17 Dezembro 2020
"A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes", escreve Salvatore Mazza, jornalista italiano, em artigo publicado por Avvenire, de 16-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na sexta-feira da semana passada, dia 13, foi celebrado o Dia Mundial da Gentileza. Poucos perceberam, eu acho. Nada de estranho, provavelmente, visto a quantidade de celebrações que se seguem uma após a outra, quase à insígnia "todo mundo tem direito a seu dia de celebração". No caso em questão, porém, é uma pena.
A origem do dia dedicado à amabilidade, à gentileza, parece remontar ao discurso com que o reitor de uma universidade japonesa se despediu de seus alunos, na década de 1960, exortando-os a sempre cultivar "a arte da gentileza", pois só assim "é possível salvar o mundo”, um discurso que trinta anos depois teria inspirado o nascimento do movimento internacional que, em 1998, levou à instituição do Dia. Se a situação é realmente essa, não é certo; o que é certo é que este nosso mundo realmente precisa de mais amabilidade.
Tornamo-nos mal-humorados, rancorosos, invejosos e até maus; por uma ninharia nós fazemos questão de não esquecer, e este Covid que nos assedia há quase um ano certamente não facilitou as coisas, mas, ao contrário, as exacerbou ainda mais.
Muito mais amabilidade seria realmente necessária, em resumo. E de uma gentileza não formal, mas verdadeira, profunda, capaz de ser o verdadeiro sinal da nossa existência, desde a raiz. Em maio de 2015, retomando um conceito já expresso várias vezes a partir de Assis dois anos antes, o Papa Francisco recordou as três palavras que deveriam nortear a vida de cada família: "com licença", "obrigado", "desculpe"... palavras que abrem o caminho para viver bem, para viver em paz ... Costumamos entendê-las como palavras da "boa educação" ... Um grande bispo, São Francisco de Sales, costumava dizer que "a boa educação já é meia santidade" ... Às vezes se pensa que estamos nos tornando uma civilização de maus modos e palavrões, como se fossem um sinal de emancipação ... A gentileza e a capacidade de agradecer são vistas como um sinal de fraqueza, às vezes até suscitam desconfiança. Essa tendência deve ser combatida dentro da própria família. Devemos ser intransigentes quanto à educação para a gratidão, para o reconhecimento: a dignidade da pessoa e a justiça social passam por aqui”.
Ideia forte, que Bergoglio repropôs na Exortação Amoris Laetitia, e sobre a qual, de forma ainda mais contundente, ampliando seu horizonte da família para o mundo, volta na Encíclica Fratelli tutti, onde lemos que “o individualismo consumista provoca muitos abusos ... No entanto, ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade; há pessoas que o conseguem, tornando-se estrelas no meio da escuridão.... É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos outros ... A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes. Hoje raramente se encontram tempo e energias disponíveis para se demorar a tratar bem os outros, para dizer `com licença’, ‘desculpe’, ‘obrigado’. Contudo de vez em quando verifica-se o milagre duma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença". O Papa Francisco intitulou essa passagem na sua última encíclica "Recuperar a amabilidade", que já diz tudo. Cabe a nós recuperá-la na vida cotidiana. E não apenas um dia por ano.
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Recuperar a amabilidade e saber conservá-la - Instituto Humanitas Unisinos - IHU