23 Dezembro 2020
“O respeito pelas pessoas deveria ser impregnado em nossas relações e comunidades. Como o papa Francisco consistentemente enfatizou, a misericórdia encontra as pessoas e suas necessidades, não suas infrações morais. Quando famílias católicas e comunidades aprenderem a ver os outros com esses olhos, novos horizontes em como nós imaginamos a extensão e diversidade de nossas famílias devem ser encontrados”, escreve Jacob Kohlhaas, professor associado da Teologia Moral na Loras College, Dubuque, Iowa, em artigo publicado por New Ways Ministry, 22-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo superior” (Papa Francisco, Christus Vivit, 15)
Em novembro passado, a secretaria de Serviço da Infância do governo da cidade de Nova Iorque, publicou um estudo de jovens LGBTQAI+ e cuidados adotivos. Esse relatório confirma estudos que mostram a significante super-representação de jovens LGBTQAI+ no sistema de cuidado à infância.
De acordo com o estudo, os jovens LGBTQAI+ têm cerca de 50% mais chances de entrar em um orfanato e entrar no sistema em uma taxa maior quando chegam à adolescência. Esses jovens também recebem cuidados adotivos familiares com menos frequência e, em vez disso, são mais propensos a viver em casas de grupo. Curiosamente, os indivíduos LGBTQAI+ eram um pouco mais propensos a entrar em contato com suas famílias de origem, mas a qualidade desse relacionamento tendia a ser mais fraca em comparação com seus pares heterossexuais e cisgêneros. Além disso, um jornalista do The New York Times apontou, citando o último relatório, “esses fatores de risco estavam associados a diferenças no bem-estar. Jovens LGBTQAI+ relataram ter mais sintomas depressivos e menos sentimentos de otimismo”.
O estudo também observa uma taxa elevada de experiências de sem-teto, o que novamente confirma estudos anteriores de 2013 e 2017. Eles colocam os jovens LGBTQAI+ entre um terço e metade da população jovem sem-teto. A maioria estava sujeita a situações instáveis, como abrigos e surfe de sofá. Grupos de defesa para esses jovens costumam citar a rejeição da família como um dos principais motivos por trás dos números elevados. Essas lembranças dolorosas da exclusão da família vêm em um momento em que muito se tem feito sobre possíveis novos rumos no pensamento católico.
Cerca de um mês antes do lançamento do relatório de Nova Iorque, um novo documentário apresentava o papa Francisco relembrando seu apoio às uniões civis (para garantir o bem-estar humano e salvaguardar o casamento heterossexual) e afirmando que os homossexuais “têm direito a uma família”. Embora suas palavras parecessem provocativas, a incerteza também cercou a origem da filmagem. Com relativa rapidez, os relatórios confirmaram que os comentários do Papa foram combinados a partir de respostas a perguntas separadas em entrevistas separadas. Mas, nesse meio tempo incerto, vários teólogos católicos se aventuraram a fornecer sua interpretação do que o papa pode ter pretendido, particularmente sua reivindicação sobre o “direito a uma família”.
Na conversa, Julie Hanlon Rubio sugeriu que o Papa pode estar oferecendo uma visão mais ampla e inclusiva da família. Ela escreveu “quando, ao discutir as uniões civis do mesmo sexo, Francisco disse que os gays têm ‘direito a uma família’, ele parece ter sugerido que as uniões civis criam uma família”. Ela acrescentou ainda que tal visão não muda o ensino moral, mas muda a retórica.
No Bondings 2.0, Cristina Traina reconheceu a preocupação de Francisco com os excluídos e conectou suas citações no documentário com as preocupações que ele expressou pelos casais não casados que coabitam a mesma casa na encíclica de 2016 Amoris Laetitia. Ela argumentou que as palavras do Papa introduziram gradação no uso do termo “família” na Igreja.
E na Igreja Católica dos EUA, eu também arrisco um palpite. Sabendo o quão absolutamente central é a ética sexual e o gênero para o catolicismo contemporâneo, entendendo da família, eu presumo que o Papa deve estar metaforicamente se referindo à Igreja como uma família. Mesmo assim, eu concluo, ele estava demarcando um importante trabalho de base para ressignificar o entendimento católico de família.
Depois de mais informações emergirem, o podcast da America, conduzido por Colleen Dulle e Gerard O’Connell, explicou que o documentário cortou a pergunta que foi feita ao Papa e a segunda parte de sua resposta, na qual Francisco reitera que atos homossexuais nunca poderão ser aprovados. Com as palavras em questão, o Papa aparenta estar afirmando que toda pessoa tem “direito” à família de origem. Aparentemente, o Papa acredita que essa obrigação pela inclusão é válida até mesmo para pessoas em relacionamentos do mesmo sexo e, presumivelmente, se estende à identidade de gênero também.
Dada a realidade documentada nos relatos acima, aparenta que a modesta afirmação do papa Francisco de um “direito à família” está longe da realidade nas vidas de muitos jovens. Mais que serem incluídos, acolhidos, apoiados e encorajados a “buscar horizontes mais amplos”, muitos jovens LGBTQAI+ vivenciaram a rejeição ou foram distanciados de suas famílias de origem.
Embora o significado de “direito à família” tenha desapontado os intelectuais católicos progressistas, ainda confirma a dignidade das pessoas LGBTQAI+ no nível básico. Infelizmente, mesmo esse pequeno passo é um padrão de inclusão e compromisso que muitas famílias e congregações falham em se atualizar. Como Steven P. Millies observa, o crescimento da aceitação social de pessoas LGBTQAI+ e seus relacionamentos vieram rapidamente para uma Igreja institucional que não está apta ao rápido desenvolvimento. Mesmo acreditando que famílias e comunidades de fé não devam abandonar seus filhos, ainda não se requer que apoie publicamente o casamento homossexual.
O respeito pelas pessoas deveria ser impregnado em nossas relações e comunidades. Como o papa Francisco consistentemente enfatizou, a misericórdia encontra as pessoas e suas necessidades, não suas infrações morais. Quando famílias católicas e comunidades aprenderem a ver os outros com esses olhos, novos horizontes em como nós imaginamos a extensão e diversidade de nossas famílias devem ser encontrados.
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A afirmação do Papa sobre “direito à família” pode ajudar jovens LGBTQ no cuidado adotivo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU