidade, das honras e das propriedades sobre eles e sobre os seus descendentes, e de inidoneidade declarada para os próprios bens, de confisco dos seus bens e de delito de lesa majestade: essas e as demais sentenças, censuras e penas que são infligidas pelo direito canônico aos hereges e que estão indicadas na nossa missiva supracitada, decretamos que incidiram sobre todos esses homens para a sua condenação.
IV. Nós acrescentamos à nossa presente declaração, com a Nossa Autoridade Apostólica, que os estados, territórios, campos, cidades e lugares em que esses homens temporariamente viveram ou que tiveram a ocasião de visitar, junto com os seus bens – cidades que têm catedrais e sedes metropolitanas, mosteiros e outras casas religiosas e lugares sagrados, privilegiados ou não privilegiados –, todos e cada um estão postos sob o nosso interdito eclesiástico, enquanto durar este interdito, nenhuma pretensão de Indulgência Apostólica (exceto nos casos permitidos pela lei, e também aí, por assim dizer, a portas fechadas e excluídos aqueles sob a excomunhão e interdito) pode ser invocada para permitir a celebração da missa e dos outros ofícios divinos.
Nós prescrevemos e ordenamos que os homens em questão sejam por toda a parte denunciados publicamente como excomungados, infaustos, condenados, interditados, privados de bens e incapazes de possuí-los. Eles devem ser rigorosamente evitados por todos os fiéis cristãos.
V. Queremos dar a conhecer a todos o pequeno comércio malévolo que Martinho e os seus seguidores e os outros rebeldes criaram sobre Deus e a Sua Igreja com a sua temeridade obstinada e sem vergonha. Queremos proteger o rebanho de um animal infeccioso, por temor de que a sua infecção se espalhe para as ovelhas saudáveis. Por isso, impomos a seguinte injunção a todos e a cada um Patriarca, arcebispo, bispo, aos prelados da catedral patriarcal, metropolitana, e às igrejas colegiadas, e aos religiosos de todas as ordens, também mendicante – privilegiado ou não privilegiado –, onde quer que se encontrem: que, sob a força da fé e do seu voto de obediência e sob pena da sentença de excomunhão, eles, se assim for exigido para a execução destes presentes decretos, anunciem publicamente e façam com que sejam anunciados por outros nas suas igrejas que o mesmo Martinho e o seu séquito são excomungados, réprobos, condenados, hereges, endurecidos, interditados, privados de bens e incapazes de possuí-los, e assim elencados na execução destes decretos. Três dias serão concedidos: Nós pronunciamos uma advertência canônica e concedemos um dia de pré-aviso sobre a primeira advertência, outro sobre a segunda, mas, no terceiro, decretamos uma execução peremptória e definitiva da nossa ordem. Isso ocorrerá no domingo ou em um dia de festa, quando uma grande multidão se reúne para o culto. O estandarte da cruz deve ser erguido, soem os sinos, as velas permaneçam acesas e, após um certo tempo, sejam apagadas, sejam jogadas ao chão e pisoteadas, e pedras devem jogadas três vezes, e façam-se as outras cerimônias que se costumam observar em tais casos. Os fiéis cristãos, todos, devem ser rigorosamente intimados a fugir desses homens.
Gostaríamos ainda de uma ocasião a mais para contrastar o referido Martinho e os outros hereges que mencionamos, e os seus seguidores e partidários: desde já, sob a força da sua fé e do seu voto de obediência, Nós ordenamos a todos e a cada Patriarca, arcebispo e todos os outros prelados que, precisamente por estarem encarregados com a autoridade de São Jerônimo de dissipar cismas, assim também agora, na crise atual, como lhes obriga o seu ofício, devem erguer um muro de defesa para o seu povo cristão. Estes não devem se calar como cães mudos que não podem latir, mas incessantemente devem gritar e levantar a voz da pregação, e fazer com que seja pregada a palavra de Deus e a verdade da fé católica contra os artigos condenados e heréticos citados acima.
VI. A todos os reitores de igrejas paroquiais, aos reitores de todas as Ordens, também mendicantes, privilegiados ou não privilegiados, Nós ordenamos nos mesmos termos – sob a força da sua fé e do seu voto de obediência – que são designados pelo Senhor para serem como as nuvens, que espalham chuvas espirituais sobre o povo de Deus, que não tenham medo de dar a mais ampla publicidade à condenação contida nos artigos acima mencionados, como lhes obriga o seu ofício. Está escrito que o amor perfeito expulsa o medo. Permiti que cada um de vós assuma o ônus de tal dever meritório com devoção completa; mostrai-vos, portanto, tão escrupulosos na sua execução, tão zelosos e solícitos em palavras e obras que, a partir dos vossos trabalhos, com o favor da graça divina, venha a esperada colheita e que, por meio da vossa devoção, não só ganheis aquela coroa de glória que é a recompensa devida a todos os que promovem a defesa da fé, mas também obtenhais de Nós e da Santa Sé o elogio irrestrito que a vossa diligência merece.
VII. No entanto, uma vez que seria difícil entregar a presente missiva, com as suas declarações e os seus anúncios, a Martinho em pessoa e aos outros declarados excomungados, por causa da força da sua facção, o Nosso desejo é de que a afixação pública desta presente missiva nas portas de duas catedrais – ou ambas metropolitanas, ou uma catedral e uma metropolitana entre as igrejas da Alemanha –, por meio de um mensageiro dos nossos naqueles lugares, tenha tamanha eficácia vinculante que Martinho e os outros que nomeamos devem se mostrar condenados em todos os pontos de modo decisivo, como se a missiva tivesse sido levada pessoalmente ao seu conhecimento e apresentada a eles.
VIII. Também seria difícil transmitir esta missiva em cada lugar onde a sua publicação poderia ser necessária. Daí o nosso desejo e decreto de autoridade de que as cópias dela, seladas por algum prelado eclesiástico ou por um dos nossos mensageiros anteriormente referidos, e autenticadas pela mão de algum notário público, devem levar consigo, em toda a parte, a mesma autoridade da proposição e da exibição do próprio original.
IX. Nenhum obstáculo é concedido aos nossos desejos nas constituições apostólicas e nos decretos ou em nada na nossa referida missiva anterior que nós não queiramos obstaculizar ou em qualquer outro pronunciamento em contrário.
X. Ninguém pode infringir esta ou qualquer Nossa decisão escrita, declaração, preceito, injunção, designação, vontade, decreto ou temerariamente contrariá-los. Se alguém ousar tentar tal coisa, saiba que incorrerá na cólera de Deus Todo-Poderoso e dos Bem-Aventurados Apóstolos Pedro e Paulo. Nós o dissemos.
Dado em São Pedro, Roma, em 3 de janeiro do ano do Senhor de 1521, o oitavo ano do Nosso pontificado.
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Há 500 anos, Martinho Lutero era excomungado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU